“Um Outro Olhar Sobre Stálin” – Ludo Martens
Resenha livro – “Um outro olhar sobre Stálin” – Ludo Martens - Para a História do Socialismo Documentos
O escritor alagoano Graciliano Ramos certa feita bem
observou: “nenhum homem é mais odiado pela burguesia do que Stálin. E com razão”.
De fato, se houve um dirigente da esquerda revolucionária mais atacado e
caluniado pelos meios de comunicação do imperialismo mundial, bem como pelos
fascistas ao seu tempo, foi Stálin. E isto não é gratuito.
Em sentido contrário ao que se é aprendido frequentemente na
escola e em filmes de hollywood, não foram os americanos com seu dia D que
impediram o nazismo de triunfar. A guerra àquela altura já estava definida
desde a batalha de Stalingrado, Kursk e a heroica resistência do povo soviético
face ao cerco de Leningrado. O exército vermelho destruiu militarmente o
nazismo e esta verdade deve ser levada em consideração com todas as suas
implicações, bem como suscitando razões do êxito soviético. Já os americanos, num momento em que os rumos
da Guerra já estavam decididos, mataram 500 000 civis com a Bomba Atômica numa
manobra para intimidar a URSS e o movimento comunista internacional.
Aqui aparece o interesse deste livro de Ludo Martens. Não se
trata de biografia de Stálin, mas de uma análise objetiva calcada em vasto
repositório de fontes que demonstram muito bem como somos muito mal informados
acerca do que ocorreu na União Soviética e os fatos que se passaram no período
de Stálin em particular.
No que tange à II Guerra, não haveria vitória em primeiro
lugar sem a assombrosa industrialização que criou as condições para o
desenvolvimento de um país extremamente atrasado, com uma maioria esmagadora de
camponeses vivendo em condições medievais,
utilizando arados de madeiras e fortemente influenciados pela igreja com
suas mistificações. Milhares de camponeses foram para a cidade e tornaram-se
proletários e um forte estímulo no nível da cultura também fez avançar a consciência do povo - o engajamento na construção do socialismo. Não haveria vitória na
II Guerra se não tivesse ocorrido igualmente importantes depurações dentro do
partido e em particular no exército. As vésperas da guerra desbaratou-se a
operação Tuckachév de inspiração bonapartista – dentro de URSS dos anos 30
havia atividade clandestina de todo o tipo de oportunistas que buscavam minar
por dentro o primeiro país soviético. Se não houvesse depuração, o estrondoso
número de 23 milhões de russos mortos na II Guerra Mundial seria maior.
O assassinato de Kirov em 1934 ou mesmo antes com a
tentativa de morte de Lênin demonstram como havia uma intensa atividade
clandestina buscando galgar posições para liquidar o regime soviético.
Talvez, a forma como se conta a história da Revolução Russa,
muito inspirada nas narrativas anticomunistas, revisionistas e trotskystas,
seria a de que a revolução correspondesse a uma data em outubro de 1917. Como
se a revolução não fosse um processo histórico que perdura-se em encarniçada
luta de classes em longa duração. Uma narrativa como se a revolução trinfou e
uma suposta contra-revolução burocrático dirigida por Stálin engendrara um “estado
operário deformado” desvirtua a realidade dos fatos.
Para muitos militantes de esquerda, formados
num ambiente onde ainda predomina os pontos de vista trotskystas e
revisionistas, Stálin seria um ditador e um burocrata e de certa forma uma
ruptura com a orientação leninista. Trótsky, aquele que aderiu ao menchevismo
em 1903 e só aderiria ao bolchevismo em agosto de 1917; aquele que polemizou a
vida inteira com Lênin nas questões mais essenciais como o problema a questão
dos sindicatos (uma escola de comunismo em Lênin), sobre a I Guerra (enquanto Lênin
dentro do espírito internacionalista proclama a guerra contra a guerra, Trótsky
vacila achando oportuna a vitória militar do czar), sobre o socialismo num só
país (que como veremos nada tem a ver com o nacionalismo e foi a tese defendida
por Lênin).
Um novo olhar para o que foi a história da União Soviética
nada mais é do que a constatação de que Stálin soube bem dirigir o partido num
contexto que passa despercebido/desconhecido, com sabotadores de todo o tipo,
com grandes proprietários especulando e com isso levando a fome às cidades, à
infiltração de anticomunistas dentro do partido e até na direção, atuando no
sentido de perseguir os mais capazes e mais valentes militantes, à destruição
deliberada de Khulags de máquinas e animais para sabotar a coletivização da
terra; uma situação de guerra de classes perdurou na URSS ao longo da segunda e
terceira década do século passado fazendo com que alguns socialistas humanistas
se chocassem com a “violência stalinista”.
Esta contextualização é importante para entender as razões
da “unanimidade” de fascistas, liberais,
sociais democratas e trotskistas em caluniar Stálin. A vitória da revolução de
Outubro despertou o ódio de todas as potências imperialistas que desde o início
declararam guerra ao país dos soviets. Após a guerra perdura-se uma guerra
civil numa frente ampla envolvendo a burguesia expropriada da Rússia, os
grandes proprietários, militares do antigo regime e a intervenção de nada menos
que 14 países diferentes operando em solo Russo. Além de consolidar a tomada do
poder os bolcheviques tiveram que criar um exército desde o zero. As tropas do
general branco Denekin e Kolchak, este último uma rara espécie de Hitler russo,
estiveram perto de esmagar a revolução transformando a Rússia numa comuna de
paris.
Este livro de Ludo Martens, nesse sentido, não pretende ser uma
biografia de Stálin, mas a refutação das principais críticas que ouvimos sobre
Stálin. Um trabalho altamente documentado que demonstra como foi montada uma
verdadeira operação de guerra ideológica pelo imperialismo (e ao seu tempo o
fascismo) contra a URSS[1].
As chamas depurações (1938/9) na verdade mostraram a sua
justeza com o término da II Guerra. Quando os nazistas tomaram territórios
soviéticos, a primeira coisa que faziam eram identificar as lideranças locais
do movimento comunista e levá-los, com familiares, para morte nos campos de
concentração: quantos colaboracionistas nazis, brancos, partidários do
tzarismo, sociais revolucionários e kulags não prestariam ajuda a Hitler com o
intuito de varrer os comunistas do poder. Criminosos políticos foram devidamente afastados naquela conjuntura
em que o país se preparava para uma guerra em proporção jamais vista. As fontes
que são suscitadas em livros anticomunistas falam em 9 milhões de mortos na
depuração. Após a abertura de arquivos nos anos 80, pesquisas de historiadores orçam
em centenas de milhares de mortos – uma minoria por execução e uma maioria por
problemas de saúde relacionadas a dificuldades de abastecimento as quais
atingiam toda população. E mais, a primeira depuração foi entendida como
exagerada e em 6 meses Stálin estabelece mudança de diretriz.
Todos os mitos que escutamos sobre Stálin bem como a
história da revolução russa precisam cair por terra. É preciso entender que o
nascimento do socialismo na Rússia foi um evento cuja violência é proporcional
à reação não só das classes sociais proprietárias derrotadas, mas do
imperialismo mundial: a URSS constitui uma ameaça de novas revoluções de
outubros e a URSS sob Stálin que transformou um país donde camponeses aravam a
terra com arado de madeira na segunda maior potência mundial, que colocou
centenas de milhares de pessoas em escolas, institutos e universidades, que em
13 anos desenvolveu a indústria num ritmo jamais visto até então, que
coletivizou a terra e destruiu politicamente a última classe social exploradora
do país, os kulags, um país poderoso e influente que reivindicava o socialismo foi uma
ameaça real ao sistema de exploração capitalista. A existência da URSS e a
vitória do exército vermelho sobre o nazismo contagiou os trabalhadores por
todo o mundo, colocando o capitalismo nos países centrais em grave risco[2]
– da mesma forma ocorre com os países da periferia que se mobilizam contra o
neocolonialismo, com apoio da URSS.
Outros mitos envolvem o aspecto burocrático da direção
stalinista, quando Stálin combateu da forma mais reiterada os desvios, o
relaxamento e acomodamento de dirigentes e suscitava as bases a controlarem a
direção. A noção leninista de que o exército deve ter comissários políticos,
estabelecendo uma relação coerente entre princípios e estratégias políticas e
atividade militar foi aplicada a risca por Stálin. Trótsky por sinal tinha posição diferente de
Lênin e Stálin até aqui: a rejeição da direção ideológica e política do exército
pelo partido. O chamado “culto à personalidade” também não tem qualquer
embasamento face aos documentos de pessoas que conviveram com Stálin. Quando
Kaganovich, um bolchevique que se manteve fiel às ideias revolucionárias,
emendou em texto uma passagem com a expressão marxista-leninismo-stalinismo, foi imediatamente repelido por Stalin. Stálin não aceitou a redação de um livro sobre
sua infância identificando que a publicação era toda ela laudatória, inverídica
e impertinente. A grande verdade é que Stálin foi marxista-leninista, e, se
quisermos, um leninista ortodoxo. É da velha guarda bolchevique e seu espírito
rebelde remonta ao tempo do seminário quando lia Marx escondido sob a capa de
uma bíblia. Expulso do seminário, iniciou atividade de luta direta com a
autocracia:
“Stálin tinha 26 anos, quando pela primeira vez se encontrou
com Lênin, na Finlândia. Foi em Dezembro de 1905, por ocasião da conferência
bolchevique. Entre 1905 e 1908, o Cáucaso é o palco de uma intensa atividade
revolucionária. Durante esse período, a polícia registra 1150 “atos terroristas”.
Stálin desempenha aqui um grande papel. Em 1907-1908, dirige com Ordjonikídze e
Vorochílov secretário do Sindicato do Petróleo, uma luta legal de grande
envergadura dos 50 mil trabalhadores da indústria petrolífera em Baku. Obtêm o
direito de eleger representantes dos trabalhadores, que se reúnem em
conferência para discutir uma convenção coletiva de trabalho. Lênin saudou esta
luta travada num momento em que a maior parte das células revolucionárias na
Rússia havia cessado toda a atividade”.
A oposição Stálin e Trótsky, com a adesão de boa parte da
esquerda junto ao segundo, explica muito das nossas debilidades. Só um idiota
acredita que o socialismo em um só país de que falou não só Stálin mas também Lênin
nada tem a haver com o internacionalismo. Trata-se de garantir a existência de
uma trincheira abatido o inimigo, e desde esta trincheira avançar (e não recuar). A verdade é
que Trósky até meados de 1930 não acreditava que uma país atrasado como a
Rússia poderia avançar rumo ao socialismo (crença compartilhada por Bukharin) –
apenas a vitória da revolução em países avançados poderia salvar a Rússia. Se
este espírito de derrotismo e de renúncia à luta de classes encarniçada que se
seguia da revolução à guerra civil prevalecesse, não se teriam criado as
condições para uma resistência heroica do povo soviético face ao imperialismo e
à guerra – Lênin e Stálin orientavam o partido e o povo a avançar, a engajar-se
no trabalho e construir o socialismo, bem como defendê-lo em todos os níveis. A
URSS foi uma trincheira do socialismo em nível mundial e isto explica a fúria
dos capitalistas internacionais face a Stálin. O derrotismo de Trótsky mostrou-se
errado na prática. Trótsky foi um oportunista, criou divisões e facções
internas no partido, desenvolveu atividade clandestina e antipartidária em período
que abrande as mais duras lutas de classe. Trótsky teve a ousadia de sugerir
que a derrota da URSS face aos nazis poderia ser algo de bom pois criaria as
condições para a revolução “antiburocrática” contra o stalinismo.
Por isso em todo mundo são os marxistas-leninistas os que
lutam, não se desmoralizam e são aqueles que a burguesia e os capitalistas mais
temem e odeiam. Trata-se o marxismo-leninismo não de uma narrativa, nem de uma
visão social do mundo, nem de uma “moral” como fala o menchevique Trótsky, mas
de uma ciência com seus pressupostos teórico metodológicos que quando bem
assimilados fazem com que cada um sinta a mais plena convicção da justeza desta
orientação política, firmeza e intransigência na ação.
[1]
Stálin propôs à Inglaterra e França uma aliança anti-hitler, mas a proposta foi
rejeitada. Logo os comunistas se aperceberam de que a expectativa dos anglo-saxões
era a de que Hitler atacaria a Rússia e destruiria o socialismo como lhes convinha.
O pacto de não agressão foi nada menos que uma trégua de dois país que sabiam
caminhar para o conflito. O pacto foi assinado entre a URSS e Alemanha e em
termos militares foi decisivo – junto com a vitória na guerra da Finlândia pelo
Exército Vermelho – para preparar a URSS para guerra.
[2]
Aqui reside a origem do Estado de Bem Estar Social: benefícios aos
trabalhadores para que não ocorram novas Revoluções de Outubro.
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