quarta-feira, 31 de dezembro de 2025

Jorge Amado e o Partido Comunista Brasileiro

 Jorge Amado e o Partido Comunista Brasileiro




 

Resenha Livro – “A Luz no Túnel” – Jorge Amado – Ed. Martins Editora.

 

Quando Jorge Amado escreveu e publicou “A Luz no Túnel” (1953/1954), o escritor amargurava alguns anos de exílio, desde a proscrição do Partido Comunista Brasileiro promovida pelo Governo Dutra (1946/1951)

O romancista baiano havia sido eleito deputado constituinte pelo partido comunista em 1946.

Fundado em 1922, o PCB até então esteve sob a maior parte do tempo de sua história sujeito ao trabalho clandestino e a uma dura repressão estatal – recrudescida especialmente após 1935 com o fracasso do levante comunista (“Intentona Comunista”) e com o golpe de estado que conduziu o país ao Estado Novo varguista (1937/1945).

Com o término da II Guerra Mundial, dada a vitória dos aliados sobre o eixo nazi-fascista,  numa aliança envolvendo o imperialismo norte americano e britânico e a União Soviética, Roosevelt, Churchill e Stálin, o PCB é alçado a um curto período de legalidade. Vargas, na condição de ditador desde o golpe estadonovista, é apeado do poder e um curto período de liberdades democráticas surge, como resultante política da vitória das “democracias” contra as “ditaduras” do nazi fascismo.

 O PCB, nesse curto período de liberdades democráticas, chegou a ser a quarta maior força política da Assembleia Constituinte de 1946, evidenciando a sua autoridade perante o povo, os trabalhadores e os camponeses, granjeada durante anos de atividade clandestina.

Os comunistas elegeram parlamentares em seis unidades da federação (Bahia, Pernambuco, Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul). O próprio Jorge Amado foi eleito por São Paulo. Carlos Marighella foi eleito pela Bahia. Gregório Bezerra foi eleito por Pernambuco. Luiz Carlos Prestes, a liderança inconteste dos comunistas brasileiros, foi eleito senador pelo Rio de Janeiro, então capital do país. Pelo mesmo Rio de Janeiro, foi eleito Maurício Grabois, amigo pessoal de Jorge Amado, que morreria sexagenário, de armas em punho, na Guerrilha do Araguaia.

A participação direta do escritor na vida do PCB tornou os livros que compõe “Os Subterrâneos da Liberdade” uma fonte histórica preciosa para aqueles que desejam conhecer a forma como os comunistas brasileiros se organizaram e travaram sua luta contra o fascismo, personificado no movimento integralista e seus representantes dentro do governo Vargas, e contra o imperialismo: o anglo-americano de um lado e o alemão de outro.

A história igualmente evidencia as ambiguidades da política internacional de Getúlio Vargas, que buscava, no contexto da II Guerra, acenar tanto para os norte americanos quanto para os alemães, barganhando seu apoio político na Guerra em troca de investimentos na indústria nacional, e só tomando um posicionamento mais claro em favor dos aliados já nos últimos instantes do conflito mundial.

“O Fim do Túnel” corresponde ao último livro da trilogia “Os Subterrâneos da Liberdade” e remonta ao período do Estado Novo, quando Getúlio Vargas, apoiando-se na campanha anticomunista desencadeada pelo fracasso do levante de 1935, fecha o congresso nacional, impõe interventores nos Estados, institui a censura da imprensa através da criação do Departamento de Imprensa e Propaganda e impõe a prisão política a todos os opositores do regime.  

Vargas serviu-se da campanha anticomunista que seguiu ao levante de 1935 para impor a ditadura estadonovista. Esse levante dirigido pela Ação Nacional Libertadora em Novembro de 1935 ficou conhecido na história como a “Intentona Comunista”. O ensaio de insurreição durou 6 dias, não teve adesão do proletariado brasileiro. Houve apenas um modesto apoio popular na cidade de Natal/RN.  

Na década de 1930 havia um cenário de agitação política no país, especialmente na cúpula do poder, com crises institucionais, mudanças de interventores, nomeações sucessivas de ministros, conflitos entre governadores eleitos e interventores. Contudo, o clima de agitação política foi confundido pelas lideranças revolucionárias – nitidamente Prestes – por uma situação revolucionária no Brasil, que não existia.

Naquele tempo, o PCB atuava na prática como uma sucursal brasileira da III Internacional conduzida por Stálin – aliás, esse foi o pretexto utilizado pelo presidente Dutra para colocar o partido na ilegalidade, o PCB não seria um partido “nacional”, mas uma célula do partido comunista da URSS. Consta, em todo o caso, que os dirigentes da Internacional Comunista, que naquele período adotava uma política que variava entre esquerdismo e constituição de frentes amplas antifascistas, manifestaram discordância com a política de levante armado no Brasil.

Contudo, prevaleceram as opiniões de Prestes e da direção do PCB.  O levante, como dito, foi um desastre. Prestes foi preso em 1936 e condenado a mais de uma década de prisão. Iniciou-se uma dura repressão contra os comunistas – logo no início do livro, são descritos em detalhes as torturas promovidas por policiais e investigadores do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).

O tratamento reservado aos presos envolvia espancamentos bárbaros, surras com chicote de arame, alfinetes embaixo da unha ou unhas arrancadas com alicate, queimaduras com pontas acessas de charuto e choques elétricos. Numa passagem, vemos uma militante sendo estuprada na frente de seu companheiro – em outra, no ato de tortura mais repugnante descrito na obra – o delegado de polícia agride uma criança de colo com chicote de arame na frente do pai e da mãe, como meio de constrangê-los a entregar os demais companheiros de partido.  Enquanto a criança de colo chora em cima de uma mesa após ser brutalizada pela surra do delegado de polícia, a mãe, que é obrigada a ver a cena, entra num colapso mental que a leva à loucura incurável e definitiva.

A resistência obstinada dos presos políticos dá um caráter heroico aos militantes comunistas. A história, dentro de uma orientação que remonta ao realismo soviético, exalta a moral do povo, dos trabalhadores e dos camponeses, em oposição direta à burguesia e à alta sociedade carioca e paulista.  No livro se vê também o culto à personalidade e ao partido que caracterizam o stalinismo. Stálin em determinada passagem é descrito por um operário como um “pai” a quem os trabalhadores do mundo devem gratidão. Há o culto do Partido, considerado como um ente a quem todos devem se submeter. E também há o culto à Luiz Carlos Prestes, o portador da esperança socialista no Brasil.

Apropriando-se do conceito de luta de classes, a história reproduz dois universos sociais distintos e que correm em paralelo: cada um desses mundos expressa uma moralidade diversa. Os comunistas e o povo são movidos pela pureza de sentimentos e pela capacidade de se sacrificar em torno de um propósito maior: o advento de uma sociedade livre da exploração econômica. Já os extratos de cima da pirâmide social, personificados por banqueiros, latifundiários, empresários e oportunistas que parasitam essa elite econômica e política, estão sujeitos ao medo da revolução, à covardia que conduz à perversidade, ao ódio dos comunistas e dos pobres em geral, à corrupção dos sentimentos, ao orgulho e ao egoísta levados até as últimas consequências.

Os personagens da história, ainda, são representativos de determinados setores sociais, aparecem como arquétipos que descrevem em detalhes a luta de classes dentro das suas dimensões mais sutis, ou seja, as frações das classes sociais que permeiam a luta entre burguesia e proletariado – camponeses, setores médios, intelectuais, juízes, policiais, etc.

O banqueiro Costa Vale representa a classe dominante brasileira, o setor mais poderoso da economia nacional, capaz de impor e derrubar governos, mas atuando acima de tudo como preposto do imperialismo norte americano. Shopel é um poeta, mulato por sinal, simpatizante do nazismo, que busca adular os ricos e poderosos através da campanha anti comunistas para enriquecer. Saquita é um jornalista que traiu o partido e aderiu ao trotskysmo, serve como propagandista dos interesses imperialistas no país. Cícero de Almeida representa o elemento pequeno burguês simpático aos comunistas, mas preso às vacilações políticas que são produto direto de sua origem de classe – são os comunistas oriundos da classe operária os mais decididos e obstinados, mesmo nos momentos de maior confusão no seio do movimento. Hermes Resende é um sociólogo social democrata que defende formalmente a democracia e o anti fascismo, mas é incapaz de levantar um dedo para defender os comunistas barbarizados nas delegacias do DOPS, diante do risco de comprometer a sua carreira acadêmica.

E ao que consta, cada um desses personagens arquétipos representava personagens reais da vida cultural brasileira. Shopel, o poeta corrompido simpatizante de Hitler seria   Augusto Frederico Schmidt. Saquita, o trotskysta linha auxiliar do imperialismo anticomunista, seria Hermínio Sacchetta. Cícero, o intelectual marxista de origem burguesa, seria o historiador Caio Prado Júnior. E Hermes Resende, o acadêmico social democrata e oportunista, seria Gilberto Freire.

Dois anos depois da publicação do terceiro volume dos Subterrâneos da Liberdade, um evento dilacerante daria ensejo a uma crise mundial do movimento comunista.  

Com a morte de Stálin, Nikita Kruschev, no XX Congresso do PC (1956), apresenta um relatório denunciando seu antecessor, o que levaria diversos grupos políticos a romperem com a orientação soviética. O desencanto de alguns, como Carlos Marighella, levou-os à ruptura pela esquerda, com a defesa da revolução armada urbana, sob o impacto e influência da Revolução Cubana. Outros aderiram ao maoismo, com a sua proposta de revolução camponesa. Já Jorge Amado se afastaria dos comunistas na década de 1950, a partir de quando abandonaria o horizonte do realismo soviético e do culto à personalidade de Stálin e de Luís Carlos Prestes. São dessa segunda fase romances não tão abertamente ideológicos como “Gabriela Cravo e Canela” (1958) e “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1966).

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