“A Construção Nacional – 1830-1889” – José Murilo de
Carvalho (Coordenação).
Resenha Livro – “História do Brasil Nação: a Construção
Nacional – 1830 – 1889 - Volume 2” – Vários Autores – Ed. Objetiva
“O período considerado nesse capítulo, do ponto de vista
econômico, político, social e cultural, representa o momento consolidador de
vários e decisivos aspectos da nacionalidade, seja na afirmação de algumas de
suas características fundamentais, seja na abertura de oportunidades, ou mesmo
pelos impasses que explicitou e que têm marcado o país até os dias atuais.
Entre o 7 de Abril de 1831[1]
e o 15 de novembro de 1889, da abdicação de D. Pedro I à República, o Brasil
experimentou transformações, modernizou suas instituições políticas, sua
estrutura econômica, suas relações sociais, sem que tenham sido superadas
certas mazelas e contradições que, permanentemente atualizadas, têm confirmado
o apego à desigualdade, à exclusão e à marginalização sociais, que estão na
base de impasses históricos que o Brasil tem reiterado”.
Quais são os elementos que especificam a nação brasileira e
a distinguem em sua evolução história face aos demais países? Como se deu tal
evolução face às demais repúblicas sul-americanas? Repúblicas que assistiram à
consolidação da emancipação política das nações através de processos de amplas guerras
e fragmentação político-territorial, num processo distinto da experiência
brasileira.
Quais são as raízes históricas que explicam o Brasil do presente e
que revelam as reiterações históricas que explicam por que as mudanças sociais
em terras brasilienses frequentemente se deem através de vias conservadoras,
como foi particularmente o caso da gradual abolição do tráfico e do trabalho
escravo?
O problema da nacionalidade brasileira e os traços
distintivos que circunscrevem o Brasil foram questões que surgiram a partir do
processo revolucionário de longa duração envolvendo a emancipação política
brasileira (1822) – as diversas mudanças no país decorrentes da transferência
da corte portuguesa ao Brasil (1808), a abertura dos portos que colocou fim ao
exclusivismo comercial que informa o sistema colonial (1808), e a revolução
constitucionalista do Porto (1820) que criou graves animosidades entre
brasileiros e portugueses, criando, estes entre outros fatores, as condições
objetivas e subjetivas para a emancipação política. Não poderiam resultar numa
nação consolidada, com consciência de si e clareza de suas peculiaridades. Pelo
contrário, na Independência sequer o mapa territorial brasileiro era certo:
àquela época o atual território do Uruguai pertencia ao Brasil e o Acre
pertencia à Bolívia. As províncias tinham cada uma um sentimento de
pertencimento que colocou em risco mais de uma vez a unidade territorial do
país.
Neste 2º Volume da coleção “História do Brasil Nação” estamos
diante de um período que envolverá importantes agitações políticas,
especialmente durante o período da regência, com movimentos separatistas e
autonomistas como a Confederação do Equador, até uma temida revolta de escravos
na Bahia, a revolta dos malês, que envolveu parcela de escravos de origem muçulmana
e tinha entre os seus objetivos a libertação dos escravos daquela origem do
cativeiro. Podemos citar ainda a Sabinada e Balaiada como exemplos de revoltas
que contaram com o apoio popular, além da revolta Farroupilha no Rio Grande do
Sul. Com a antecipação da maioridade de D. Pedro II em 1840, assistiremos a uma
segunda etapa de relativa estabilidade política que apenas será revertida com o
fim da Guerra do Paraguai, mais de 30 anos após o início do II Reinado, com a
crise militar, a crise do sistema de mão de obra escravo (este extinto de forma
gradual, porém ao final sem as pleiteadas indenizações dos proprietários a
partir de iniciativa da princesa Isabel movida por sentimentos cristãos), além
da crise instaurada pela maçonaria e Igreja no país – sem o apoio do exército,
da Igreja e dos proprietários, o Império sucumbiu ao golpe militar que
instaurou a republico num evento que o povo assistiu bestializado, sem entender
do que se tratava, muitos pensando tratar-se de um desfile militar.
Trata-se de qualquer forma de um período decisivo em face
das mudanças econômicas – com destaque para a expansão do café a partir dos anos
1830, a vinda dos imigrantes e a consolidação de uma força de trabalho baseada
no trabalho livre, além do desenvolvimento das ferrovias e da iluminação das
cidades a gás, da criação do Instituto Histórico Geográfico e das primeiras
universidades do país, as escolas de direito de São Paulo e Recife. O peso da
influência de ideias e filosofias francesas, alemãs e norte-americanas a
disputar a hegemonia e o peso da tradição cultural portuguesa de até então.
Período em que se assiste aos primeiros lances de um nativismo poético e
artístico, como o indianismo da primeira fase do romantismo em Gonçalves Dias e
José de Alencar e o naturalismo/realismo de Machado de Assis e Aluísio de
Azevedo que servirão de importantes e fieis retratos de tipos populares, predominantemente urbanos,
além das figuras burguesas que já seriam retratadas desde o nosso primeiro
romance conhecido, “A Moreninha” de Joaquim Manoel de Macedo, um sucesso já em
sua época.
Estudar a história do Brasil, conhecendo os aspectos
decisivos que atribuem sentido à nossa evolução histórica, é passo fundamental
para uma aproximação acerca do Brasil de hoje, bem como para responder dilemas que são
reiterados em nossa história: a exclusão dos mais pobres e a grave desigualdade
reforça a tese de que as grandes transformações sociais, quando não feitas com
base em movimentos de ruptura com a ordem constituída, frequentemente são concretizados
em mudanças promovidas com o fito de garantir a ordem de coisas colocadas, a
hegemonia social das classes dominantes. A renitência com que o país lidou com
o tráfico, postergando leis que já vedavam o comércio de humanos desde 1831 até
1850, bem como a lei de terras de 1850 que tem claro intuito de dificultar o
acesso dos não remediados à terra diz muito acerca desta tendência da história
brasileira seguir a chamada via prussiana, da conciliação que permite a unidade
sob a direção das classes proprietárias que dirigem virtualmente a colônia e
concretamente o país após a emancipação. O caminho a ser trilhado no sentido da Revolução Brasileira envolverá a resolução de contradições que estão na essência do período da "Construção Nacional" como a grave exclusão política de uma massa de escravos e trabalhadores livres pobres, a reiteração do sentido geral da economia agroexportadora voltada para o exterior e o desenvolvimento insuficiente de um mercado interno bem como de bases institucionais para a reprodução do modo de produção capitalista e consolidação da hegemonia da burguesia, na condição indiscutível de classe dominante desde a onda de revoluções de 1848.
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