terça-feira, 8 de setembro de 2015

“As Ruas e A Democracia: Ensaios sobre o Brasil Contemporâneo” – Marco Aurélio Nogueira





Resenha Livro - 189-  “As Ruas e A Democracia: Ensaios sobre o Brasil Contemporâneo” – Marco Aurélio Nogueira – Ed. Contraponto / Fundação Astrojildo Pereira 



Marco Aurélio Nogueira é cientista social, professor e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da UNESP-SP. O professor é articulista do jornal “O Estado de São Paulo” e compõe o Conselho Editorial da Fundação Astrojildo Pereira, que também tem dentre seus quadros intelectuais como Celso Frederico, Cesar Benjamin, Luiz Eduardo Soares, Luiz Gonzaga Beluzzo e Paulo Bonavides. Estas breves considerações iniciais servem para situar o leitor quanto aos pressupostos teórico-metodológicos e à orientação política de Marco Aurélio nesta obra, que na verdade é uma compilação de artigos que tem como fio condutor as manifestações de Junho 2013 e seus desdobramentos .
Certamente o autor não segue uma linha marxista-leninista ortodoxa. Quando se escreve sobre política e procura-se extrair diagnósticos bem como prover prognósticos ou soluções, dificilmente não se abre ao leitor qual são os rumos societários desejados e qual é a política adequada e desejada (pelo ponto de vista do autor). 

Nestes marcos, o autor se situa nos quadros de um reformismo de esquerda, buscando novos papeis do estado e da política que acompanhem uma nova dinâmica veloz em andamento e transformação que é a da sociedade civil. Trata-se de um democrata que busca reformar a democracia sem ilusões acerca de reformas políticas pontuais (voto distrital ou não, financiamento público ou não), mas buscando mesmo ressignificar  o papel de representar politicamente e combiná-lo com a nova tendência participativa, horizontal e não profissional da política. 

Em mais de um momento, Marco Aurélio afirma que o Brasil (e o Mundo) vive um momento de crise de identidade e uma crise política. Nossa crise política tem como origem a cisão entre uma sociedade que anda a passos largos em contraponto ao Estado que ficou para trás:

“Um último círculo precisa ser lembrado. Ele tem a ver com algo que se espalha pelo mundo como um furacão. É que a Política se dissociou da sociedade. Não diaologa mais com ela como opinião pública, como sociedade civil ou como estrutura social. O sistema político se isolou, vive encastelado concentrado em seus próprios interesses. Não se reforma e não se deixa reformar. Permanece como que acorrentado a um tempo pretérito, ao passo que a sociedade avança pelas ondas líquidas e digitais da vida hipermoderna”.

Uma reforma política diferenciada das propugnadas seria a solução. Ainda quanto à reforma política, diz o autor: 

“Uma reforma política digna do nome não pode privilegiar a moralização. Seu eixo é o revigoramento das instituições, a busca de coerência dos partidos, a lisura dos pleitos, a expressão facilitada e equilibrada das preferências da população, a inclusão de novos eleitores. Sua razão de ser é a revitalização das relações entre as pessoas e a sociedade civil e o Estado. É Recuperação do valor da política.

Porque para se ter política mais “limpa” e de melhor qualidade, é preciso que se tenha mais política. A reforma de que se necessita é um caminho para que a sociedade se articule melhor com o sistema político, projete nele seu modo de viver, pensar e fazer política”.

É muito comum ao fazermos uma análise de conjuntura – e é disso que se trata a compilação de textos em “As Ruas e A Democracia” – projetarmos nos mínimos detalhes a orientação política, o que de resto é bastante natural, frente à inviabilidade da neutralidade em qualquer base textual, ainda mais em termos de política. No que diz respeito à orientação reformista ou social democrática do autor, acaba perdendo espaço os principais lances de luta classes que atravessaram os manifestações de Junho de 2013 em troca de discussões eventualmente infrutíferas em torno dos aparelhos ideológicos do estado, reformas institucionais, modelos de governabilidade, etc. 

Por exemplo, nos artigos fala-se muito pouco sobre a mobilização da juventude e dos estudantes especificamente sobre o aumento das tarifas, elemento detonador das manifestações que de São Paulo, repercutiram nacionalmente e colocaram na defensiva a classe política de todo o país. O autor trata as manifestações como um movimento indistinto e uniforme desde as primeiras passeadas do passe livre em São Paulo, até as primeiras manifestações de massa essencialmente progressivas, até o “giro à direita” com a carnavalização do movimento numa ação orquestrada pelos oligopólios midiáticos que procurou transformas a “revolta” num “ato cívico”, estigmatizando “vândalos”  dos bons manifestantes.  

Os textos não fazem menção à greve geral convocada pelas centrais sindicas, ainda que a mesma não tido o peso que merecia. 

Por outro lado, as reflexões do autor sobre o novo ativismo dão pistas para se compreender como agem e quais são os limites de uma nova geração de militância, sendo de extrema importância sua leitura também para nós marxistas:

“Novas modalidades de engajamento antes de tudo jovens, mas não se resumem a eles pois tendem a crescer como uma espécie de paradigma da ação política. Sua característica essencial é o questionamento do ativismo tradicional sustentado por organizações hierárquicas, classes sociais e causas gerais. O novo ativista luta por direitos e reconhecimento, não por poder. São sacrifica  a vida pessoal em nome de uma causa coletiva ou da glória de uma organização. Não se referencia por líderes ou ideologias. Age festivamente e se rotinas fixas, valendo-se muitas vezes da sátira e do deboche. É multifocal, abraça várias causas ao mesmo tempo. Sua mobilização é intermitente. Muitos atuam de modo pragmático, profissionalizam-se como voluntários, buscam resultados mais do que confrontação sistêmica. Seu ambiente são as redes sociais, sua maior ferramenta a conectividades”.

Como resposta às manifestações de Junho, a presidenta Dilma R. elaborou 5 Pactos como resposta às exigências das ruas. Como se sabe, os protestos tiveram suas bandeiras diluídas e diversas pautas, mas de forma geral revelaram descontentamento com os governantes que aí estão, contra a corrupção, melhoria nos serviços públicos ou contra as obras da Copa das Confederações do Mundo. Dos mais importantes destes pactos, um plebiscito para uma assembleia constituinte para reforma política foi logo rejeitado pela classe política e OAB, sendo abandonada qualquer perspectiva de uma reforma política que, como dizem os petistas, “radicalize” a democracia no Brasil. Os demais Pactos propostos foram mais investimentos em saúde, educação, transporte público e responsabilidade fiscal. 

E, ainda,  2015 assistiríamos ao aumento da passagem em São Paulo para 2,50. 

“As Ruas e a Democracia” de Marco Aurélio Nogueira oferece-nos uma visão panorâmica dos eventos de Junho de 2013 complementados com artigos e reflexões sobre economia e sociedade do Brasil do período de transição entre o final do governo Lula e início do governo Dilma. É uma fonte rica em informações, dados e mesmo reflexões que ajudam a delimitar um painel do período. Todavia, para uma investigação mais totalizante de todos este objeto de estudo torna-se necessário situar a discussão desde a perspectiva da classe que vive do trabalho, o que envolveria dar um maior protagonismo aos trabalhadores e ao mundo do trabalho nas suas análises.   

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