“Cultura e Identidade Operária” – José Sérgio Leite Lopes (Org).
Resenha Livro – 188- “Cultura e Identidade Operária: Aspectos da Cultura da Classe Trabalhadora” – José Sérgio Leite Lopes (Org.) - Editora UFRJ
Depois de trinta anos de ofensiva neoliberal, observa-se como as transformações decorrentes da reestruturação produtiva ou, como qualifica David Harvey, do novo padrão de “acumulação flexível” impactou seriamente o mundo da cultura e especificamente o universo do trabalho. O que se observa é um esforço de se mitigar a centralidade do trabalho como fonte indivisível e central da produção da vida e da dotação de sentido à existência, em que pese as profundas mudanças em sua engenharia, introduzidas pelos padrões toyotistas, por fórmulas que ideologicamente buscam equiparar o trabalhador a “parceiros” ou “colaboradores” dos empregadores, supondo ultrapassados conceitos como exploração ou luta de classes.
Como não poderia deixar de ser, este esforço ideológico de disseminar a ideia do fim do trabalho bem como de mitigar a centralidade do trabalhador na história estão presente inclusive dentro de setores ditos de esquerda que se identificam com novos sujeitos emergentes de movimentos sociais que tomariam a dianteira dos rumos da luta por uma alternativa societária.
Tem-se portanto uma tarefa importante aqui e que vai além de uma disputa acadêmica. As repercussões políticas são evidentes e para aqueles que reivindicam uma tradição que luta por uma ruptura anticapitalista dirigida pelos trabalhadores, exsurge a necessidade de se conhecer profundamente a consciência operária, sua identidade, sua conformação histórica, suas especificidades nacionais: analisar minuciosamente seus traços fundamentais bem como levar este conhecimento às suas bases, por meio de sindicatos, cursinhos populares, atividades de formação e principalmente através de lutas sociais.
A maior parte do material disponível sobre o proletariado brasileiro diz respeito à sociologia do trabalho: trata-se de pesquisas de campo envolvendo propriamente o cotidiano do labor, seja no chão de fábrica, no latifúndios modernos em que o agronegócio convive com o trabalho semiescravo com o cortador de cana, no cotidiano maçante do telemarketing.
Tivemos acesso a um livro que trata do universo dos trabalhadores de uma forma diferente. Trata-se de alguns artigos apresentados no encontro “Questões sobre a Cultura Operária” realizado pela Associação Brasileira de Antropologia. O Evento foi realizado no Museu Nacional na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1982 e sub-divide-se em duas partes.
A Primeira parte denomina-se “Questões sobre a Cultura Operária” e trata desde questões mais específicas e regionais como a proletarização do campesinato numa região do Vale do Itajaí até um artigo de caráter mais histórico revelando as particularidades da entrada em cena do Estado e suas leis trabalhistas entre os anos 1930 a 1940.
A Segunda parte dos artigos reunidos denomina-se “Aspectos sobre a família, identidade social e formas de dominação” referentes a grupos de trabalhadores urbanos. O que se tem aqui é várias interfaces entre a vivência da classe trabalhadora e suas múltiplas identidades, como pais ou chefes de família (“Família e operários de origem camponesa”); pescadores/trabalhadores afirmando sua masculinidade perante o grupo social (que coincide com o grupo de trabalho) desde o artigo
“Identidade social e padrões de agressividade verbal em um grupo de trabalhadores urbanos”.
De uma maneira geral, as pesquisas revelam uma heterogeneidade cultural e de identidade dos trabalhadores, o que deve colocar os marxistas-leninistas em alerta. Saber dialogar com tais subjetividades envolve conhecer tais variações, sem contudo perder um norte comum, uma orientação estratégica.
Ademais, através da história, observa-se algumas particularidades de nosso proletariado. Maria Rosilene Barbosa Alvim cita Juarez Brandão para revelar esta particularidade:
“Na introdução à Crise do Brasil Arcaico, Juarez Brandão Lopez diz que “em países como o Brasil, com um processo de industrialização incipiente, não chegou a alterar-se a organização social tradicional (...) as relações tradicionais de trabalho subsistem , no Brasil como em outros países subdesenvolvidos mesmo em áreas industrializadas”. Como existe “.... empresas situadas em áreas onde a organização tradicional ainda prevalece, pode-se observar práticas administrativas, referentes ao pessoal, quase não tocadas pelas concepções modernas importadas dos países adiantadas.
O autor centra sua análise nas relações de trabalho industriais internas às fábricas têxteis de Sobrado e Mundo Novo, duas comunidades que crê impregnadas por uma organização social tradicional. O livro encaminha também a interpretação da continuidade do tradicionalismo das relações industriais com o tradicionalismo das relações sociais em geral de ambas as comunidades. Segundo o autor, nas duas cidades, a maioria da população, sendo operária e de origem rural, traz dentro de si a submissão própria às relações de cunho pessoal; portanto tradicional e patrimonialista”.
Como se sabe, tal tese encontraria forte divergência, eventualmente por redundar na ideia de que o proletariado brasileiro estaria condenado a ser passivo, condescendente com os desmandos dos industriais, etc. Provavelmente, Caio Prado Jr. estaria em desacordo com tal formulação. E a história do séc. XX no Brasil, a partir das greves de 1917, a fundação do PCB em 1922 e diversas lutas, em que pese a proibição e repressão estatal imposta põem óbice a tal conclusão acerca do “aburguesamento” do proletariado brasileiro. Por outro lado, é inegável que além do trabalhador do campo transferido à cidade, houve mesmo experiência de criação de vilas operárias no interior do país, com trabalhadores que se dedicavam tanto ao trabalho na fábrica quanto ao cultivo das terras.
Os empregadores se serviam largamente do trabalho feminino e infantil (a partir dos 10 anos) e buscavam contratar toda uma família, alojada na vila operária. Os salários pagos no interior eram muito mais baixos e a aprovação da lei do salário contou com apoio dos industriais das capitais e resistência dos fabricantes do interior.
De qualquer forma, o que nos importa aqui é ilustrar a importância de suscitar outros elementos eventualmente mais ocultos da classe operária que vive do trabalho: sua identidade perante os demais companheiros de trabalho, sua literatura, suas relações familiares, sua sexualidade. Se este conhecimento não substitui a vivência junto aos trabalhadores, ele é um caminho para uma melhor compreensão da classe, a classe na qual apostamos o futuro da história e, particularmente, num momento em que sua existência sobrevive combalida frente ao neoliberalismo que procura anulá-la.
AUTORES DOS ARTIGOS
LUIZ FERNANDO DIAS DUARTE
MARIA CÉLIA PAOLI
GIRALDA SEYFERTH
MARIA ROSILENE BARBOSA ALVIM
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