quinta-feira, 4 de setembro de 2014

“50 Anos de Comunismo Soviético: Uma Avaliação” – Louis Fischer


Resenha Livro #123 “50 Anos de Comunismo Soviético: Uma Avaliação” – Louis Fischer – Ed. Tridente




                O escritor e jornalista norte-americano Louis Fischer é conhecido no Brasil em detrimento de sua biografia de dois volumes da vida de V. Lênin. Especialista em assuntos soviéticos, viajou para a URRS em 1922 onde viveu durante quatorze anos como correspondente do jornal “The Nation”. Durante este período escreveu livro sobre a questão do petróleo na região balcânica (Oil Imperialism: The International Struggle for Petroleum (1926) e sobre a política externa russa The Soviets in World Affairs (1930).

                Ainda na Europa, Fischer cobriu como jornalista a Guerra Civil Espanhola e permaneceria no Velho continente até 1938. Retornaria posteriormente à Rússia em 1956 e 1961, produzindo livros e reportagens sobre assuntos soviéticos e sendo reconhecido, nos EUA, como um dos principais especialistas sobre política, relações internacionais e cultura soviéticas, tendo lecionado na conceituada Universidade de Princeton.

                Nesta coletânea de artigos, Fischer aparece menos como o historiador que faz uma esmiuçada pesquisa da trajetória de vida de V. Lênin (A Vida de Lênin (1964) e mais como um jornalista ou cronista que relata e opina acerca da sociedade soviética, procurando fazer um balanço dos 50 anos de vida da Revolução Russa. Ou seja, revela mais as suas opiniões pessoais e políticas.

O livro foi escrito no final dos anos 1960, durante o governo de Kosygin, sendo necessária a contextualização.

A revolução de 1917 pode ser dividida em dois momentos fundamentais: a derrubada da monarquia absolutista em fevereiro, com a ascensão de Kerensky e, logo em outubro, um novo levante que derruba o governo provisório e instaura o partido bolchevique, o regime socialista propriamente dito.

Temos então gradualmente um processo de centralização do poder político concomitante às exigências decorrentes da conjuntura interna (fome, más colheitas no campo, desorganização na produção, sabotagem e contra-revolução) e da conjuntura externa (especialmente o problema da I Guerra e o fracasso da Revolução na Alemanha e demais países no ocidente, o que poderia vir a remediar e tirar do isolamento aquela experiência revolucionária embrionária).  Este processo de centralização política tem como ponto culminante a fase de Joseph Stálin, com a coletivização da agricultura, medida destinada à forçar a criação de cooperativas no campo e combater a especulação dos Kulags (grandes e médios camponeses), além do incentivo à industrialização, particularmente visando à defesa do estado soviético, o que seria decisivo nos anos subsequentes com a II Guerra Mundial.

Fischer escreve seus artigos no final dos anos 1960, já após o denominado processo de desestalinização , decorrente das denúncias de N. Khrushchev acerca dos métodos utilizados por Stálin para impor sua política no XX Congresso em 1956.

Como se sabe, todas as revoluções tiveram em seu período a sua fase correspondente de “terror”, momento de intensificação das rivalidades políticas. Aqui, Fischer sucumbe ao discurso ideológico (muito em voga ao seu tempo, correspondente à Guerra Fria) e demonstra estar contra autoritarismo não só do stalinismo mas de toda a experiência revolucionária. E o faz pessoalizando, numa fase de tremendas lutas políticas de vida e morte no processo da revolução russa, na figura exclusiva de Stálin.

Chega individualizar tão grosseiramente o fenômeno histórico que não podemos deixar de observar como se assemelham as análises de um observador liberal (Fischer) com a teoria subjetivista trotskysta segundo a qual a origem do “terror” tem como ponto de partida a “crise de direções”.

Vejamos as premissas teórico metodológicas de Louis Fischer no que tange o papel do indivíduo na história:

“A doutrina comunista que afirma não serem as pessoas que fazem a História, as sim as “circunstâncias objetivas”, “as forças de produção”, e a “luta das classes”, foi refutada pelo meio século de experiência soviética. Stálin pesou muito na balança. A suspeita, o prazer de vingança, a inclinação para a crueldade, o desejo do poder, o ódio e a vontade de ver-se glorificado destorceram vinte e cinco anos de história soviética, e tiraram a vida de milhões [1]de pessoas, roubando a mais outros milhões de pessoas os próprios ideais, (....). Esse é um fato objetivo. Stálin foi um ditador monstro por ter a ditadura à sua disposição. Mas os excessos que acrescentou à ditadura eram contribuição própria, resultado do caráter e psicologia pessoais”.

Marx dizia que os homens fazem a história, mas não a fazem como querem e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. No que se refere ao papel do indivíduo na história, nunca ele terá um papel maior ou mais exatamente um papel que condicione a luta de classes como sugere a passagem supracitada de Louis Fischer, mas exatamente o contrário: se o indivíduo se projeta na história, é só na medida em que esta projeção é um reflexo da teoria geral da luta de classes, não havendo aqui espaços para divagações acerca da psicologia individual e muito menos moral do indivíduo em questão. O que chamamos a atenção aqui é para a coincidência entre o ponto de vista liberal-burguês e o ponto de vista trotskysta, em que pese este último reconhecer formalmente a teoria da luta de classes.

Outro aspecto interessante é que se passaram quase “50 anos dos 50 anos” e basicamente não se alterou em nada o senso comum acerca do que significou Stálin e o stalinismo e de maneira mais geral o significado da experiência soviética desde o ponto de vista liberal-burguês: tratar-se-ia supostamente sempre de um modelo fadado ao autoritarismo, à violação das liberdades individuais, das ideias artísticas, da violência às oposições políticas. Todavia, com o fim da URSS, a única alternativa societária restante, o capitalismo liberal, não oferece às novas gerações as perspectivas de futuro que então eram pensadas pelos jovens entrevistados por Fischer na URSS: ou seja, uma vida que vá além de receber ordens de seu superior, constituir família e consentir ao status quo. Os levantes na Europa e nos EUA no movimento OCCUPY e msmo no Brasil em 2013 revelam este mesmo mal estar que Louis Fischer obseva nos jovens da URRS dos anos 1960.

Se antes se falava da miséria do comunismo realmente existente, hoje observa-se a crise histórica do capitalismo, o que exige dos comunistas uma grande tarefa: estudar profundamente não só a teoria mas a história do movimento revolucionário ao longo do séc. XX de forma a apontar para novos rumos que longe de significarem um revisionismo (um novo “capitalismo com face humana”) implique no renascimento do comunismo (aqui entendido em termos hegelianos, ou seja, enquanto projeto universal e atemporal, desde Spartacus até 2014).

 




[1] Trata-se de falsificação grosseira. Stálin não matou milhões de pessoas. Só se considerar que havia milhões de adversários políticos dentro do partido russo, o que é um absurdo em termos numéricos!
 

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