“Que Fazer? Problemas Candentes do
nosso movimento” – V.
I. Lênin
Resenha
Livro – Que fazer? Problemas candentes do nosso movimento” – V. I. Lênin. Ed.
Expressão Popular
“Por
isso, nossa atenção deve estar voltada principalmente para elevar os operários
ao nível dos revolucionários e não para descermos, nós próprios, ao nível da “massa
operária” como desejam os economistas, ao nível do operário médio como quer o
Svoboda (que, sob este aspecto, eleva ao quadrado a “pedagogia” economista). Longe
de mim negar a necessidade de uma literatura popular para os operários, e de
uma outra especialmente popular (mas não uma literatura de má qualidade) para
os operários atrasados. Mas o que me indigna é essa recorrente mistura da
pedagogia com as questões políticas, com as questões de organização. Porque,
afinal, os Senhores que se arvoram defensores do “operário médico” insultam,
antes de tudo, esse operário, sempre que manifestam o desejo de inclinarem na
sua direção , em vez de lhe falarem de política operária ou de organização operária.”
Se há um denominador comum que informa
toda obra de Lênin é a pertinência entre as ideias socialistas e a ciência do
marxismo e sua aplicação à certa realidade concreta. As ideias de Lênin são em
geral partidárias no sentido de que aqueles que reivindicam de forma coerente o
leninismo inevitavelmente estará tomando partido acerca de questões concretas,
como um certo modelo de organização partidária, uma certa percepção do
capitalismo monopolista consubstanciado no imperialismo e uma prática política
que, baseada no enfrentamento à ordem constituída, envolve o realismo político,
as palavras mais duras ditas de forma franca por alguém que não se deixa iludir
pelo palavrório acerca de “democracia”, “liberdade” ou “pacifismo” com as quais
oportunistas e reformistas se opõe ao socialismo revolucionário.O partidarismo no bom sentido de Lênin explica também o silêncio ensurdecedor de professores universitários de Ciência Política ou Teoria Geral do estado sobre a contribuição leninista, com raríssimas exceções.
Florestan
Fernandes já dissera que “Lênin converte o marxismo em processo revolucionário
real”. Assim em trabalhos de alcance mais teórico como “Estado e Revolução”
(1917) ou “Imperialismo Fase Superior do Capitalismo” (1917), as ideias sobre a
transição socialista e o papel do estado, bem como a nova etapa histórica
imperialista do capitalismo[1], estas questões serão
sempre acompanhadas de uma crítica muitas vezes em forma de polêmica que busca
intervir objetivamente no movimento revolucionário russo.
Por
outro lado, textos mais explicitamente polêmicos de Lênin como “Esquerdismo,
doença infantil do comunismo” (1920) e este “Que Fazer” (1901) envolvem ideias
cujo alcance vai muito além do contexto revolucionário das primeiras décadas do
séc. XX. Muito do que Lênin propõe acerca dos papeis da organização certamente
dirá respeito às condições específicas da Rússia sob o czarismo em que a
polícia política exigia uma organização do tipo clandestina de revolucionários
profissionais que se credenciassem a atuar com agitadores, propagandistas e
tribunos populares. Por outro lado, o tema da consciência operária, a função do
partido no sentido de elevar a consciência sindical para a consciência
política revolucionária, a importância da imprensa operária, a superação dos
métodos artesanais de organização e atuação ainda são candentes: considerando
que o inimigo vem ganhando posições especialmente desde o fim da URSS, bem como
se identificando o recrudescimento do autoritarismo e da extrema direita na Europa
e na América, é não só possível como em alguns lugares provável ou uma
realidade a exigência de organizações políticas adequadas a contextos de
perseguição política.
Contexto
“Que
Fazer?” foi livro escrito por Lênin entre 1901-1902. O texto diz respeito à
polêmica no seio do Partido Social Democrata Russo acerca de temas como a
consciência operária, a organização e as funções do partido, os limites do
espontaneísmo, da luta sindical e da imprensa operária reduzida aos problemas
locais. O movimento revolucionário russo de então se dividia entre diversas frações
– Lênin é chefe diretor da revista Iskra, fundada em 1900, e defende as
posições deste grupo.
O
contexto que vai das últimas décadas do XIX (19870) e início do XX (1905-7) é
rico de mobilizações nas fábricas mas também de um despreparo da social
democracia no sentido de fazer evoluir movimentos espontâneos para a mobilização contra o inimigo direto da luta política operária: o governo russo
tzarista. O chamado ensaio geral da Revolução Russa correspondente ao período
revolucionário que se abre de 1905-07 na verdade foi precedido de outras
mobilizações sindicais importantes. Em 1896 houve uma massiva greve em
Petersburgo. A primeira organização marxista da Rússia “Emancipação do Trabalho”
foi fundada antes, em 1883, com a participação de Plakhanov. O partido operário
social democrata russo foi fundado em
1889. Em 1901, uma nova onda revolucionária perpassa pela Rússia. Ou seja,
movimentos espontâneos e organizações diferentes, como os marxistas legais, os
sindicalistas- economistas, os populistas adeptos de táticas terroristas e os
socialistas revolucionários naquele momento se encontravam abrigados no partido
social democrata que posteriormente irá se dividir entre bolcheviques e
mencheviques.
Teoria
Para
Lênin a organização política tem como função essencial de mediação entre a teoria
e a prática revolucionárias. Antes de Lênin, Engels já discutia acerca de três
frentes de luta: a econômica, a política e a teórica. Enquanto setores
vinculados ao jornal Robotcheie Dielo defendem um modelo de partido que
reduza seu alcance e horizonte à luta meramente sindical, Lênin coloca que o
trade unismo não só limita os horizontes da luta como pode efetivamente servir
de obstáculo no movimento pelo socialismo. O que Lênin coloca como verdade que a
primeiro momento pode chocar é que se o movimento russo for o melhor do melhor
dos sindicalismos, tanto pior para o povo pois deste modo o czarismo jamais
cairá – como demonstra a experiência trade-unionista e diversos exemplos na
história, o governo faz concessões para ganhar credibilidade e destruir a
ameaça real da elevação da consciência trade-unista no sentido do socialismo
pelos trabalhadores e o povo[2]. Neste aspecto, a luta social democrática
revolucionária é a única que pode levar de forma consequente e até o fim a luta
sindical. O partido deve garantir a unidade ideológica entre os diversos movimentos dos
trabalhadores, o que é imprescindível para uma luta geral pelo poder.
Outra
questão que merece destaque e tem reiterações na história é a habilidade com
que setores oportunistas se apoiam no atraso da consciência dos
trabalhadores. Servem-se de críticas aos ideólogos do partido de vanguarda no
sentido de que os mesmos seriam substitucionistas, avessos à “liberdade de crítica”,
não democráticos, etc. Lênin demonstra como se tratam de críticas demagógicas
que no fundo subestimam a capacidade dos próprios operários.
Na
situação russa, e não há por que pensar que a atual “democracia” norte
americana seja menos autoritária, era extremamente necessária a conformação de
um grupo de revolucionários que atuasse na clandestinidade. Seu papel é o de
elevar o nível de consciência, de iniciativa e de energia dos trabalhadores e
cada quadro deve ser recrutado entre o que há de melhor nas fábricas, escolas e
universidades, no campo e nas municipalidades. Enquanto a luta sindical se situa no âmbito de uma ou algumas
fábricas, a intervenção dos revolucionários deve-se dar no seio de toda a
sociedade russa denunciando e politizando as formas de descontentamento no
trabalho, mas também nas cidades, nos estabelecimentos de ensino, nas greves e nas manifestações públicas. Os
revolucionários profissionais devem garantir que os ataques da polícia política
não impeçam uma solução de continuidade dos trabalhos que frequentemente são
abandonados ou começados do zero com outra orientação política.
Em
junho de 2013 um movimento acéfalo, inicialmente reformista, que lutava contra
o aumento das passagens de ônibus sofreu dura repressão da polícia militar paulista
implicando numa onda de mobilizações por todo o país, bem como numa série de
greves de trabalhadores no segundo semestre daquele ano. Todavia, houve um
momento em que se inverteu o impulso de junho de 2013: dos estudantes e black blocks
aos provocadores ultra-direitistas insuflando manifestantes contra o PT, contra
os partidos de esquerda e finalmente contra a esquerda em geral. Estamos neste
momento colhendo os frutos amargos da derrota de junho de 2013 o que envolveu
ilusões de movimentos “apartidários” como o MPL acerca de “democracia” e
"assembleísmo”, enquanto os inimigos do povo buscaram se construir e destruir o
movimento por dentro. Mais de 100 anos após a publicação de “Que Fazer” os
apologistas dos “movimentos”, bem como da crítica “do modelo de partido
autoritário” ainda encontram espaço de atuação o que já era denunciado por Lênin a seu tempo.A falta de um preparo estratégico das mobilizações em Junho de 2013 permitiu em primeiro lugar a infiltração de provocadores, culminando na destruição de concessionária de carros numa ação isolado, movida por elementos estranhos aos manifestantes e com intuito claro de desmoralizar a luta. Permitiu em segundo lugar a dispersão da mobilização em torno de pautas confusas e o fortalecimento de elementos direitistas médios que tomaram as ruas e garantiram a derrubada da presidenta do PT pouco depois.
Para
além dos métodos artesanais e de discursos demagógicos sobre democracia, a
esquerda precisa, para fazer com que os trabalhadores ocupem o espaço que a
história lhes reservou, de organizações de tribunos populares, de ativistas
profissionais que dediquem suas vidas à Revolução Brasileira, de uma imprensa tanto
local quanto nacional, de uma literatura que longe de ser de má qualidade sirva
para elevar a consciência de setores médios e atrasados da classe. Lênin de
forma sintomática dizia que o pior inimigo da classe operária são os demagogos.
Justamente pelo fato dos demagogos serem capazes de ludibriar uma maioria de
trabalhadores sob o senso comum e minar o movimento por dentro. Já estamos
verificando que o democratismo dos movimentos sociais nos vem levando a
derrotas e desmoralização, isso quando não pautados também pelo discurso anti-partido.
[1]
Quando o capitalismo de livro mercado e a revolução industrial são substituídos
dialeticamente pelo novo protagonismo dos bancos e dos monopólios/oligopólios.
Nas palavras de Lênin a etapa imperialista do capitalismo é uma era de crises,
guerras e revoluções.
[2] A revolução de outubro e o impacto
do fim da II Guerra Mundial com a destruição político militar do nazi-fascismo
pelo exército vermelho; e o fato dos trabalhadores voltarem da guerra armados e
se depararem com patrões que haviam sido colaboracionistas dos nazi-fascistas;
estes dois elementos fizeram com que governos burgueses do pós-guerra
negociassem o Estado de Bem Estar Social – concessão de direitos para evitar
novas revoluções de outubro.
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