Jorge Amado e o Partido Comunista Brasileiro
Resenha Livro – “A
Luz no Túnel” – Jorge Amado – Ed. Martins Editora.
Quando Jorge Amado
escreveu e publicou “A Luz no Túnel” (1953/1954), o escritor amargurava alguns
anos de exílio, desde a proscrição do Partido Comunista Brasileiro promovida
pelo Governo Dutra (1946/1951)
O romancista
baiano havia sido eleito deputado constituinte pelo partido comunista em 1946.
Fundado em 1922,
o PCB até então esteve sob a maior parte do tempo de sua história sujeito ao
trabalho clandestino e a uma dura repressão estatal – recrudescida especialmente
após 1935 com o fracasso do levante comunista (“Intentona Comunista”) e com o
golpe de estado que conduziu o país ao Estado Novo varguista (1937/1945).
Com o término da
II Guerra Mundial, dada a vitória dos aliados sobre o eixo nazi-fascista, numa aliança envolvendo o imperialismo norte
americano e britânico e a União Soviética, Roosevelt, Churchill e Stálin, o PCB
é alçado a um curto período de legalidade. Vargas, na condição de ditador desde
o golpe estadonovista, é apeado do poder e um curto período de liberdades
democráticas surge, como resultante política da vitória das “democracias” contra
as “ditaduras” do nazi fascismo.
O PCB, nesse curto período de liberdades
democráticas, chegou a ser a quarta maior força política da Assembleia
Constituinte de 1946, evidenciando a sua autoridade perante o povo, os
trabalhadores e os camponeses, granjeada durante anos de atividade clandestina.
Os comunistas elegeram
parlamentares em seis unidades da federação (Bahia, Pernambuco, Distrito
Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul). O próprio Jorge Amado
foi eleito por São Paulo. Carlos Marighella foi eleito pela Bahia. Gregório
Bezerra foi eleito por Pernambuco. Luiz Carlos Prestes, a liderança inconteste
dos comunistas brasileiros, foi eleito senador pelo Rio de Janeiro, então
capital do país. Pelo mesmo Rio de Janeiro, foi eleito Maurício Grabois, amigo
pessoal de Jorge Amado, que morreria sexagenário, de armas em punho, na
Guerrilha do Araguaia.
A participação
direta do escritor na vida do PCB tornou os livros que compõe “Os Subterrâneos
da Liberdade” uma fonte histórica preciosa para aqueles que desejam conhecer a
forma como os comunistas brasileiros se organizaram e travaram sua luta contra
o fascismo, personificado no movimento integralista e seus representantes dentro
do governo Vargas, e contra o imperialismo: o anglo-americano de um lado e o alemão
de outro.
A história igualmente
evidencia as ambiguidades da política internacional de Getúlio Vargas, que
buscava, no contexto da II Guerra, acenar tanto para os norte americanos quanto
para os alemães, barganhando seu apoio político na Guerra em troca de
investimentos na indústria nacional, e só tomando um posicionamento mais claro
em favor dos aliados já nos últimos instantes do conflito mundial.
“O Fim do Túnel”
corresponde ao último livro da trilogia “Os Subterrâneos da Liberdade” e
remonta ao período do Estado Novo, quando Getúlio Vargas, apoiando-se na
campanha anticomunista desencadeada pelo fracasso do levante de 1935, fecha o
congresso nacional, impõe interventores nos Estados, institui a censura da
imprensa através da criação do Departamento de Imprensa e Propaganda e impõe a
prisão política a todos os opositores do regime.
Vargas serviu-se
da campanha anticomunista que seguiu ao levante de 1935 para impor a ditadura
estadonovista. Esse levante dirigido pela Ação Nacional Libertadora em Novembro
de 1935 ficou conhecido na história como a “Intentona Comunista”. O ensaio de
insurreição durou 6 dias, não teve adesão do proletariado brasileiro. Houve
apenas um modesto apoio popular na cidade de Natal/RN.
Na década de
1930 havia um cenário de agitação política no país, especialmente na cúpula do
poder, com crises institucionais, mudanças de interventores, nomeações
sucessivas de ministros, conflitos entre governadores eleitos e interventores.
Contudo, o clima de agitação política foi confundido pelas lideranças
revolucionárias – nitidamente Prestes – por uma situação revolucionária no
Brasil, que não existia.
Naquele tempo, o
PCB atuava na prática como uma sucursal brasileira da III Internacional
conduzida por Stálin – aliás, esse foi o pretexto utilizado pelo presidente Dutra
para colocar o partido na ilegalidade, o PCB não seria um partido “nacional”,
mas uma célula do partido comunista da URSS. Consta, em todo o caso, que os
dirigentes da Internacional Comunista, que naquele período adotava uma política
que variava entre esquerdismo e constituição de frentes amplas antifascistas,
manifestaram discordância com a política de levante armado no Brasil.
Contudo,
prevaleceram as opiniões de Prestes e da direção do PCB. O levante, como dito, foi um desastre.
Prestes foi preso em 1936 e condenado a mais de uma década de prisão. Iniciou-se
uma dura repressão contra os comunistas – logo no início do livro, são descritos
em detalhes as torturas promovidas por policiais e investigadores do Departamento
de Ordem Política e Social (DOPS).
O tratamento
reservado aos presos envolvia espancamentos bárbaros, surras com chicote de
arame, alfinetes embaixo da unha ou unhas arrancadas com alicate, queimaduras
com pontas acessas de charuto e choques elétricos. Numa passagem, vemos uma
militante sendo estuprada na frente de seu companheiro – em outra, no ato de
tortura mais repugnante descrito na obra – o delegado de polícia agride uma
criança de colo com chicote de arame na frente do pai e da mãe, como meio de constrangê-los
a entregar os demais companheiros de partido. Enquanto a criança de colo chora em cima de
uma mesa após ser brutalizada pela surra do delegado de polícia, a mãe, que é
obrigada a ver a cena, entra num colapso mental que a leva à loucura incurável
e definitiva.
A resistência
obstinada dos presos políticos dá um caráter heroico aos militantes comunistas.
A história, dentro de uma orientação que remonta ao realismo soviético, exalta
a moral do povo, dos trabalhadores e dos camponeses, em oposição direta à
burguesia e à alta sociedade carioca e paulista. No livro se vê também o culto à personalidade e
ao partido que caracterizam o stalinismo. Stálin em determinada passagem é
descrito por um operário como um “pai” a quem os trabalhadores do mundo devem
gratidão. Há o culto do Partido, considerado como um ente a quem todos devem se
submeter. E também há o culto à Luiz Carlos Prestes, o portador da esperança
socialista no Brasil.
Apropriando-se
do conceito de luta de classes, a história reproduz dois universos sociais
distintos e que correm em paralelo: cada um desses mundos expressa uma
moralidade diversa. Os comunistas e o povo são movidos pela pureza de
sentimentos e pela capacidade de se sacrificar em torno de um propósito maior: o
advento de uma sociedade livre da exploração econômica. Já os extratos de cima
da pirâmide social, personificados por banqueiros, latifundiários, empresários
e oportunistas que parasitam essa elite econômica e política, estão sujeitos ao
medo da revolução, à covardia que conduz à perversidade, ao ódio dos comunistas
e dos pobres em geral, à corrupção dos sentimentos, ao orgulho e ao egoísta levados
até as últimas consequências.
Os personagens da
história, ainda, são representativos de determinados setores sociais, aparecem
como arquétipos que descrevem em detalhes a luta de classes dentro das suas
dimensões mais sutis, ou seja, as frações das classes sociais que permeiam a
luta entre burguesia e proletariado – camponeses, setores médios, intelectuais,
juízes, policiais, etc.
O banqueiro
Costa Vale representa a classe dominante brasileira, o setor mais poderoso da
economia nacional, capaz de impor e derrubar governos, mas atuando acima de
tudo como preposto do imperialismo norte americano. Shopel é um poeta, mulato
por sinal, simpatizante do nazismo, que busca adular os ricos e poderosos através
da campanha anti comunistas para enriquecer. Saquita é um jornalista que traiu
o partido e aderiu ao trotskysmo, serve como propagandista dos interesses
imperialistas no país. Cícero de Almeida representa o elemento pequeno burguês simpático
aos comunistas, mas preso às vacilações políticas que são produto direto de sua
origem de classe – são os comunistas oriundos da classe operária os mais
decididos e obstinados, mesmo nos momentos de maior confusão no seio do
movimento. Hermes Resende é um sociólogo social democrata que defende
formalmente a democracia e o anti fascismo, mas é incapaz de levantar um dedo
para defender os comunistas barbarizados nas delegacias do DOPS, diante do
risco de comprometer a sua carreira acadêmica.
E ao que consta,
cada um desses personagens arquétipos representava personagens reais da vida
cultural brasileira. Shopel, o poeta corrompido simpatizante de Hitler seria Augusto
Frederico Schmidt. Saquita, o trotskysta linha auxiliar do imperialismo anticomunista,
seria Hermínio Sacchetta. Cícero, o intelectual marxista de origem burguesa,
seria o historiador Caio Prado Júnior. E Hermes Resende, o acadêmico social
democrata e oportunista, seria Gilberto Freire.
Dois anos depois
da publicação do terceiro volume dos Subterrâneos da Liberdade, um evento
dilacerante daria ensejo a uma crise mundial do movimento comunista.
Com a morte de
Stálin, Nikita Kruschev, no XX Congresso do PC (1956), apresenta um relatório
denunciando seu antecessor, o que levaria diversos grupos políticos a romperem
com a orientação soviética. O desencanto de alguns, como Carlos Marighella, levou-os
à ruptura pela esquerda, com a defesa da revolução armada urbana, sob o impacto
e influência da Revolução Cubana. Outros aderiram ao maoismo, com a sua proposta
de revolução camponesa. Já Jorge Amado se afastaria dos comunistas na década de
1950, a partir de quando abandonaria o horizonte do realismo soviético e do
culto à personalidade de Stálin e de Luís Carlos Prestes. São dessa segunda
fase romances não tão abertamente ideológicos como “Gabriela Cravo e Canela”
(1958) e “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1966).
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