“Populações Meridionais do Brasil” – Oliveira Viana
Resenha Livro - “Populações
Meridionais do Brasil” – Oliveira Viana – Edições do Senado Federal V. 27.
Oliveira Viana
foi um dos principais formuladores do pensamento conservador brasileiro. Suas
ideias serviram como substrato ideológico e referencial teórico do movimento
político que conduziu Getúlio Vargas ao poder (1930/1945). Sua oposição frontal
ao liberalismo, visto como fonte de desagregação social e anarquia, e sua
proposta de constituição de um Estado Nacional, que dê as coordenadas de
funcionamento da sociedade, foram reproduzidas na Era Vargas, em especial na
sua fase mais autoritária, durante o período do Estado Novo (1937-1945). Da
mesma forma como a República Velha encerra uma fase de descentralização política
e predomínio das oligarquias regionais, a Revolução de 1930 irá almejar a
superação dessas tendências de fragmentação e a imposição de uma ordem
institucional unitária, centralizadora e autoritária. Oliveira Viana, neste
sentido, defende no plano das ideias aquilo que o movimento getulista implantou
na prática.
Foi um herdeiro
do castilhismo, movimento de inspiração positivista que defende um Estado intervencionista
e que exerça um papel moralizador da sociedade. Não foi entretanto um apóstolo
do positivismo: de origem católica, os seus principais interlocutores são
Alberto Torres, Silvio Romero e Tobias Barreto.
Em conjunto com
esses pensadores, procurou desenvolver uma interpretação original do Brasil, do
seu povo e das suas instituições políticas. A grande relevância aqui reside na
crítica radical à tendência de se importar sistemas políticos e filosóficos
oriundos da Europa, mas não aclimatáveis à sociedade brasileira.
O fracasso do
liberalismo no Brasil decorre das particularidades da formação histórica da
nacionalidade que o torna incompatível ao nosso meio social – enquanto na Europa
o liberalismo surge como uma reação espontânea da burguesia e do Terceiro Estado
contra abusos do Estado Absolutista, no Brasil a conformação de uma sociedade
baseada na hegemonia dos latifundiários implica num tipo original de relação
entre o povo e o Estado Nacional.
Aqui temos uma
sociedade rarefeita, esparsa dentro de um vasto território, dispersa em torno
de grandes fazendas e engenhos de características “autárquicas”, que produzem quase
tudo do que precisam, sendo presididos por clã familiares que exercem o poder
de fato – ao contrário da Europa, o Estado no Brasil surge como um mero espectador
das lutas travadas entre os clãs rurais, ou das guerras travadas por esses
mesmos senhores de engenho com tribos indígenas furiosas e negros em assaltos, oriundos do Quilombo.
Para Oliveira
Viana, aqui jamais poderia ter germinado o sistema liberal clássico, a despeito
das nossas elites políticas, especialmente após a Independência (1822),
insistentemente intentarem importar os modelos e arranjos institucionais
estrangeiros, seja o parlamentarismo inglês, seja o sistema representativo
norte americano, seja o liberalismo político produto da Revolução Francesa.
“Populações
Meridionais do Brasil” é o primeiro livro de Oliveira Viana. Foi escrito em
1918, mas só publicado dois anos depois, sob os auspícios de Monteiro Lobato
que, ao que consta, foi amigo pessoal do Autor.
Aqui, Oliveira
Viana traça uma proposta de trabalho pioneira e ambiciosa. Numa época em que a
historiografia brasileira ainda se ressente de sua influência positivista, com
sua ênfase nos grandes eventos, nas fontes históricas puramente documentais e
oficiais, e na missão meramente descritiva do historiador, Oliveira Viana
propõe a assimilação das ciência sociais e das ciências naturais à História.
Foi tanto
historiador, quanto sociólogo e antropólogo. É preciso, para Oliveira Viana,
compreender as particularidades e especificidades da sociedade e da psicologia
do brasileiro, previamente ao estudo das suas instituições políticas. O Estado Nacional
para cumprir o seu papel deve exsurgir naturalmente e estar plenamente aclimatado
à conformação da sociedade e ao espírito do povo. Não basta, portanto, a mera
história dos grandes eventos, de tipo positivista, pautada na sucessão de
governos e formas de regime político – descoberta do Brasil, Capitanias Hereditárias,
Governo Geral, I Reinado, Regência, II Reinado, República, etc. O que o Autor
procura são as mais remotas origens da personalidade, da psicologia e da moral
do brasileiro para, a partir daí, perscrutar a forma como essa sociedade criou
as suas instituições políticos, mesmo porque elas nada mais são do que uma
necessidade, uma resposta aos problemas criados pela sociedade.
Oliveira Viana
não vê o brasileiro como um povo único, mas como um conjunto de três grandes
civilizações: os sertanejos que aparecem com a interiorização da ocupação
territorial no nordeste através da pecuária, com as suas figuras messiânicas e
o banditismo social dos cangaceiros; os gaúchos nos pampas ao Sul, temperados
nas guerras e na animosidade bélica entre os seus caudilhos, que se
entrincheiram em suas fazendas, disputando terras na bala com os espanhóis; e
finalmente as populações meridionais, situadas na região Centro Sul do país,
também denominados de matutos.
As populações
meridionais ganham maior prepondância em relação às outras duas civilizações, diante
da maior importância econômica e política conferida a essa região do país,
desde a abertura do ciclo da mineração, passando pela transferência da corte
portuguesa ao Brasil (1808), à Independência (1888), à cultura do café e já no
século XX à industrialização. Para Oliveira Viana, são essas populações meridionais
de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro as mais representativas na
conformação do povo brasileiro, ao passo que o gaúcho dos pampas e os
sertanejos do nordeste ganham relevância mais regional.
Concordando ou
não com esse ponto de vista, deve-se ao menos reconhecer que o grosso da
população brasileira habita, trabalha e produz riqueza nesses três estados, até
hoje considerados de conjunto o principal centro político e econômico do
Brasil.
Essas populações
meridionais surgem através das bandeiras paulistas, que expandem as fronteiras
geográficas do país, na atividade de captura dos índios para o trabalho escravo
e depois nas expedições em busca do ouro e diamantes a partir do ciclo da mineração.
Foram esses sertanistas paulistas que asseguraram a posse das terras onde hoje
se situa o Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, através da guerra às
missões jesuíticas, levando as fronteiras da colônia portuguesa para além dos
limites de Tordesilhas. Também são os grandes pioneiros de ocupação do grande
centro oeste e norte do país, chegando mesmo a bandeira de Antônio Raposo
Tavares espantosamente atingir a pé, partindo de São Paulo, o território do
Peru, na sanha pelo eldorado.
Esses sertanistas,
que são considerados por Oliveira Viana como a família mais remota das populações
meridionais, também pavimentaram a criação de uma unidade cultural e
linguística do Brasil.
As bandeiras eram
conduzidas por alguns brancos de origem nobre, muitos mamelucos que falam a
língua geral e multidões de índios flecheiros conhecedores do território.
Inicialmente, fazem as expedições de reconhecimento de território. Depois, constituem um curral, depois uma fazenda, depois
um engenho, depois um arraial, depois uma povoação e finalmente uma vila. Partindo
de um tronco comum, desde São Paulo, as bandeiras levam um mesmo estilo de
sociedade e cultura a todos os recantos do país, onde fundam os seus currais e
vilas. A língua geral passa a ser falada na maior parte do território e em cada
novo arraial se constitui a mesma sociedade de clãs baseados na propriedade
agrícola. É como se os sertanista paulistas fosse um povo de origem comum que
se lança a ocupar um grande território levando-lhe a sua própria civilização. E
aqui se revela a proeminência dessa parcela da população brasileira sobre as
outras duas manifestações de caráter mais regional.
As populações
meridionais são conduzidas por aquilo que Oliveira Viana irá chamar de “Elite
Agrária”, “Nobreza Campesina”, “Nobreza Territorial”, “Potentados Rurais” e
“Aristocracia Rural”. O que dá especificidade na formação da sociedade e das
instituições políticas no Brasil foi justamente o papel exercido pelos senhores
dos engenhos, os latifundiários do café, os empresários da mineração e os
estancieiros da pecuária, advindos especialmente de São Paulo, Rio de Janeiro e
Minas Gerais.
Oliveira Viana
evidencia uma natureza de clã envolvendo os latifundiários. No passado
colonial, o grande proprietário de terra se orgulha em dizer que para suas
fazendas apenas importa “ferro, sal, pólvora e chumbo”. Todos os demais
produtos de subsistência, incluindo as fontes alimentares, o tecido da roupa e
os utensílios domésticos, são produzidos no próprio engenho ou na própria
fazenda, tornando-a independente dos centros comerciais das cidades portuárias,
onde se situa as autoridades régias delegadas do Império Português. Tudo conspira
para que esses clãs e essas fazendas surgem como um Estado dentro do Estado.
Além disso, a
grande dimensão territorial do país colabora para o isolacionismo das fazendas.
Tudo isso cria as condições para o fortalecimento de clãs familiares que
conduzem a política e a jurisdição de todo povo agregado aos Potentados Rurais.
Do escravo ao agregado, passando pelos trabalhadores livres e pobres,
lavradores e pequenos funcionários estatais, estão subordinados ao grande
senhor de terras. É justamente a propriedade de terras e escravos que dá
prestígio e não os títulos de nobreza, como na Europa.
Os primeiros
dois séculos de colonização, ou seja, de 1500 até 1700, para Oliveira Viana,
marca o predomínio absoluto desses clãs familiares, que conduzem do ponto de
vista político e institucional, a uma situação de “anarquia” (conceito
empregado pelo próprio autor). Os potentados servem-se de um exército de
agregados, lavradores destituídos de terras e escravos, que irão ser recrutados
nas bandeiras e servir de fonte de defesa militar, seja nas guerras entre os
diferentes clãs, seja na defesa da fazenda em face dos ataques de índios,
quilombolas e ataques de nações estrangeiras.
Seria apenas com a descoberta das jazidas de ouro, quando do ciclo da mineração, que o Estado deixa o papel de mero espectador da liderança política dos clãs para impor a sua jurisdição – interessava-lhe o controle fiscal absoluto das minas, o que gerou revoltas, a mais conhecida delas a Guerra dos Emboabas (1707-1709).
E assim sucessivamente Oliveira Viana irá evidenciar momentos de centralização e descentralização do poder político no país – ora a predominância dos clãs, que levam à desagregação, ao separatismo e às revoltas, ora a força disciplinadora do Estado, como meio legítimo de impor alguma coesão social e racionalidade na organização da sociedade. É essa controvérsia que irá conduzir as principais discussões políticas do Brasil por todo o século XIX e ainda nos dias de hoje: a disputa parlamentar entre liberais e conservadores, as propostas de descentralização e centralização políticas, os movimentos separatistas e a correspondente reação nacionalista, a predominância dos poderes municipais controlados pelos clãs e a autoridade do Estado Nacional.

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