quarta-feira, 13 de julho de 2011

"Jerusalém" - Gonçalo M. Tavares

Resenha Livro #30 - "Jerusalém" Gonçalo M. Tavares - Ed. Companhia das Letras




Julgamos ser muito mais difícil resenhar uma obra de arte do que ensaios políticos, artigos acadêmicos, enfim textos e imagens com objetivos mais específicos e determinados. No caso de "Jerusalém" (2006), a dificuldade é ainda maior, desde que o texto do escritor português Gonçalo Tavares tem tantas possibilidades de implicações e desdobramentos (decorrentes de reações muito pessoais acerca do tipo de história narrada em "Jerusalém"), que ficamos em dúvida no como resenhar uma obra de arte.

É possível falar sobre o autor, o contexto histórico da obra, trazer dados mais ou menos objetivos sobre a relação entre o romance e a situação da literatura/arte contemporânea. É possível narrar em síntese as histórias dos personagens de "Jerusalém", o estilo literário, as opções da linguagem e da forma geral como a história é contada.

Optaremos, todavia, por um outro caminho. Vamos escrever a resenha sem se ater à história e aos personagens, mas tentando estabelecer relações entre o romance como um todo e o discurso político das emoções pessoais intensas. Tentaremos estabelecer vínculos entre obras aparentemente sem qualquer conteúdo político (o caso de "Jerusalém") e as implicações políticas da inviabilidade (presente na trajetória dos personagens da história) da possibilidade da solidariedade social e do amor altruísta, além da reiteração (por meio dos fins trágicos dos personagens em "Jerusalém") do egoísmo e da solidão.

Jerusalém

Os diversos personagens tem seus destinos determinados por uma certa indeterminação causal, de maneira a fazer com que cada história particular se encontre, uma à outra, confluindo todos os personagens a fins trágicos. O médico Theodor Busbeck, por exemplo, deseja pesquisar a história do horror, escreve um tratado sobre o assunto: sua intenção é projetar a sua existência para além da sua morte fazendo uma obra que ajude gerações futuras. Acaba tendo o filho (deficiente) morto, a mulher internada num hospício e, posteriormente, na cadeia. Sua obra de pesquisa a qual dedicou toda a vida é esquecida em pouco tempo: termina sua participação no enredo frente-a-frente com uma prostituta decadente que ofende sua dignidade oferecendo uma genitália castigada pelo uso/tempo. Os outros personagens, igualmente, têm fins semelhantes: um é preso, outros dois são mortos, um terceiro é completamente abandonado pelo mundo. O leitor, ao final de "Jerusalém", deve se sentir solitário e entendendo ser mundo hostil a convivência pacífica, mesmo aos bem intencionados. A sensação é a de que os encontros entre os personagens seguem um descompasso essencial, de maneira a fazer com que toda a barbárie e horror das vidas não se relacionassem em nada com o trabalho, com a história, com a economia, com a política. A barbárie decorre de uma condição humana pautada por conflitos intensos e imprevisíveis, decorrentes daquele descompasso permanente.

O descompasso pode ter a ver com dificuldades de entendimento entre as pessoas: incapacidade de apreender o que o outro sente decorrente de um estranhamento essencial entre os homens.

O acaso também tem um papel importante nos fins de cada personagem de "Jerusalém". O que fica inconcluso em Jerusalém é entender em que medida os destinos trágicos dos personagens são inevitáveis. Neste ponto, imaginamos com toda a humildade de um leigo no assunto teoria literária, ao texto de Gonçalo Tavares falta luta de classes.

Política

Existe espaço para a luta de classes quando tratamos de conflitos emocionais intensos? O problema da política, aqui, dificilmente pode ser relacionado aos conflitos individuais de cada personagem, desde que a experiência política, necessariamente, dá-se socialmente, através de interações sociais. Os conflitos emocionais intensos, caso sejam entendidos como decorrentes de uma descompasso universal e essencial nas relações entre os personagens, não podem ser apreendidos politicamente. Caso, por outro lado, façamos o esforço de relacionar as ações e os pensamentos dos personagens com os problemas do machismo, com a alienação do homem, com o problema da mercadoria dentro da vida dos homens, com os sentidos do trabalho, etc., pensamos ser possível complementar a interpretação de Jerusalém de maneira, entre outros, a dar mais sentido humano às histórias: compreender os limites daquela inevitabilidade e dar mais protagonismo aos personagens, fazê-los mais responsáveis.

Identificar e descrever com bastante beleza e intensidade a barbárie e o horror é o ponto alto de Jerusalém. O descompromisso acerca dos porquês da barbárie (algo típico nos dias de hoje), por outro lado, empobrece a possibilidade de se obter mais empatia pelos homens e mulheres de "Jerusalém".

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