“Lampião”
– Rachel de Queiroz
Resenha
- “Lampião” – Rachel de Queiroz – Drama em Cinco Quadros – Livraria José
Olympio Editora - 1953
“Ele
matava de brincadeira
Por
pura perversidade
E
alimentava os famintos
Com
amor e caridade”
(Cordel
sobre Lampião)
Esta
peça de teatro sobre passagens da vida de Lampião foi publicada em 1953 pela
escritora cearense Rachel de Queiroz.
A
autora é uma das representantes da nossa segunda geração de artistas do
movimento modernista, de cunho regionalista, envolvendo autores como Graciliano
Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado e José Américo de Almeida. Trata-se de
uma literatura que explora as mazelas e a opressão social de setores sociais marginalizados.
como sertanejos, retirantes, trabalhadores do campo de da cidade. Contudo, a
literatura destes autores não envolve uma narrativa meramente panfletária, com
personagens eivados de superficialidade, ou mesmo se assemelhando a caricaturas
do real. Do particular ou do regional as histórias destes escritores despontam
às questões atemporais, a dilemas sentimentais que fazem desta literatura não
só atual, mas universal no sentido de que dialoga com leitores do Brasil e do
mundo, em todos os tempos.
Neste Lampião,
a autora informa que redigiu a história partindo de uma pesquisa de campo e
entrevistando até pessoas que conheceram de perto Virgulino Ferreira Lampião, o
“interventor do sertão”.
Informa
Rachel na abertura da sua história:
“Esta
peça não se pode presumir de histórica: contudo, procurou acompanhar o mais
perto possível a lenda, o anedotário, o noticiário de jornal – a tradição oral
e escrita relativa ao mais famoso de nossos cangaceiros”.
Como
não poderia deixar de ser, Lampião, sendo um personagem que permeia todo um
imaginário popular do povo camponês do nordeste brasileiro, criou sua fama nos
limites da história e do mito. Por sinal, a situação de banditismo social dos
cangaceiros brasileiros é mencionada no livro pioneiro dedicado ao tema do
historiador inglês Eric Hobsbwam, “Bandidos”.
Hobsbawm
inaugura os estudos de uma nova categoria social, os bandidos sociais. Não são
delinquentes comuns que cometem crimes para seu próprio proveito. O banditismo
social é um fenômeno relacionado às sociedades camponesas pré-capitalistas e que
costumam se acentuar em momentos de desagregação, como guerras, rivalidades
locais relacionadas a disputas familiares, a fome ocasionada por má colheitas
ou mesmo o próprio desenvolvimento do capitalismo com a consolidação de Estados
Nacionais e a modificação forçada de modos de vida milenares, incluindo a
desintegração familiar. Diante de tais condições objetivas o fenômeno do
banditismo social tem o condão de surgir e, o que é particularmente
interessante, tal tipo ideal vai aparecendo ao longo da história em todos os
cantos do mundo. Nesta obra marcante do historiador britânico, verificamos que
o banditismo social é um fenômeno que permeia culturas populares em todos os
cantos do mundo – dos cossacos russos aos cangaceiros brasileiros, passando
talvez pelo mais famoso de todos eles, Robin Hood.
Consta
da história divergências sobre a origem de Lampião. Uma versão suscitada é a de
que Virgulino Ferreira vivera como um jovem normal até os 16 anos quando
policiais do governo (chamados pelos cangaceiros de “macacos”) assassinaram o
seu pai. A partir de então, Virgulino passaria para a vida do cangaço,
enfrentando tropas do governo, castigando os ricos e aqueles que colaboram com
as autoridades. Simbolizando ainda assim uma espécie de resistência embrionária
contra os poderes constituídos: basta aqui lembrar do personagem Fabiano de “Vidas
Secas[1]”.
Depois do retirante ser surrado e preso arbitrariamente pelo “soldado amarelo”
deseja vingança se alistando no cangaço, não o fazendo segundo suas cogitações
pessoais porque tem mulher e dois filhos para cuidar.
O nome
Lampião é justificado pelo protagonista como uma espécie de título: o nome não
foi dado, mas conquistado pelo cangaceiro, tratando a si como imperador do
sertão e exigindo dos outros o mais completo respeito e temor a si e à sua
autoridade sobre o grupo.
Quanto
à psicologia do personagem, ela não desmente a fama que Lampião deixou junto à
cultura do povo brasileiro: um homem forte e corajoso, extremamente confiante
de si mesmo, e ao mesmo tempo desconfiado de todos que o cercam. Acima de
Lampião apenas deus e seu padrinho Padre Cícero. Coragem, virilidade e
combatividade são valores exaltados pelos cangaceiros e permanecem como um
contraponto necessário à propaganda ideológica globalista que fala hoje em dia
em “desconstrução do gênero”, “masculinidade tóxica”, “machismo” e outras
bobagens do tipo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário