domingo, 18 de março de 2018

“História Econômica do Brasil” – Caio Prado Jr.


“História Econômica do Brasil” – Caio Prado Jr.



Resenha Livro - “História Econômica do Brasil” – Caio Prado Jr. – Ed. Brasiliense 1970

Caio Prado Jr. nasceu em São Paulo em 1907. Pertenceu à tradicional/aristocrática família Silva Prado que desde terras paulistas chegou a conduzir a maior lavoura de café do país, além de colecionar importantes representantes do pensamento social brasileiro como Eduardo Prado e o historiador e propugnador da Semana de Arte Moderna de 1922, Paulo Prado.

Caio estudou no colégio São Luís e formou-se em 1928 na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

Consta que em 1956 obteve aprovação como professor, através de concurso, naquela faculdade, com pesquisa acerca das diretrizes para uma política econômica brasileira[1].
Todavia, diante da pregressa orientação política e teórico metodológica marxista bem como sua militância no Partido Comunista Brasileiro, Caio não foi aceito como discente de uma tradicional escola de Direito[2] o que parece ser compreensível. Estamos no ano de 1956 pouco após a interdição do PCB pelo governo Dutra e em plena vigência dos lances mais duros da Guerra Fria.

Esta “História Econômica” envolve a análise dos processos econômicos do descobrimento até o período do milagre econômico já na ditadura militar, bem como a reconstituição dos eventos históricos que estão por de trás desses processos. 

Trata-se de uma história bastante distinta de certa historiografia mais tradicional que remete a Francisco Adolfo de Varnhagen ou mesmo Capistrano de Abreu – enquanto tal orientação positivista produza uma história dos grandes eventos, com ênfase e protagonismo dos chefes de estado, da história estritamente político administrativa com um largo peso da ação dos indivíduos na evolução dos acontecimentos, o método de Caio Prado Jr. é o do materialismo histórico que irá mais a fundo nas explicações causais do progresso histórico brasileiro, dando ênfase às bases estruturantes da economia, das disposições geográficas e demográficas, dos regimes de trabalho, seja servil seja o livre, incluindo os salários mediante retenção por dívidas envolvendo os imigrantes.

Observa-se como há uma espécie de sentido ou reiteração histórica dos acontecimentos que na obra anterior, “Formação Histórica do Brasil Contemporâneo” (1942) já é enunciada. Tal orientação denomina-se os sentidos da colonização:

“No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais complexa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro o sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no social como no econômico, da formação e evolução histórica dos trópicos americanos”.

Trata-se de uma história impessoal cujos protagonistas não são dados indivíduos à frente dos órgãos de poder, mas da base social e econômica desta mesma evolução que envolverá os interesses de classe, desde os barões dos engenhos de açúcar até a massa de trabalho escravo predominantemente negra mas também indígena, esta última especialmente no início da colonização e no extrativismo vegetal da região norte. E o que se constata é de fato uma reiteração da história em que a atividade agrícola de monocultura e voltada para exportação, portanto economia dependente das contingências e vicissitudes do comércio internacional, esta reiteração cria ciclos de expansão e posterior declínio acentuado, a partir do Pau Brasil (região litorânea com participação decisiva dos índios remunerados com bugigangas); do açúcar (maior parte da história produzido majoritariamente em Pernambuco e Bahia e mais recentemente em São Paulo); do algodão ( vinculado à expansão da indústria têxtil inglesa e decaindo em razão da concorrência norte americana); da borracha e do cacau (maior produção no recôncavo baiano).

Um paralelo interessante que revela diferentes caminhos percorridos pela experiência histórica norte americana e brasileira é suscitada a partir da noção de colônia de exportação (porção meridional da América) e colônia de povoamento (porção setentrional do continente).

A ocupação da América do Norte está relacionada com conflitos religiosos no continente europeu, envolvendo huguenotes franceses Quaker ingleses (protestantes) e outros. O clima temperado em face do calor torrencial dos trópicos faria com que colonos também se dirigissem aos povoamentos do norte.

Preleciona Caio Prado Jr. : “Procuram então uma terra ao abrigo das transformações da Europa, de que são vítimas, para refazerem nela sua  existência comprometida. O que resultará deste povoamento, realizado com tal espírito e num meio físico muito aproximado da Europa será naturalmente uma sociedade que embora com caracteres próprios, terá semelhança pronunciada com o continente de onde se origina. Será pouco mais que um simples prolongamento dele”.

Realidade inteiramente distinta ocorrerá com a colonização portuguesa. Calcula-se que ao tempo do descobrimento brasileiro Portugal contava com 1.5 milhões de habitantes em face de um vasto Império Ultramarino envolvendo a Costa Leste da África, as Índias e o vasto território brasileiro. Portugal não possuía reserva populacional sequer para plena ocupação de seu próprio território fazendo com que a colonização no Brasil se moldasse em outros termos. O colonizador é movido pelas possibilidades de expansão agrícola em larga escala, suprindo o mercado europeu de açúcar e demais produtos tropicais, sob o regime  da monocultura e sob a base do trabalho escravo. Uma economia que por cerca de 400 anos está voltada para fora enquanto as colônias de povoamento, com pequenas unidades produtivas e o trabalho livre criam as condições para a formação de um mercado interno e uma economia verdadeiramente nacional.

Este modelo agroexportador do Brasil, rigidamente vinculado às demandas externas perpetuam-se na nossa história econômica até a etapa imperialista do capitalismo (fins séc. XIX),  a partir do financiamento e endividamento externo e parco controle estatal sobre moedas e inversões de capitais.
Este livro foi escrito em 1970 quando a população brasileira era de 95 milhões de habitantes com uma parcela ainda importante residindo no campo. O forte êxodo rural e o incremento da tecnologia da agricultura desde o agronegócio reitera de certa forma aquela repetição da história ou mesmo herança colonial agroexportadora. Inclusive no mundo do trabalho em que o agronegócio e as modernas tecnologias aplicadas à terra convivem com a super exploração do trabalho; é o que se constata ora nos canaviais de Ribeirão Preto até frentes pioneiras de trabalho ao norte onde são recorrentes denúncias de escravidão.

O desafio caiopradiano da conformação de uma economia nacional em face do imperialismo que conspira para manter o arcaico modelo exportador brasileiro – tal desafio continua depois de 40 anos inconcluso.     


[1] Tema reiterado em suas obras, em especial “A Revolução Brasileira” (1966)
[2]  Mais antiga do país ao lado da Escola de Direito de Recife (1827)

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