“O Seminarista” – Bernardo Guimarães
Resenha Livro 228 - “O Seminarista” – Bernardo Guimarães – Ed.
Ática – Série Bom Livro
O
escritor Bernardo Joaquim da Silva Guimarães nasceu em 1825 na cidade de Ouro
Preto – MG. Em 1847 matricula-se na Faculdade de Direito do Largo de São
Francisco em São Paulo. Na Academia de Direito torna-se amigo do poeta romântico
Álvares de Azevedo e com ele participa de uma “Sociedade Epicureia” que
pretendia instalar em terras paulistanas uma associação boêmia ao estilo
byorinista tal qual o poeta autor de “Lira dos Vinte Anos” bem retrata em “Noite
na Taverna”.
Posteriormente, Bernardo Guimarães irá dedicar-se à magistratura na cidade de Catalão em Goiás e ao trabalho literário.
Seu romance mais conhecido pelo
público é provavelmente “A Escrava Isaura”. Escrito em 1875, em pleno contexto
de campanha abolicionista pelo Brasil, tal história foi na época um sucesso de
público e mais recentemente objeto de telenovela. Ponderamos que a
protagonista, a escrava Isaura, era uma bela e educada moça branca, um fato
insólito e raríssimo e que certamente remete ao estilo romântico da obra: seu
público leitor é em grande parte composto por mulheres das camadas da alta
sociedade que, por outro lado, poderiam se compadecer com a sorte da
protagonista e problematizar nestes termos a escravidão vigente.
“O Seminarista” (1872) igualmente
se situa no âmbito do romantismo. Tal corrente literária se diferencia em três
grandes fases, sendo necessário perquirir em qual delas se situa a história de
amor envolvendo o seminarista Eugênio e a bela Margarida. Não se situa tal obra
dentre os romances e peças literárias da 1ª fase do romantismo, marcada pelo
indianismo, pelo nacionalismo, que não se dá por uma autonomia formal e
criativa (uma conquista do modernismo de 1922), mas pela temática quanto às belezas
naturais e as riquezas geográficas do Brasil; e especificamente, o papel do
índio, que se situa dentro de uma concepção de Bom Selvagem, o que se observa
por exemplo em “Iracema” de José de Alencar.
O que podemos apontar com alguma
segurança é que “O Seminarista” possui elementos tanto da 2ª fase quanto da 3ª
fase do romantismo. Desde a segunda fase do romantismo, há de se observar um
certo bucolismo presente na descrição paisagística da fazenda do Sr. Antunes,
pai do seminarista Eugênio: quando o filho retorna da clausura do seminário em
direção à casa dos genitores, há uma profusão de sentimentos conflituosos,
culpa e desejo, sempre sendo bastante perceptível a maior liberdade e beleza
propiciada pela vida no campo. O final trágico relacionado a uma história de
amor impossível também remete ao byronismo: a morte de uma personagem e a
loucura de seu par. A existência dos versos de Eugênio para Margarida, a
descrição rica de paisagens e a própria forma estilística também são elementos
que denotam o estilo romântico em sua fase aqui analisada:
“Eugênio estorcia-se em febril
agitação, e quase delirava. A paixão, que julgava já não ser mais que uma
triste recordação, uma dolorosa desilusão do passado, não se tinha extinguido
debaixo das vestes sagradas do sacerdote. Era essa paixão como o arbusto, que a
geada despojou das folhas, e mirrou-lhe os galhos, e parece estar morto para
sempre, entanto, que o tronco e a raiz, cheios de seiva e vitalidade estão
prontos a germinar como novo viço e galhardia ao primeiro bafejo da primavera.
Ou antes era como a fogueira,
cujas chamas uma chuva glacial havia apagado, ficando intactos todos os
materiais, que já secos e quase calcinados, esperam apenas o contato de uma
centelha para de novo se inflamarem com fúria irresistível”.
Ademais, é possível constatar
elementos da 3ª Geração do Romantismo em “O Seminarista”. Tal fase diz respeito
a um momento de transição entre o romantismo e o realismo literário – maior ênfase
para histórias com contextos urbanos com algumas considerações sociais que
seriam desdobrados no realismo em crítica de costumes. Castro Alves é
provavelmente o principal expoente da chamada geração Condoreira e os temas
candentes deste momento da literatura nacional é o abolicionismo, o realismo
literário e a negação do amor platônico.
As temáticas que perpassam “O
Seminarista” são o problema da educação enclausurada nos seminários, a crítica
ao celibato, o problema da ausência da vocação religiosa de meninos que tencionam
ordenar-se em função da pressão de terceiros. O autor não é indiferente às
questões do seu tempo e aqui a obra remete de certa maneira à crítica:
“A educação claustral é triste em
si e em suas consequências: o regime monacal, que se observa nos seminários, é
mais próprio para formar ursos do que homens sociais. Dir-se-ia que o devotismo
austero, a que vivem sujeitos os educandos, abafa e comprime com suas asas
lôbregas e geladas naquelas almas tenras todas as manifestações espontâneas do
espírito, todos os vôos da imaginação, todas as expansões afetuosas do coração.
O rapaz que sai de um seminário
depois de ter estado ali alguns anos, faz na sociedade a figura de um idiota.
Desazado, tolhido e desconfiado, por mais inteligente e instruído que seja, não
sabe dizer duas palavras com acerto e discrição, e muito menos com graça e
afabilidade. E se acaso o moço é tímido e acanhado por natureza, acontece
muitas vezes ficar perdido para sempre”.
O enredo de “O Seminarismo” é
relativamente simples. Eugênio é filho do Capitão Antunes, um rico proprietário
de terras da vila de Tamanduá em Minas Gerais. Desde tenra idade, o menino
mostra e por vida adulta mostrará ser pessoa sensível, incapaz de confrontar e
contrariar ora seus pais ora seus professores no seminário, sempre resignado e
plasmando em suas cogitações a culpa e a fé em razão de sua fraqueza e covardia.
Todavia, Eugênio teve uma infância bastante feliz em companhia de Margarida,
filha de Umbelina, uma pobre senhora que vivia como agregada nas terras do capitão Antunes. Eugênio passava
a maior parte do dia na casa da pobre Umbelina, o que, a partir de uma certa
idade, começou a criar apreensões aos seus pais. Foi assim, aos 12 anos,
enviado ao Seminário, fato que desde logo causou-lhe profundo sofrimento.
Um fato importante ocorrido ainda
na infância de Eugênio e Margarida e que perpassa a obra: a certa feita em que
as duas crianças ainda muito novas brincavam, uma enorme cobra avança e se
enrola pelo corpo de Margarida. A pequena menina não entende o enorme risco da
situação, apenas ri do fato. Quando Sra. Umbelina e Sra. Antunes abasbacadas
contemplam a cena, não sabem como reagir: qualquer movimento poderia culminar
numa picada fatal da cobra. Todavia, o réptil simplesmente abandona o corpo da
criança sem fazer qualquer mal. Tal episódio seria interpretado pela mãe de
Eugênio e pelos padres do seminário como um sinal de que a pequena Margarida,
tal qual a cobra no Éden, significa um desvio diabólico de Eugênio de seu
divino caminho em direção à ordenação. Mesmo o Padre Jerônimo fez menção em
palestra aos seminaristas:
“Para dar maior realce ao painel,
traçou com a mão de mestre uma viva pintura de sedução de Eva tentada pela
serpente no paraíso.
- A concupiscência – dizia ele –
é a serpente, que destila dos lábios enganosos o veneno que nos dá a morte à
alma e nos faz perder para sempre as delícias da celeste Jerusalém. Feliz
aquele que, como a virgem mártir cujas virtudes hoje a igreja comemora, pode
esmagar aos pés a cabeça da serpente maldita, e exclamar triunfante, enquanto
ela se estorce moribunda no chão – ‘Afasta-te Satanás”
Como escritor romântico e ainda
redator folhetinesco, podemos deduzir que o amor entre Eugênio e Margarida prevalecerá
sobre o ascetismo religioso, culminando num final trágico. A leitura do romance
importa-nos como fonte de informações sobre costumes da época, desde os hábitos
escolares dos seminaristas, a rigorosa supervisão de condutas a que estavam
submetidos os jovens pelos padres, o rígido pátrio poder sobre os filhos. E em
especial os possíveis desdobramentos
envolvendo uma alma dividida entre as exigências do celibato, bem como toda a
apropriação das normas da fé, e o amor e desejo pela mulher.
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