“Batalha
de Caiboaté” – Ptolomeu de Assis Brasil
Resenha
Livro – “Batalha de Caiboaté: Episódio Culminante da Guerra das Missões” –
Edições do Senado Federal – Vol. 63
“O
trabalho da terra, agricultura, em cujo trato o homem lavrando e criando, mais
se aferra ao solo; a educação pertinaz, diuturna, com que os jesuítas
conseguiram formar um subconsciente de submissão aos seus ditames nos hábitos e
atos dos guaranis das Missões; as ordens e instruções com que estes agiam,
votando ódio aos portugueses e desprezo a quem quer que fosse, estranho à
língua deles, única que lhes permitiam os jesuítas conhecer; a convicção de que
habitavam terras de sua propriedade concedidas por Deus e os seus padres, além
de outros fatores: tais as causas que os levariam em breve à sublevação absurda
e ao sacrifício inglório. Demais, bem sabiam, uns por experiência própria,
outros por sinistra tradição quão duro, cruel, fora o tratamento imposto aos
confrades expulsos das reduções de Guairá pelos paulistas, ou mamelucos (mestiços
de índios e brancos) a quem, ora, ter de se submeter e escravizar”.
Contexto
Histórico
A
Guerra das Missões refere-se a conflito armado que colocou em oposição de um
lado as duas coroas ibéricas e de outro jesuítas e índios guaranis situados na
região meridional do Brasil, nos 7 Povos das Missões (atual estado do Rio
Grande do Sul). A Batalha de Caiboaté (hoje município de São Gabriel) no ano de
1756 correspondeu ao momento culminante e final do conflito, se é que se pode
dizer que houve “batalha”, mas antes um massacre: foram 1400 índios mortos e
127 feridos, enquanto houve 4 mortos portugueses e 3 espanhóis. Seja como for,
a resistência guarani foi e é cultivada na memória do povo do Rio Grande do Sul
especialmente através da figura de Sepé Tiaraju, líder militar dos índios
insurgidos, referido em documentos como índio de insólita bravura e morto no
campo de batalha.
Costuma-se
situar as guerras guaraníticas no contexto de demarcação territorial das colônias
portuguesas e espanholas a partir do Tratado de Madrid (1750), mas é certo que
os conflitos envolvendo jesuítas e colonos já existiam ao menos desde meados do
séc. XVII. De um lado colonos paulistas organizavam entradas no sertão à caça
de ouro e da mão de obra escrava. Em território espanhol o trabalho escravo é
organizado através das ecomiendas. Apesar da oposição do jesuíta, os índios
eram caçados e transformados em cativos em São Paulo: 16 fundações jesuítas
foram tomadas e destruídas entre 1630 e 1638 por bandeirantes dirigidos por
Raposo Tavares. Importante salientar que o avanço bandeirante consolidou a
criação de rotas, arraiais e posteriormente vilas nos estados do Brasil
meridional, do atual estado do Paraná ao Rio Grande.
De
outro giro, questão tormentosa e eivada de tensões foi a definição dos limites
territoriais do sul do Brasil, Uruguai (então Colônia do Sacramento) e
Argentina. A fundação da Colônia do Sacramento em 1680 engendraria conflito
militar entre súditos portugueses e espanhóis – é importante destaca-lo pois
foi neste conflito que os jesuítas espanhóis conseguiram licença pela primeira
vez para aparelhar os índios com armas de fogo.
A
indefinição dos limites de fronteira era corroborada pelo Tratado de
Tordesilhas assinado em 1457, antes do achamento do Brasil, quando sequer se
sabia que a América era um continente. Em 1750 é assinado o Tratado de Madrid
que atribui a Portugal os 7 Povos das Missões e aos espanhóis a Colônia do
Sacramento.
Pelo
tratado cada parte deveria evacuar o território antes de entregá-lo. E a
situação dramática se instaura diante das inúmeras missões jesuíticas nas
regiões que perfaziam um montante de 30.000 íncolas. As missões jesuíticas
deveriam ser desocupadas, portanto. Já os povos das 7 missões, muito
influenciados pelos padres, demonstraram disposição em resistir em armas antes
de entregarem suas terras: os índios diziam que deus os havia concedido aquelas
paragens e só deus poderia de lá tirá-los.
É
interessante destacar como eram as reduções dos jesuítas. Não existia naqueles
lugares uma espécie de paraíso coletivista como pode parecer a alguns. O
trabalho na lavoura e a participação de missas e atividades religiosas eram
obrigatórios. A embriaguez e a ausência nas missas eram castigadas com açoites
e detenção. As aldeias eram dirigidas pelo superior hierárquico jesuíta a quem
todos deviam total obediência.
Criava-se
gado, lavouras de cereais, legumes, algodão, trigo, linho, milho e mandioca.
“Constituía
dever fundamental no instituto Inácio de Loiola a convicção, por parte de seus
missionários, de serem tidas como serviço de Deus as árduas e incruentas
tarefas de que eram incumbidos. A sua palavra evangelizadora devia ser ouvida
em lugares arriscadíssimos, ermos, onde quer que aproveitasse ao seu objetivo
capital: catequizar sob a crença no cristianismo, reduzindo à civilização os
índios selvagens, agremiando-os em centros mais ou menos populosos. À submissão
das tribos seguia-se a sua localização em regiões previamente escolhidas. Como
é sabido, todas estas aldeias eram edificadas em belíssimos sítios e obedeciam
a um plano geral de construções feitas pelos íncolas sob a direção dos
jesuítas. Dispunham de praça, igreja, colégio (residência dos curas), escolas,
casas, moradia, armazéns para depósitos de colheita, oficinas, cemitério, etc.”.
Para
a atividade pedagógica os jesuítas se serviam da música e da dança: para o
índio era mais fácil aprender desta forma do que por meio da prosa falada.
Sobre
a natureza do temperamento do índio, o tema é controvertido. Fala-se muito da
indolência do íncola mas é certo que os mesmos eram capazes de efetuar grandes
esforços e dar muito de si, inclusive lutando e resistindo às tropas
portuguesas e espanholas em armas. Consta que sabiam “sofrer na doença e na
morte. O verdadeiro bravio era insensível”.
Pela
diferença numérica e desequilíbrio de recursos, a tática dos guaranis fora
parecida com a de uma guerrilha: evita o enfrentamento direto e derradeiro com
o inimigo, com a criação de emboscadas de modo a atacar e matar pequenos grupos
isolados, além da destruição de campos e passagens. Uma tática comum era deixar
em campos abertos reses de boi ou carneiro para que alguns pequenos grupos os
fossem buscar, quando eram então atacados por silvícolas escondidos nas matas.
A
destruição da resistência guarani em Caiboaté foi o prenúncio da expulsão dos
jesuítas do Brasil, o que ocorreu durante o período do Marquês de Pombal. Com a
destruição das missões, muitos índios se dispersaram e voltaram ao estilo de
vida anterior ao das missões. O Tratado de Madrid não foi plenamente concretizado
e o grupo de demarcação dos territórios sequer logrou terminar sua tarefa de mapeamento e divisão dos territórios.
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