“História Econômica do Brasil” – Caio
Prado Jr.
Resenha Livro - “História Econômica do
Brasil” – Caio Prado Jr. – Ed. Brasiliense 1970
Caio Prado Jr. nasceu em São Paulo em
1907. Pertenceu à tradicional/aristocrática família Silva Prado que desde
terras paulistas chegou a conduzir a maior lavoura de café do país, além de
colecionar importantes representantes do pensamento social brasileiro como
Eduardo Prado e o historiador e propugnador da Semana de Arte Moderna de 1922,
Paulo Prado.
Caio estudou no colégio São Luís e
formou-se em 1928 na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
Consta que em 1956 obteve aprovação
como professor, através de concurso, naquela faculdade, com pesquisa acerca das
diretrizes para uma política econômica brasileira[1].
Todavia, diante da pregressa
orientação política e teórico metodológica marxista bem como sua militância no
Partido Comunista Brasileiro, Caio não foi aceito como discente de uma
tradicional escola de Direito[2] o
que parece ser compreensível. Estamos no ano de 1956 pouco após a interdição do
PCB pelo governo Dutra e em plena vigência dos lances mais duros da Guerra
Fria.
Esta “História Econômica” envolve a
análise dos processos econômicos do descobrimento até o período do milagre
econômico já na ditadura militar, bem como a reconstituição dos eventos
históricos que estão por de trás desses processos.
Trata-se de uma história bastante
distinta de certa historiografia mais tradicional que remete a Francisco Adolfo
de Varnhagen ou mesmo Capistrano de Abreu – enquanto tal orientação positivista
produza uma história dos grandes eventos, com ênfase e protagonismo dos chefes
de estado, da história estritamente político administrativa com um largo peso
da ação dos indivíduos na evolução dos acontecimentos, o método de Caio Prado
Jr. é o do materialismo histórico que irá mais a fundo nas explicações causais
do progresso histórico brasileiro, dando ênfase às bases estruturantes da
economia, das disposições geográficas e demográficas, dos regimes de trabalho,
seja servil seja o livre, incluindo os salários mediante retenção por dívidas
envolvendo os imigrantes.
Observa-se como há uma espécie de
sentido ou reiteração histórica dos acontecimentos que na obra anterior,
“Formação Histórica do Brasil Contemporâneo” (1942) já é enunciada. Tal
orientação denomina-se os sentidos da colonização:
“No seu conjunto, e vista no plano
mundial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta
empresa comercial, mais complexa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo
caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território
virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro o sentido da colonização
tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos
fundamentais, tanto no social como no econômico, da formação e evolução
histórica dos trópicos americanos”.
Trata-se de uma história impessoal
cujos protagonistas não são dados indivíduos à frente dos órgãos de poder, mas
da base social e econômica desta mesma evolução que envolverá os interesses de
classe, desde os barões dos engenhos de açúcar até a massa de trabalho escravo
predominantemente negra mas também indígena, esta última especialmente no início
da colonização e no extrativismo vegetal da região norte. E o que se constata é
de fato uma reiteração da história em que a atividade agrícola de monocultura e
voltada para exportação, portanto economia dependente das contingências e vicissitudes
do comércio internacional, esta reiteração cria ciclos de expansão e posterior
declínio acentuado, a partir do Pau Brasil (região litorânea com participação
decisiva dos índios remunerados com bugigangas); do açúcar (maior parte da história
produzido majoritariamente em Pernambuco e Bahia e mais recentemente em São
Paulo); do algodão ( vinculado à expansão da indústria têxtil inglesa e
decaindo em razão da concorrência norte americana); da borracha e do cacau
(maior produção no recôncavo baiano).
Um paralelo interessante que revela diferentes
caminhos percorridos pela experiência histórica norte americana e brasileira é
suscitada a partir da noção de colônia de exportação (porção meridional da
América) e colônia de povoamento (porção setentrional do continente).
A ocupação da América do Norte está
relacionada com conflitos religiosos no continente europeu, envolvendo huguenotes
franceses Quaker ingleses (protestantes) e outros. O clima temperado em face do
calor torrencial dos trópicos faria com que colonos também se dirigissem aos
povoamentos do norte.
Preleciona Caio Prado Jr. : “Procuram
então uma terra ao abrigo das transformações da Europa, de que são vítimas, para
refazerem nela sua existência
comprometida. O que resultará deste povoamento, realizado com tal espírito e
num meio físico muito aproximado da Europa será naturalmente uma sociedade que
embora com caracteres próprios, terá semelhança pronunciada com o continente de
onde se origina. Será pouco mais que um simples prolongamento dele”.
Realidade inteiramente distinta
ocorrerá com a colonização portuguesa. Calcula-se que ao tempo do descobrimento
brasileiro Portugal contava com 1.5 milhões de habitantes em face de um vasto
Império Ultramarino envolvendo a Costa Leste da África, as Índias e o vasto
território brasileiro. Portugal não possuía reserva populacional sequer para
plena ocupação de seu próprio território fazendo com que a colonização no
Brasil se moldasse em outros termos. O colonizador é movido pelas
possibilidades de expansão agrícola em larga escala, suprindo o mercado europeu
de açúcar e demais produtos tropicais, sob o regime da monocultura e sob a base do trabalho
escravo. Uma economia que por cerca de 400 anos está voltada para fora enquanto
as colônias de povoamento, com pequenas unidades produtivas e o trabalho livre
criam as condições para a formação de um mercado interno e uma economia
verdadeiramente nacional.
Este modelo agroexportador do Brasil,
rigidamente vinculado às demandas externas perpetuam-se na nossa história
econômica até a etapa imperialista do capitalismo (fins séc. XIX), a partir do financiamento e endividamento
externo e parco controle estatal sobre moedas e inversões de capitais.
Este livro foi escrito em 1970 quando
a população brasileira era de 95 milhões de habitantes com uma parcela ainda
importante residindo no campo. O forte êxodo rural e o incremento da tecnologia
da agricultura desde o agronegócio reitera de certa forma aquela repetição da
história ou mesmo herança colonial agroexportadora. Inclusive no mundo do
trabalho em que o agronegócio e as modernas tecnologias aplicadas à terra
convivem com a super exploração do trabalho; é o que se constata ora nos
canaviais de Ribeirão Preto até frentes pioneiras de trabalho ao norte onde são
recorrentes denúncias de escravidão.
O desafio caiopradiano da conformação
de uma economia nacional em face do imperialismo que conspira para manter o
arcaico modelo exportador brasileiro – tal desafio continua depois de 40 anos
inconcluso.
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