“A Vida de D. Pedro I – Tomo 1º” – Otávio Tarquínio
de Souza
1830 – D. Pedro I – Óleo sobre Tela de Simplício
Rodrigues de Sá (1785-1839). Acervo do Museu Imperial
Resenha Livro “História dos Fundadores do Império
Volume II – A Vida de D. Pedro I – Tomo 1º” – Otávio Tarquínio de Souza.
As
biografias podem ser consideradas um gênero particular da história com
diferentes espécies. Há as biografias de caráter enciclopédico, de teor mais
informativo, frequentemente vinculadas a alguma coleção. Pode-se citar as
autobiografias ou biografias consentidas que tendem a trazer à luz a percepção
pessoal do biografado acerca dos acontecimentos. E há biografias com propósitos
mais amplos, livros de história em que a narrativa sobre o indivíduo revela e
se confunde com um vasto panorama das condições históricas da época.
Fora
de dúvida que a biografia de D. Pedro I de Otávio Tarquínio de Souza é antes de
tudo um livro de História do Brasil que desce às minúcias ao contexto histórico
(e especialmente político-administrativo) que envolve o período desde o nascimento de D.
Pedro em 1789 até o ano de 1821, numa conjuntura marcantemente revolucionária em
face do processo político que culminaria com a emancipação política do Brasil
em 1822. Para sermos mais exatos, os acontecimentos políticos decisivos
vivenciados por D. Pedro neste 1º Tomo envolvem: a fuga em retirada da Família
Real de Portugal ante as tropas napoleônicas, quando o biografado chega ao
Brasil aos 9 anos de idade; as medidas
administrativas que dariam o início do processo de emancipação com a abertura
dos portos e o fim do exclusivismo comercial que informa as relações entre
metrópole e colônia; a elevação do Brasil à condição de Reino Unido à Portugal
e Algaveres; criação do Banco do Brasil, reformas nos portos, vinda da missão
artística francesa, permissão para criação de fábricas no Brasil, entre outros.
Na sequência o evento decisivo e eventualmente
negligenciado pela sua repercussão histórica no Brasil foi a Revolução na
cidade do Porto e o estabelecimento das Cortes Constitucionais. Por um lado
disseminam na América a ideia do constitucionalismo e exige em Portugal o fim
da monarquia absolutista e sua conversão em monarquia constitucional –
posteriormente decretos da corte de Lisboa provocariam revolta e resistência
dos brasileiros, como: declaração hostil proibindo a importação de munições
militares e navais ao Brasil; a proposta de restituir Montevidéu à Buenos
Aires; e especialmente a competência de
Lisboa para a partir de então cuidar de todos os negócios gerais da monarquia
no Brasil, despachos dos empregos civis e militares, vencimentos, etc.
Aqui é importante fazer uma pausa. Uma das propostas
e qualidades mesmo desta obra é a de esmiuçar traços psicológicos e de
personalidade dos grandes sujeitos históricos e propor relações entre o
temperamento, a personalidade, e cada escolha política tomada com as suas consequências.
O que é notório é que D. João VI foi um homem muito diferente de D. Pedro I, em
que pese a relação afetuosa entre os dois[1].
D. João VI era pusilânime, indeciso, dependente de seus conselheiros pessoais
para tomar decisões. Esta hesitação e tendência ao procurar sair-se das crises
com uma prudência que resvala na covardia explica a demora na tomada de posição
diante da Guerra Napoleônica ao ponto de se retardar a fuga para o Brasil com
as tropas napoleônicas já em terras portuguesas. Vejamos como o historiador
descreve a triste e patética figura de D. João VI:
“O Bragança, filho de sobrinha com tio, era
desajeitado, grosso, balofo, barrigudo, molerão, sem hábitos de asseio para não
dizer sujo, descuidado no vestuário, e medroso, acanhado, perplexo, sonso,
apurando em manha o que lhe minguava em autoridade, disfarçando em paciência a
cogênita irresolução.”
D. Pedro I desde menino em terras brasileiras passava
o maior tempo do dia na porção central da cidade e no palácio de São Cristóvão[2].
Na juventude teve muitas mulheres
conquanto casado com D. Leopoldina, e consta que teve filhos fora do casamento
a quem cuidava nas medidas de seus esforços.
Era um rapaz valente, com temperamento
autoritário, mas ao mesmo tempo capaz de se adequar às tendências políticas do
seu tempo, reivindicando o constitucionalismo, e já em 1820-1, assessorado pelo
José Bonifácio, se colocando como agente central no processo da emancipação
política.
Diante dos acontecimentos decisivos que informam o
processo revolucionário de independência do Brasil, D. Pedro diligenciou
pessoalmente até aa província de Minas Gerais (com propósitos separatistas) e
granjeou a legitimidade para garantir a unidade territorial do futuro Império. D.
João VI se curvou à autoridade das Cortes de Lisboa antes mesmo destas estarem
prontas. D. Pedro coloca-se ao lado do constitucionalismo num primeiro momento
advogando a unidade entre Portugal e Brasil e posteriormente já em 1821 se
referindo a si mesmo como “brasileiro” nas missivas e apoiando a ideia de total
rejeição das cortes de Lisboa e a criação de uma constituinte brasileira.
A reflexão que pode surgir aqui é o do papel do
indivíduo na história. De que forma os traços de personalidade daqueles que
estão à frente dos acontecimentos resultam em determinada variante histórica.
Marx no 18 de Brumário[3]
inicia seu livro de história política da seguinte forma:
“Os homens
fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob
circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam
diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”.
Certamente,
um rei absolutista e um regente numa monarquia e posteriormente no Império
detém enorme influência a partir de suas decisões pessoais. Mas o fundo dos
acontecimentos, as tendências mais gerais da história dão-se prioritariamente a
partir das forças sócio econômicas e das classes sociais em luta. Talvez seja
sintomático que num tomo de 355 sobre parte da vida de D. Pedro pouco se fale
da escravidão e do mundo do trabalho que sustenta a opulência e poder
desfrutados pela família real, por toda corte de ministros e deputados, bem
como a classe senhorial rural – esta sim a classe dirigente que impulsionava os
acontecimentos desde os rincões do Brasil e que admitia àquele momento a
solução da emancipação política e da monarquia constitucional convivendo por
décadas com a escravidão.
[2] D.
João VI e Carlota Joaquina não viveram juntos e ao longo do casamento (feito
conforte estritos interesses de estado) foram se tornando mais avessos até
inimigos.
[3] “Desde
o ponto de vista do materialismo histórico-dialético, a história é determinada
pelo desenvolvimento da luta de classes, pelo nível de desenvolvimento das
forças produtivas e pelo modo de produção correspondente. Se o processo histórico desenvolve-se por
meio do conflito de classes, as condições gerais da economia e das relações de
produção, quando estas entram em contradição com o grau de desenvolvimento das
forças produtivas, geram rupturas políticas e institucionais. Abre-se um
período de mudanças históricas e nestes marcos projetam-se indivíduos que,
forjados em seu tempo, são capazes de exercer liderança e alterar o rumo da
história, ao menos a curto e médio prazo. Entretanto, afirma Plekhanov, é pouco
provável que a morte prematura de Napoleão teria implicado em rumos tão
diferentes na história da França e da Europa do séc. XIX: muitos outros
oficiais do exército francês (o mais poderoso da Europa de então) poderia estar
a frente dos eventos e à altura dos desafios históricos. O que resta assinalar
é que Marx coloca que as grandes questões, os grandes problemas apenas surgem
na sociedade quando há a possibilidade de resolvê-los. O que se constata é que
o homem faz a história, mas a faz nas condições históricas colocadas,
independente da sua vontade. Ademais, a projeção de indivíduos que ganham destaque
na história diz respeito às personalidades e inteligências capazes não só de
situar o desenvolvimento e o curso/sentido da história, como acertar nas
projeções de futuro. A história exige da ação humana consciente uma força para
a sua transformação: relações de produção não caem de podre, apenas desmoronam
tanto por leis objetivas da história quanto por movimentos subjetivos,
associados à intervenção do homem e, mais importante, das classes sociais na
história”. http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2013/05/o-papel-do-individuo-na-historia-g-v.html
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