domingo, 21 de outubro de 2018

“A Construção Nacional – 1830-1889” – José Murilo de Carvalho (Coordenação).


“A Construção Nacional – 1830-1889” – José Murilo de Carvalho (Coordenação).




Resenha Livro – “História do Brasil Nação: a Construção Nacional – 1830 – 1889 - Volume 2” – Vários Autores – Ed. Objetiva

“O período considerado nesse capítulo, do ponto de vista econômico, político, social e cultural, representa o momento consolidador de vários e decisivos aspectos da nacionalidade, seja na afirmação de algumas de suas características fundamentais, seja na abertura de oportunidades, ou mesmo pelos impasses que explicitou e que têm marcado o país até os dias atuais.

Entre o 7 de Abril de 1831[1] e o 15 de novembro de 1889, da abdicação de D. Pedro I à República, o Brasil experimentou transformações, modernizou suas instituições políticas, sua estrutura econômica, suas relações sociais, sem que tenham sido superadas certas mazelas e contradições que, permanentemente atualizadas, têm confirmado o apego à desigualdade, à exclusão e à marginalização sociais, que estão na base de impasses históricos que o Brasil tem reiterado”.

Quais são os elementos que especificam a nação brasileira e a distinguem em sua evolução história face aos demais países? Como se deu tal evolução face às demais repúblicas sul-americanas? Repúblicas que assistiram à consolidação da emancipação política das nações através de processos de amplas guerras e fragmentação político-territorial, num processo distinto da experiência brasileira. 

Quais são as raízes históricas que explicam o Brasil do presente e que revelam as reiterações históricas que explicam por que as mudanças sociais em terras brasilienses frequentemente se deem através de vias conservadoras, como foi particularmente o caso da gradual abolição do tráfico e do trabalho escravo?

O problema da nacionalidade brasileira e os traços distintivos que circunscrevem o Brasil foram questões que surgiram a partir do processo revolucionário de longa duração envolvendo a emancipação política brasileira (1822) – as diversas mudanças no país decorrentes da transferência da corte portuguesa ao Brasil (1808), a abertura dos portos que colocou fim ao exclusivismo comercial que informa o sistema colonial (1808), e a revolução constitucionalista do Porto (1820) que criou graves animosidades entre brasileiros e portugueses, criando, estes entre outros fatores, as condições objetivas e subjetivas para a emancipação política. Não poderiam resultar numa nação consolidada, com consciência de si e clareza de suas peculiaridades. Pelo contrário, na Independência sequer o mapa territorial brasileiro era certo: àquela época o atual território do Uruguai pertencia ao Brasil e o Acre pertencia à Bolívia. As províncias tinham cada uma um sentimento de pertencimento que colocou em risco mais de uma vez a unidade territorial do país.

Neste 2º Volume da coleção “História do Brasil Nação” estamos diante de um período que envolverá importantes agitações políticas, especialmente durante o período da regência, com movimentos separatistas e autonomistas como a Confederação do Equador, até uma temida revolta de escravos na Bahia, a revolta dos malês, que envolveu parcela de escravos de origem muçulmana e tinha entre os seus objetivos a libertação dos escravos daquela origem do cativeiro. Podemos citar ainda a Sabinada e Balaiada como exemplos de revoltas que contaram com o apoio popular, além da revolta Farroupilha no Rio Grande do Sul. Com a antecipação da maioridade de D. Pedro II em 1840, assistiremos a uma segunda etapa de relativa estabilidade política que apenas será revertida com o fim da Guerra do Paraguai, mais de 30 anos após o início do II Reinado, com a crise militar, a crise do sistema de mão de obra escravo (este extinto de forma gradual, porém ao final sem as pleiteadas indenizações dos proprietários a partir de iniciativa da princesa Isabel movida por sentimentos cristãos), além da crise instaurada pela maçonaria e Igreja no país – sem o apoio do exército, da Igreja e dos proprietários, o Império sucumbiu ao golpe militar que instaurou a republico num evento que o povo assistiu bestializado, sem entender do que se tratava, muitos pensando tratar-se de um desfile militar.

Trata-se de qualquer forma de um período decisivo em face das mudanças econômicas – com destaque para a expansão do café a partir dos anos 1830, a vinda dos imigrantes e a consolidação de uma força de trabalho baseada no trabalho livre, além do desenvolvimento das ferrovias e da iluminação das cidades a gás, da criação do Instituto Histórico Geográfico e das primeiras universidades do país, as escolas de direito de São Paulo e Recife. O peso da influência de ideias e filosofias francesas, alemãs e norte-americanas a disputar a hegemonia e o peso da tradição cultural portuguesa de até então. Período em que se assiste aos primeiros lances de um nativismo poético e artístico, como o indianismo da primeira fase do romantismo em Gonçalves Dias e José de Alencar e o naturalismo/realismo de Machado de Assis e Aluísio de Azevedo que servirão de importantes e fieis retratos  de tipos populares, predominantemente urbanos, além das figuras burguesas que já seriam retratadas desde o nosso primeiro romance conhecido, “A Moreninha” de Joaquim Manoel de Macedo, um sucesso já em sua época.  

Estudar a história do Brasil, conhecendo os aspectos decisivos que atribuem sentido à nossa evolução histórica, é passo fundamental para uma aproximação acerca do Brasil de hoje, bem como para responder dilemas que são reiterados em nossa história: a exclusão dos mais pobres e a grave desigualdade reforça a tese de que as grandes transformações sociais, quando não feitas com base em movimentos de ruptura com a ordem constituída, frequentemente são concretizados em mudanças promovidas com o fito de garantir a ordem de coisas colocadas, a hegemonia social das classes dominantes. A renitência com que o país lidou com o tráfico, postergando leis que já vedavam o comércio de humanos desde 1831 até 1850, bem como a lei de terras de 1850 que tem claro intuito de dificultar o acesso dos não remediados à terra diz muito acerca desta tendência da história brasileira seguir a chamada via prussiana, da conciliação que permite a unidade sob a direção das classes proprietárias que dirigem virtualmente a colônia e concretamente o país após a emancipação. O caminho a ser trilhado no sentido da Revolução Brasileira envolverá a resolução de contradições que estão na essência do período da "Construção Nacional" como a grave exclusão política de uma massa de escravos e trabalhadores livres pobres, a reiteração do sentido geral da economia agroexportadora voltada para o exterior e o desenvolvimento insuficiente de um mercado interno bem como de bases institucionais para a reprodução do modo de produção capitalista e consolidação da hegemonia da burguesia, na condição indiscutível de classe dominante desde a onda de revoluções de 1848.   







[1] Dom. Pedro I abdica em nome de seu filho D. Pedro II.

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