“V. I. Lênin – Textos Selecionados” – V. I.
Lênin
Resenha – “V. I. Lênin – Textos Selecionados”
– Edições Avante - Obras Escolhidas/ Editorial Vitória
“Não basta ser revolucionário e partidário do socialismo ou comunista em
geral. É necessário saber encontrar em cada momento particular o elo particular
da cadeia a que temos de nos agarrar com todas as forças para reter toda a
cadeia e preparar solidamente a passagem para o elo seguinte; a ordem dos elos,
a sua forma, o seu encadeamento, a diferença entre uns e outros na cadeia
histórica dos acontecimentos não são tão simples nem tão rudimentares como uma
cadeia vulgar feita pelo ferreiro”.
A passagem supracitada refere-se à obra “As Tarefas Imediatas do Poder Soviético” (1918), fruto de manuscrito em forma de teses de autoria de Lênin. O documento foi dirigido à reunião do CC do Partido Comunista Russo em 26 de Abril de 1918. Tal artigo ilustra aspectos de continuidade que informam as obras, artigos e polêmicas suscitados pelo dirigente da Revolução Russa. Desde o período de militância clandestina dos “discípulos” do marxismo russo ainda no séc. XIX, passando pelas polêmicas no movimento operário internacional decorrentes da I Grande Guerra Mundial, até o movimento revolucionário de 1917: flexibilidade tática e intransigência quanto aos princípios e ao horizonte estratégico.
De modo que percorrer as manifestações
públicas de Lênin implica ir se situando acerca do próprio desenvolvimento da
fração mais decidida e fiel à ortodoxia marxista na Rússia desde os anos de
luta contra os populistas (“A Que Herança Renunciamos?” 1898), passando pelas agitações
e greves associadas ao ensaio da revolução em 1905, os anos de reação
culminando com as etapas democráticas e socialistas da Revolução Russa (respectivamente
fevereiro e outubro). Chega-se em fim às novas tarefas suscitadas pelo triunfo
da Revolução, a exigência de sua consolidação. O mesmo realismo com que Lênin
em 1889 explicita o caráter pequeno burguês e reacionário dos populistas em sua
luta inglória contra a marcha inevitável do desenvolvimento capitalista na
Rússia; até a mesma firmeza de princípios associada à flexibilidade tática com
que demonstra as exigências imediatas do novo poder operário, incluindo mesmo
alguns recuos táticos como o pagamento de salários superiores aos especialistas
e cientistas que devem colocar seu conhecimento técnico à serviço revolução,
até a instituição de uma disciplina de estilo militar nas frentes de trabalho,
sendo certo que para Lênin tal disciplina nas fábricas envolve por um lado a
luta contra sabotadores mais ou menos associados à burguesia alijada do poder e
por outro lado a exigência do aumento da produtividade do trabalho. O
socialismo, afirma Lênin, deve se servir da infra estrutura e em particular dos
trustes e monopólios herdados pelo capitalismo e submetê-los ao controle
operário-popular de modo a ampliar a produção em face da etapa anterior.
Chega aqui a ser risível a ignorância
de certos elementos de direita que vulgarizam o termo “socialismo de i-phone”
como se o socialismo, na sua luta contra o capital e a sociedade de
mercadorias, fosse uma apologia à pobreza e ao desenvolvimento. Como se sabe,
Lênin, sempre dentro de uma orientação científica do marxismo, propugnou a
instalação do Sistema Taylor das indústrias soviéticas, o que havia de mais
avançado então no que tange às formas de organização do trabalho/produção –
falava-se em princípios “científicos” de organização.
O texto de 1922 (“As Tarefas Imediatas
da Revolução”) é particularmente instrutivo para oferecer o que há de
continuidade em Lênin, por exemplo em face do “Estado e Revolução” de 1917, um
livro de aspecto mais teórico que polemiza com as concepções reformistas e anarquizantes
do estado. No “Estado e Revolução” o eixo da intervenção de Lênin é o que fazer
– os comunistas (marxistas) lutam pela tomada violenta do poder do estado
contra os capitalistas mas não se furtam a utilizar a mesma máquina de estado
(entendida em termos marxistas como instrumento de dominação de uma classe pela
outra) para esmagar a reação burguesa e imperialista. Não se trata de abolição
pura e simples do estado, mas da sua extinção e do seu definhamento conforme a
consolidação da ditadura do proletariado e o esmagamento definitivo do capital.
Já no texto de 1922 trata-se do “como fazer”, das questões práticas que surgiam para uma experiência inédita na história: os operários e camponeses colocados na posição de administrar a Rússia.
Realismo, ortodoxia-marxista, forte
vínculo entre os problemas teóricos e os problemas práticos da revolução russa.
Esta mesma solução de continuidade será observada com os bolcheviques já no
poder quando se instaura pela primeira vez na história o problema não só da
tomada do poder, mas consequentemente, do problema da administração socialista.
A propósito, muitos trotskystas por
desengano ou má fé buscam insistentemente encontrar uma solução de continuidade
entre Lênin e o liquidacionista menchevique. A este propósito os textos e a
própria história revelam que os bolcheviques, com Lênin à frente, sabendo que a
política e a guerra são interfaces da mesma moeda, sabem que um exército deve
saber avançar e deve saber recuar organizadamente – e a teoria da revolução
permanente em Trotsky esteve longe da posição efetiva de Lênin de fortalecer o
estado soviético, incluindo passos atrás como uma paz em separado em adversas
condições com a Alemanha (Tratado
de Brest-Litovski - 1918).
Polemizando com os socialistas da
Alemanha que denunciavam que uma paz em separado da Rússia Soviética, fortaleceria
o imperialismo e comprometeria a revolução no ocidente, Lênin diz:
“Por outras palavras: o princípio que
deve agora estar na base da nossa tática não é o de qual dos dois imperialismos
é mais vantajoso ajudar agora, mas o princípio de como melhor e mais seguramente
assegurar à Revolução Socialista a possibilidade de se reforçar, ou pelo menos,
de se manter num país até que outros países se lhe juntem”. (20 de Janeiro de
1918)
Em termos práticos, a continuação da
Rússia na Guerra, contra a opinião da maioria da população que já apoiava os
bolcheviques, implicaria no contexto da mais provável derrubada dos comunistas
do poder, além da completa impossibilidade dos bolcheviques defenderem a costa
de Riga a Ravel, o que dá ao inimigo imperialista uma oportunidade certíssima
de tomar Petrogrado.
A paz com a Alemanha não se tratou de
uma capitulação de princípio – como se pronunciou Trótsky amparado em suas
ideias “internacionalistas” agravando, como representante soviético, a situação
das negociações ao rompê-las sem endosso de Lênin[1]. Os operários e camponeses
no poder precisavam de tempo para consolidar o socialismo na Rússia, restaurar
a economia e sociedade diante do caos criado pela Guerra Mundial e pela Guerra
Civil, além de organizar o exército vermelho.
É recomendável a leitura de alguns artigos de Lênin não muito citados, que por outro lado têm uma incrível atualidade. O problema da “Questão Operária e a Questão Nacional” (1913) trata do complexo tema do patriotismo que pode tanto servir à orientações chauvinistas-reacionárias (e aqui desnecessário recordar o apoio dos partidos da II Internacional à Guerra Imperialista e suas respectivas burguesias) quanto a propósitos revolucionários.
No passado a burguesia lutava pela liberdade junto com as classes exploradas, que cumpriam um papel negativo de destruição do mediavalismo, do feudalismo, enquanto a minoria burguesa ocupa papel positivo exercendo o poder político. A partir de 1848 a burguesia torna-se reacionária e receia mais a guerra civil revolucionária de classes do que as guerras inter-imperialistas através das quais conquistam a interdição dos movimentos de esquerda, a censura e a construção de uma ideologia de paz entre as classes.
A partir deste momento a luta pela questão nacional envolve a defesa das nações oprimidas e subjulgadas pelo imperialismo. A efetiva liberdade das nações só se dará com a consolidação da democracia operária em nível mundial:
“Para que diferentes nações livres e pacificamente vivam em conjunto ou se separem (quando isto lhes for mais conveniente), constituindo Estados diferentes, para isso é necessária a completa democracia defendida pela classe operária. Nenhum privilégio para nenhuma nação, nenhuma língua! Nem a mínima perseguição, nem a mínima injustiça para com a minoria nacional! – tais são os princípios da democracia operária”. (1913)
Artigos que recomendamos a leitura por
sua atualidade: “Sobre a Atitude do Partido Operário em relação à Religião” –
onde é cientificamente colocado os termos do debate sobre a religião no
marxismo, o que não envolve uma luta abstrata contra deus e pelo ateísmo, mas
por outro lado não considera em absoluto a religião como um assunto privado,
mas assunto privado em face apenas do estado. “A Classe Operária e a Questão
Nacional” (1913) e “Sobre as Tarefas do Proletariado na Presente Revolução”
(1917) – redigido provavelmente nos trens com que clandestinamente Lênin
regressou do exílio para dirigir a revolução de outubro – são também materiais
obrigatórios para a formação de todo marxista-leninista.
Lênin acertou muito nos seus prognósticos mas também errou. Talvez o mais importante erro foi sua expectativa frustrada de que uma revolução no ocidente e particularmente na Alemanha tirasse o novo estado soviético da defensiva. A revolução na Alemanha foi derrotada. Uma nova condição política se coloca e Joseph Stálin seguindo as diretrizes de Lênin que informam a concepção do socialismo num só país dá uma solução de continuidade ao leninsmo.
“Uma situação extraordinariamente dura, difícil e perigosa no aspecto
internacional; necessidade de manobrar e de recuar; um período de espera de
novas explosões da revolução, que amadurece com penosa lentidão no Ocidente;
dentro do país um período de construção lenta e de «apertar» implacavelmente,
de luta prolongada e tenaz da severa disciplina proletária contra os elementos
ameaçadores do desleixo e da anarquia pequeno-burguesa — tais são, em poucas
palavras, os traços distintivos da fase particular da revolução socialista que
atravessamos. Tal é o elo da cadeia histórica dos acontecimentos a que temos de
nos agarrar agora com todas as forças para nos mostrarmos à altura da tarefa
até ao momento de passarmos ao elo seguinte, que nos atrai pelo seu particular
brilho, pelo brilho das vitórias da revolução proletária internacional”. Lênin
- 1918
[1]
Posteriormente, os soviéticos foram obrigados a propor uma nova paz aos alemães
desta vez em condições muito piores.
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