“Crise Colonial e Independência (1808-1830)" – Alberto da
Costa e Silva (Cordenação)
Resenha Livro - “Crise Colonial e Independência (1808-1830) –
Alberto da Costa e Silva (Cordenação) – Ed. Objetiva
“Foi nesse cenário econômico que, em rápidos movimentos,
ocorreram as grandes transformações do capitalismo e a criação do Estado
nacional brasileiro. No ponto inicial do séc. XIX, a onda burguesa era
percebida na colônia como notícia distante, assunto apenas de debate entre
pessoas cultas, preocupação que não fazia parte do cotidiano econômico. De um
dia para outro, em 1808, com o desembarque da corte de D. João, que fugia de
Napoleão Bonaparte, a onda chega e ganha forma física instantânea. Ela muda não
apenas a percepção do cenário como a situação da economia real e,
especificamente, o quadro institucional da economia. A existência de um Estado
soberano de fato molda o período de permanência da corte. Nele, “Brasil” deixa
de ser uma utopia nacional e passa a ser uma ideia dotada de conteúdo real,
mesmo sem independência formal”.
(Pg.169)
A
História como disciplina específica, com seus pressupostos
teórico-metodológicos e objetos de investigação delimitados, é relativamente
recente. Certamente, pelo menos desde Heródoto (485-425 a.C) houve cronistas
e todo o tipo de homem de letras que legaram valiosos relatos sobre o passado.
Mas é apenas no fim do séc. XIX com Leopold Von Ranke e aqui no Brasil com
Francisco Adolfo Varnhagen que a
história ganha contornos de uma disciplina específica, separada da filosofia,
da sociologia e da política.
Podemos falar aqui de uma historiografia
positivista, cujo foco dá-se em torno do que hoje chamaríamos de história
político-administrativa, com a pretensão, todavia, de ser um relato imparcial,
através da narrativa sequencial dos grandes eventos e datas que nem sempre
correspondem à relevância percebida pelos contemporâneos que presenciaram dado
evento[1].
Hoje o positivismo historiográfico está superado. A partir
do movimento modernista da historiografia nos anos de 1930 com as contribuições
de Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Paulo Prado e Gilberto Freyre,
observou-se um movimento de aproximação da História e das Ciências Sociais. A
influência da missão francesa vinculada à escola dos Annales quando da criação
da primeira faculdade de história em São Paulo também contaram para o avanço
nas pesquisas, em particular no que tange à história da cultura e à história
das ideias.
Todavia, a História enquanto disciplina de ensino superior
tem frequentemente suas pesquisas circunscritas a temas extremamente
específicos afastando a produção acadêmica de um público leitor não
especializado. A título de exemplo, estuda-se em nível de pós-graduação temas
de pouca abrangência, como “a alimentação da população citadina da capitania de São Vicente no séc. XVI” ou “o envio das ordens carmelitas à América Portuguesa
em 1580”. São estudos que por um lado ganham em profundidade, mas por outro
perdem em envergadura, frequentemente com um tratamento exaustivo sobre o
objeto de pesquisa sem uma contextualização que ao menos conduza a leitura de
não profissionais.
Daí a importância de trabalhos como o desta coleção “História
do Brasil Nação: 1808-2010”. Neste primeiro volume temos ensaios de um período
extremamente dinâmico, e em dado momento revolucionário, que envolve a fuga da
corte portuguesa e sua instalação no Brasil (1808), a abertura dos portos
rompendo com o exclusivismo comercial da era colonial (1810), a elevação do
Brasil à condição de Reino Unido de Portugal e Algavres (1818) e, destaque, a
revolução constitucionalista do Porto em 1820, para suscitarmos alguns eventos
importantes.
Pode-se dizer que a vinda da família real no Brasil foi
antes uma retirada militar: tropas napoleônicas já avançavam sobre o território
português quando o monarca D. João VI, sob pressão da Inglaterra, transfere a sede do Império Português ao Rio de Janeiro. Os relatos descrevem
uma situação dantesca com pessoas buscando embarcar submersas na água bem como
a separação de famílias em meio à conturbada retirada.
Salvador fora a sede do Brasil Colônia até 1763 e quando a
corte desembarcou no Brasil encontrou no Rio de Janeiro uma vila modesta, com
uma forte presença de escravos e sem condições imediatas para a instalação não
só da dinastia Bragança, mas de um séquito de nobres que acompanharam a família
real. Muito foi feito num curto espaço de tempo de modo a concretizar a cidade
do Rio de Janeiro como a capital de um Império intercontinental. Criou-se o Banco
do Brasil, o Jardim Botânico e a Imprensa Régia. Uma missão de artistas
franceses, modistas e escritores serviu aos desígnios de uma elite, tanto
brasileira quanto portuguesa, que buscava requintar-se através da moda
europeia, ou mais especificamente, francesa. Foi criado o Real Teatro de São João
(1813), bem como foi incentivada a vinda de artistas plásticos e cientistas que
buscavam pesquisar a fauna e flora brasileiras.
Os ensaios deste trabalho abordarão aspectos da sociedade,
cultura, política e economia através de uma narrativa panorâmica, pontuando as
mais recentes descobertas da historiografia acerca daquele período de crise e
desagregação do sistema colonial, da consolidação de uma nova nação (ainda que
ausente um sentimento de identidade nacional que só seria consolidado muito
tempo depois com o modernismo).
Todavia, enquanto os autores lançam luzes sobre diferentes aspectos
daquela conjuntura histórica, fica a cargo do leitor uma reflexão posterior,
que envolve o sentido geral do movimento histórico naquele período e explique a
singularidade da emancipação brasileira num processo conservador em que o
desenvolvimento comercial e do próprio capitalismo no país[2]
irão conviver com a escravidão e com um regime político que em diversos
aspectos não se difere do antigo Antigo Regime, transplantado para terras
americanas.
A coroa teve de lutar contra tendências desagregadoras
externas e internas. A Revolução Constitucionalista do Porto de 1820 buscava
romper com o absolutismo e criar em Portugal uma Monarquia Constitucional com o
retorno de D. João VI ao continente europeu, o que efetivamente ocorreu. No
âmbito interno, criou-se um clima em que se via o movimento do Porto como
partidário da re-colonização do Brasil, algo já impensável em face das transformações
sócio-econômicas por aqui operadas desde 1808
- há uma polarização entre brasileiros e portugueses que impulsiona a
emancipação. Internamente, há a revolução pernambucana de 1817, de caráter
federalista, autonomista e republicano. Há a Confederação do Equador de 1824
com nítido caráter separatista e republicano. E houve as guerras de
independência, frequentemente olvidadas, precedidas da adesão espontânea de
algumas províncias às cortes de Lisboa em claro desafio ao poder central
localizado no Rio de Janeiro.
Estamos assim diante de um período histórico singular que
opõe ideias derivadas da Revolução Americana (17776) e da Revolução Francesa
(1789) e a centralização política que informa o absolutismo. O liberalismo econômico,
nas palavras de um historiador, um grande mal entendido no Brasil, apareceu no país de forma contraditória,
coexistiu com o tráfico de escravos até 1850 e a escravidão até 1889, bem como
conciliou com o regime monárquico absolutista. Aliás, após a abertura dos
portos brasileiros às nações amigas, nunca houve um número tão alto de escravos
ingressando no país – tratava-se, para além das culturas do açúcar e do tabaco,
efetivamente do negócio mais rendoso do período, num comércio dominado
principalmente por portugueses. Considerando que em 1823 apenas 9% da
população morava em cidades e em algumas das cidades mais de 50% da população era
de escravos, percebe-se como seria difícil constituir um mercado interno que
consolidasse uma economia capitalista.
O processo histórico contraditório de rupturas e
continuidades criou uma base pouco sólida para a dinastia Bragança – a opulência
real, as festas civis/religiosas e os rendimentos devidos aos nobres que para
cá imigraram foram arcados com impostos sobre a produção agrícola. Em troca,
tanto D. João quanto D. Pedro conferiam
títulos de nobreza a centenas de brasileiros de modo indiscriminado e,
importante, perpetuando práticas já obsoletas em países da Europa que passavam
por sua experiência histórica das revoluções burguesas.
Em que pese este trabalho não ter a pretensão de oferecer
novas interpretações sobre a crise colonial e a independência, o livro, pelo
seu aspecto didático sem comprometer a fidelidade junto às fontes históricas, é
uma boa iniciativa no sentido de fazer com que os estudos da história venham
além dos trabalhos especializados, eventualmente acessíveis apenas ao
historiador de ofício.
Joaquim Cândido Guillobel - "Fiel retrato do interior de uma casa brasileira. (1814-1816)
[1]
Poderíamos suscitar como exemplo o 7 de Setembro de 1822 com o Grito do
Ipiranga, fato noticiado por um único jornal em sua época, não correspondendo, ao
contrário do que se sugere, em um marco de ruptura mas a consolidação de
movimento em direção à independência que os historiadores costumam rotular como
processo de longa duração.
[2]
Bem como a inserção do Brasil nas relações internacionais face ao desenvolvimento geral do capitalismo no
mundo.
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