sábado, 6 de julho de 2013

“Teoria da Organização Política V.I” Ademar Bogo (org)


Resenha Livro #62 “Teoria da Organização Política V. I – Engels, Marx, Lênin, Rosa e Mao”. Ed. Expressão Popular



Esta compilação de textos tem como denominador comum o problema da organização da classe trabalhadora bem como da coordenação das lutas pela emancipação do trabalho em relação ao capital. Neste primeiro volume, temos artigos de autores “clássicos” da tradição marxista: o material é muito bom para aqueles que desejam aproximar-se da leitura direta dos textos originais destes autores fundamentais, sendo possível destacar similitudes e algumas diferenças pontuais quanto à questão da relação entre o partido revolucionário e as massas, a oposição entre os métodos “artesanais” de organização em contraponto às exigências da história de se profissionalizar a luta revolucionária, sem se deixa levar pelo espontaneísmo ou rebaixar o horizonte estratégico em detrimento do baixo nível de consciência política das massas.

Certamente, as polêmicas e os aspectos de divergência dentre os clássicos pode ser um bom ponto de partida para se apurar alguns dilemas que ainda estão candentes no movimento dos trabalhadores do mundo contemporâneo. Tais divergências enriquecem nossa compreensão inclusive das particularidades das lutas em determinados lugares e momentos históricos, sendo, pois, reflexo do grau de desenvolvimento das forças produtivas e da conformação das classes sociais em cada país. Tais ingredientes são fundamentais para se compreender por que cada autor segue tal ou qual linha política.

Assim, Mao, enfrentando uma situação de revolução permanente contra os nacionalistas e contra os invasores japoneses, reivindica a necessidade dos comunistas chineses travarem uma luta para angariar ao máximo o apoio popular (o que seria determinante para a conflagração da Grande Marcha que levaria os comunistas chineses ao poder). Para aproxima-se das massas, os comunistas devem abandonar o sectarismo (que na acepção maoista tem um sentido um pouco diferente do que conhecemos, significando a predominância dos interesses do particular em detrimento dos interesses da coletividade, bem como a não aceitação da própria forma de organização partidária, das ordens superiores, do centralismo democrático, etc).

Mao, igualmente, deparando-se com um país em que raros eram os intelectuais com formação marxista-leninista, critica duramente o dogmatismo: a formação teórica sem ligação com uma prática política. Frente às vicissitudes da revolução chinesa, a luta contra o dogmatismo em Mao implica (ainda que ele não use o termo) na luta contra a “burocratização”. Aqueles que teorizam sem aplicar as referências teórico-metodológicas do marxismo-leninismo à realidade chinesa tão pouco contribuem (ou contribuem menos!) do que trabalhadores e camponeses cujo conhecimento dá-se exclusivamente pela experiência sensorial. Tanto a prática desprovida da teoria quanto a teoria desprovida da prática são perniciosas: entretanto o dogmatismo pode ser ainda mais grave por criar em alguns indivíduos a falsa sensação de ser detentor exclusivo do saber justo revolucionário, se credenciando para assumir a responsabilidade política pela direção dos comitês locais sem o reconhecimento da importância do saber prático e implicando em autoritarismo.

Dentre os textos selecionados, poderíamos destacar que a principal oposição quanto às tarefas da organização política dá-se entre Rosa Luxemburgo e Lênin. Ainda que no texto de Rosa “Greve de Massas, Partido e Sindicatos”, a revolucionária alemã dedique-se ao estudo das greves de massas do início do séc. XX na Rússia, chegando à conclusão da universalidade da greve geral como momento da luta revolucionária, é possível, a partir de algumas nuanças, notar algumas diferenças entre a concepção de Rosa e Lênin.

Lênin dedica alguns de seus escritos à necessidade da conformação de uma estrutura profissional de militantes revolucionários por toda a Rússia: chega a ser impressionante como o revolucionário russo consegue conceber uma enorme e complexa estrutura partidária, detalhando as especializações de tarefas de agitação, propaganda, imprensa e trabalho partidários clandestinos por meio do melhor aproveitamento possível do material humano disponível aos socialdemocratas russos. Lênin não titubeava em criticar duramente o falso democratismo de setores que se opõe ao seu modelo centralizado de partido, com uma cúpula dirigente reduzida a um número baixo dos militantes mais capazes: certamente para um leitor que naturalizou as normas da democracia burguesa e alguns de seus princípios formais, como o da transparência e do controle democrático, as teses partidárias de Lênin podem parecer autoritárias. Mas aqui não há espaço para idealismos e foi com esta clareza que Lênin levou os bolcheviques à vitória: a Rússia ainda estava sob o jugo do czrismo, as atividades políticas implicavam constantemente em prisões e fechamento de jornais, fatos estes que exigiam uma organização clandestina, centralizada, cujos militantes orgânicos fossem os mais destacados entre a classe, de forma a se especializar nas tarefas em que tinham mais talento. Mesmo a alteração dos cargos de direção encontra óbice em Lênin. Enquanto um anarquista poderia entender a perpetuação de dirigentes à frente do partido como sinal de burocratização e degeneração, Lênin aponta que, àquela conjuntura de lutas revolucionárias, mais importante do que o método “democrático” é a confiança da classe em seus líderes, confiança que, de todo modo, vai sendo colocada à prova conforme a capacidade da direção dar uma orientação justa ao movimento.

Rosa Luxemburgo vivia um contexto completamente distinto. O partido social democrata alemão e os sindicatos que se alinhavam à social democracia ultrapassava 1 milhão e meio de pessoas. A Alemanha vivia sob a vigência de um estado constitucional e os comunistas detinham 110 cadeiras no parlamento alemão. Por suposto, esta relação radicalmente distinta quanto à institucionalidade implicava em problemas novos, distintos da Rússia. Enquanto no Oriente, a luta dos comunistas era contra a infiltração de policiais nas reuniões secretas, prisões e deportações, no Ocidente ganha espaço o revisionismo e a expectativa de que, por meio da ação parlamentar e institucional, seria possível alcançar o socialismo, sem revolução.

Quanto à esta ilusão, Rosa demonstra como os direitos “políticos” dos alemães não implicaram em garantias sociais tão sólidas à classe trabalhadora alemã. Demonstra como certas categorias de trabalhadores na Alemanha trabalhavam tanto quanto ou mais e ganhavam tanto quanto ou menos do que os trabalhadores Russos – e para isso Rosa chama a atenção para o enorme volume de greves econômicas que ocorreram antes das jornadas de luta de Janeiro de 1905 e como estas lutas conseguiram arrancar direitos importantes aos trabalhadores russos.

Agora, é sim possível encontrar algumas nuanças ou pontos divergentes nos textos de Rosa e Lênin. Ainda que nos textos Lênin não aborde especificamente o problema da greve geral, sua análise busca demarcar politicamente com relação aos setores populistas e espontaneístas que chegam ao ponto de querer rebaixar o horizonte estratégico da luta contra o capitalismo em função do horizonte político vislumbrado pelo trabalhador comum – o método artesanal de trabalho político e organização combinar-se-ia com a política do economicismo, que separa a luta econômica da luta política e em última análise deixa esta última ou para segundo plano ou a suprime para um futuro infinito.

Rosa aqui concorda com Lênin e ataca duramente quem não consegue perceber as diversas interações possíveis entre a luta política e econômica conforme a evolução do processo histórico. Entretanto, Rosa aponta para o fato de mesmo a organização mais revolucionária e disciplinada, ser incapaz, por ela própria e exclusivamente com as suas próprias forças, de  impulsionar uma greve geral revolucionária. Estas são produtos de uma determinada conjuntura histórica, são fenômenos históricos também regidos por múltiplo fatores de ordem objetiva e subjetiva e não podem ser estabelecidas por meio de um calendário de lutas definido no comitê central de um partido político.

Para Rosa, a equação parece estar invertida, se comparada a Lênin. Em Lênin tem-se a sensação de que a organização define a luta enquanto em Rosa tem-se a sensação de que a luta define a organização. Entretanto, nem Lênin e muito menos Rosa eram “blanquistas” ou “subsitucionistas”, defendendo a ação de uma minoria esclarecida organizada em partido dissociada da classe, com o objetivo da tomada do poder pela minoria e não pela classe.

O que se pode dizer é que, dadas as condições e particularidades históricas da Rússia e da Alemanha, Rosa destaca mais a importância da luta direta como meio de educação política enquanto Lênin destaca a importância do preparo e da educação política para a vitória da luta.

A guiza de conclusão, vamos citar uma passagem do artigo de Rosa sobre o papel da socialdemocracia. Trata-se de uma síntese poderosa e atual para se pensar a atualidade da percepção dos “clássicos” no que se refere à luta pelo socialismo.

“Aqui, a organização não fornece tropas para a luta, mas é a luta que fornece efetivos para a organização. Isso se aplica, em um grau muito maior, obviamente, à mobilização política direta de massas do que à luta parlamentar. Se os socialdemocratas, enquanto núcleo organizado da classe operária, são a vanguarda mais importante do conjunto dos operários, e se a clareza política, a força e a unidade do movimento operário surgem de tal organização, não se pode conceber a mobilização de classes do proletariado como mobilização da minoria organizada. Toda grande luta de classes deve se basear no apoio e na colaboração das mais amplas massas. Uma estratégia para a luta de classes que não conte com esse apoio, que tenha  por base uma manifestação realizada por um pequeno setor bem capacitado do proletariado, está destinada a terminar em um miserável fracasso”.

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