“O Menino Grapiúna” – Jorge Amado
Resenha Livro - “O Menino Grapiúna” – Jorge Amado –
Ed. Companhia das Letras
O Menino Grapiúna foi livro publicado em 1981 quando
Jorge Amado já era um escritor consagrado no país e no estrangeiro. Vinte anos
antes o escritor baiano assumira a cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras
(1961).
Jorge Amado é provavelmente o escritor brasileiro
mais conhecido e lido fora do país – no ano de 1971, por exemplo, o autor é
convidado para acompanhar um curso sobre sua obra na Universidade de
Pensilvânia nos EUA. O que é notável, neste caso, é a forma como o autor
consegue suscitar obras tanto reconhecidas pela crítica especializada quanto
pelo público: em que pese as nuanças que marcam a evolução de sua obra, há
sempre uma abordagem de pessoas e ambientes que realçam aspectos da cultura
popular.
No caso uma narrativa não só sobre o povo, mas para o
povo: “Gabriela, Cravo e Canela” de 1958 e “Tieta do Agreste” de 1977 foram
retratadas na forma de novela televisiva, possibilitando um vínculo raro entre
arte popular amplamente acessível, sem, com isso, redundar em narrativas improváveis,
em personagens superficiais antes parecidos com caricaturas. Aliás, se há algo
a ser reiterado nos livros de Jorge Amado é um certo realismo regionalista que
o escritor tivera como referência a partir da geração modernista nordestina… No
caso, geração crítica dos modernistas paulistas de 1922 – tendo como expoente
Gylberto Freire[1] na
sociologia, além de Rachel de Queiróz, Graciliano Ramos e José Américo de
Almeida. Aliás, consta que o “A Bagaceira” de José Américo marcaria
profundamente Jorge Amado.
É comum situar a evolução da produção literária de
Jorge Amado em duas etapas. A primeira fase dialoga explicitamente com o
envolvimento pessoal do escritor com o Partido Comunista Brasileiro. Ainda muito jovem o escritor se aproxima do
partido e, em 1936, é preso sob a acusação de ter participado da chamada “intentona
comunista” um ano antes. Com o advento do Estado Novo em 1937 é detido mais uma
vez e consta que seus livros teriam sido queimados em praça pública em
Salvador.
Nos anos de 1940, Jorge Amado viaja à Argentina e
Uruguai, dedicando-se à pesquisa sobre a vida de Luís Carlos Prestes, pesquisa
que resultará no livro “A vida de Luís Carlos Prestes”, posteriormente
rebatizado como “O cavaleiro da esperança”. Em 1946 é eleito deputado pelo
Partido Comunista – em 1947 seu mandato é cassado pouco após o PCB ser colocado
na ilegalidade no Governo Dutra.
Como relataria posteriormente, Jorge Amado assumiria
as tarefas político-partidárias antes como uma imposição da situação do que por
uma vocação pessoal. Consta que o escritor afastou-se definitivamente da
militância político-partidária em 1954, dois anos antes do fatídico XX
Congresso do PC soviético quando Kruschev levou adiante a política
liquidacionista de “denúncia contra os crimes de Stálin”. A verdade é que o
escritor baiano abandonou a militância para poder dedicar-se com exclusividade
à literatura – mas o certo é que a tonalidade política das obras mudam. É o
caso de cotejar Gabriela, Cravo Canela de 1956 com obras que tinham entre seus
aspectos decisivos a denúncia das iniquidades sociais, como a dura vida das
crianças de rua em “Capitães de Areia” (1937) e a situação dos trabalhadores
das fazendas de cacau em “Cacau” (1933).
“Menino Grapiúna” corresponde a lembranças de
infância do escritor. Nascido em 1912 em Itabuna na Bahia, uma das primeiras
imagens que lhe exsurge foi uma tentativa de emboscada de jagunços quase perpetrando
o assassinato do pai. A vida no sul da Bahia valia pouco, muito menos do que um
torrão de terra ou uma aposta no baralho.
O relato tem a forma de momentos e não uma narrativa
com começo, meio e fim. Os momentos são descritos sob a forma de imagens, luzes
sobre o passado que vão sugerindo a formação do homem dentro daquelas condições
sociais desde o sul interiorano da Bahia.
A infância de Jorge Amado dá-se em meio
aos matutos, coronéis, padres do seminário e prostitutas que acolhiam a criança
nos seus seios como se suas mães fossem.
“Entre jagunços, aventureiros, jogadores, o menino
crescia e aprendia. Aprendeu a ler antes de ir à escola, nas páginas do jornal A Tarde"
O livro remete aos aspectos culturais do Brasil
colonial retratado por Gyberto Freire e que ficariam conhecidos como o sistema
da democracia racial: a religião tendo forma doméstica, os santos nos
interiores das casas, o catolicismo misturado com crendices, a miscigenação racial,
o poder patriarcal vinculado ao domínio da terra, a aparente lhaneza no trato e
cordialidade convivendo com a violência arbitrária dos coronéis. Um retrato
comovente, mas parcial, na medida em que omite, mais ou menos intencionalmente,
as lutas sociais, sob pena de se incorrer num relato ideológico:
“Não serão as ideologias por acaso a desgraça do
nosso tempo? O pensamento criador submergido, afogado pelas teorias, pelos
conceitos dogmáticos, o avanço do homem travado por regras imutáveis?
Sonho com uma revolução sem ideologia, onde o destino
do ser humano, seu direito a comer, a trabalhar, a amar, a viver a vida plenamente
não esteja condicionado ao conceito expresso e imposto por uma ideologia, seja
ela qual for. Um sonho absurdo? Não possuímos direito maior e mais inalienável
do que o direito ao sonho. O único que nenhum ditador pode reduzir ou
exterminar”.
A violência relacionada à luta pela terra surge na
memória da criança como uma fatalidade: a ausência de uma teoria implica com frequência
na naturalização da arbitrariedade.
[1] Em
1926, o Congresso Regionalista, encabeçado por Gilberto Freyre, condena o
modernismo paulista por “imitar inovações estrangeiras”
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