quinta-feira, 19 de maio de 2011

"O estrangeiro" - Albert Camus

Resenha Livro #25 – “O estrangeiro” – Albert Camus




Mersault trabalha num emprego sem importância. Quando sua mãe morre, chega a hesitar se deve ou não pedir desculpas ao seu chefe: precisará faltar alguns dias para velar o corpo, preocupando-o a reação do patrão às suas faltas. A falecida faz com que Mersault, adulto, provavelmente branco e francês, viaje a Marengo (80 Km de Argel), onde providenciará o cortejo do corpo e o enterro.

De volta à Argel, Mersault envolve-se com uma datilógrafa do trabalho. Encontra Marie tomando banho de mar. Tanto seu relacionamento amoroso, quanto os conflitos posteriores envolvendo o protagonista só assumem importância na medida em que servem para revelar a forma particular como Mersault parece ver o mundo. O trabalho é encarado como uma banalidade, a morte da mãe parece assumir a mesma importância que o café com leite tomado antes do enterro e detalhes da arquitetura do caixão, o relacionamento amoroso é narrado como um encontro casual e desprovido de sentimentos não racionais, a prisão, como uma necessidade irresistível da vida.

A banalidade do cotidiano e o desencontro

Chama atenção a forma como os eventos e as sensações pessoais de Mersault vão sendo relatadas de forma indiferente. O personagem, que narra sua história em 1ª pessoa, parece despir-se por inteiro, revela os eventos por que passa com o máximo de sinceridade, o que, de alguma forma, implica naquela indiferença: o autor não se sente obrigado a justificar seus atos, pouco lhe parece importar a reação do leitor àquilo que narra.

A sensação de indiferença parte da sinceridade de Mersault e, igualmente, justifica-se diante da própria vida.

A mãe lhe surge como um parente distante, o que decorre da distância e do tempo que passaram afastados. A ausência de lágrimas derramadas pelo filho chama atenção dos demais presentes no enterro, mas explica-se pela compreensão de que a mãe levara uma vida melhor longe do filho. O leitor a todo momento compreende Mersault e igualmente compreende o porque os demais não compreendem Mersault – o personagem parece não manter relação de pertencimento ao mundo.

Contingências determinando o fluxo da vida

Tanto eventos cotidianos quanto os conflitos, correspondentes à morte da mãe, às relações amorosas com Marie, aos enigmáticos árabes com quem Mersault acaba por se envolver, à prisão e à condenação à morte, surgem como se fossem parte de uma inevitável contingência de fatos a que Mersault vivencia antes como um espectador. Decorre, imaginamos, daí o nome da obra de Albert Camus. Mersault é um estrangeiro, não apenas por ser um francês residente na Argélia, mas por, parece-nos, ser alguém que vivencia suas experiências de forma alheia, como um observador distante.


Humanidade x Barbárie

Particularmente, Mersault vê-se afetado pelos sinais climáticos. O frio, o calor e as circunstâncias do meio lhe afetam provavelmente mais do que o normal. Ainda, Mersault parece ser bastante perspicaz ao compreender e identificar os sentimentos daqueles com quem interage. Não há, portanto, insensibilidade ou falta de sentimentos humanos em Mersault. O fato dele sentir-se estrangeiro, parece-nos, decorre da barbárie social, da incompreensão geral determinada por um fluxo inevitável de eventos do qual Mersault parece ser expectador. O fim trágico de Mersault é uma decorrência lógica de uma sequencia de eventos que, em seu todo, parece ser absurda. A justiça oficial e a religião surgem particularmente como parte da irracionalidade, fazendo com que a sensação final é a de que, num mundo alienado e desumano, a honestidade radical de Mersault faz com que ele se afaste da realidade e seja vítima dos eventos.

O estrangeiro é um texto enigmático. Trata-se do primeiro romance de Albert Camus (1942) e, ainda hoje, dialoga bastante com um mundo que reifica o homem, fetichiza a mercadoria e parece ser incapaz de dotar a história de sentidos.

Um comentário:

  1. É sem duvida uma grande obra.
    Se a personagem tem um comportamento absurdo isso deve-se um pouco ao facto de nunca mentir ao longo do livro.

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