“A Política dos Juristas” – Carlos Miguel Herrera
Resenha Livro – 190- “A Política dos Juristas: Direito, liberalismo e socialismo em Weimar” – Carlos Miguel Herrera – Ed. Alameda
Carlos M. Herrera é jurista e filósofo, argentino e professor da Université de Cergy-Pontoise. Num primeiro exame dentre os capítulos da obra, dedicados a autores bastante trabalhados dentro da Filosofia do Direito como o austríaco Hans Kelsen e Carl Schmitt, pode-se ter a errada impressão de se estar diante de um ensaio destinado ao público das ciências jurídicas, mais particularmente de interessados por filosofia do direito e direito constitucional. Isto por causa da referência a Weimar, cidade que expressa marco dentro da evolução política dos direitos humanos/constitucionais, juntamente com a Constituição Mexicana de 1917.
Apenas para situar rapidamente o leitor, o assim chamado primeiro ciclo dos direitos humanos surge no contexto do liberalismo e da afirmação do indivíduo frente ao arbítrio do estado absolutista – nesse sentido suas principais referências documentadas são a Declaração Francesa de Direitos do Homem e do Cidadão e a Declaração de Virgínia (1776). Partindo da ideia de um direito natural que deveria ser resguardado pelo Estado, defendem estes pioneiros o direito de propriedade, o direito de poder se insurgir contra governo despóticos e a necessidade da separação de poderes (Montesquieu), para evitar o arbítrio estatal. Já os direitos humanos de segunda geração são produto da revolução industrial do séc. XIX, da emergência dos trabalhadores e a co-respectiva luta social por direitos trabalhistas e assistência do estado. É nestes marcos que tanto a Constituição de Weimar (1919) quanto a Constituição Mexicana de 1917 nascem sob o signo do pioneirismo: elas se adiantam ao reconhecer e positivar direitos sociais ditos de segunda geração.
Dizíamos que o ensaio de Carlos Herrera não encerra interesse aos operadores do direito. Isto porque seu objeto de estudo são as fontes teóricas, na filosofia do direito e na ciência política, que demarcaram um dos períodos mais ricos e férteis na produção de ideias. Há riqueza no contraponto de correntes de pensamentos distintos, durante a República de Weimar (1919-1933) na Alemanha. Trata-se de período que antecede a ascensão dos nazistas. Em Weimar há regime misto de parlamento e presidencialismo, com um chanceler. A ironia da história é justamente observar, conforme diria Adorno, que a ascensão e vitória do fascismo é o resultado de uma revolução derrotada – aquela experiência democrática mostrou-se frágil o bastante para a articulação, crescimento e tomada do poder pelos nazistas, em que pese a efervescência cultural e riqueza no plano do debate de ideias, como se observa no livro.
No contexto de Weimar, três pensadores são analisados com mais detalhes, podendo-se dizer que o primeiro deles, um dos fundadores da sociologia moderna, e jurista de formação, Max Weber, teria não só influenciado enquanto teórico mas enquanto sujeito político aquele contexto histórico– em vida, defendia, coerentemente ao seu sistema teórico, que a melhor saída para a Alemanha de Weimar era um poder mais centralizado, ou seja, não o parlamento republicano, mas a....monarquia. Assim preleciona Carlos Herrera:
“De fato, Max Weber era hostil ao parlamentarismo “puro”, representado nessa época pela Terceira República Francesa, e havia sustentado publicamente, em dezembro de 1919, que o ‘o parlamentarismo e, de fato, as desavenças partidárias são evitáveis se o executivo unitário está nas mãos de um Presidente eleito por todo o povo”. A partir desta ótica, “um presidente que se apoia sobre a legitimidade da eleição popular” seria o melhor contrapeso ao Parlamento. Esta justaposição entre um presidente plebicitário e um Parlamente ativo constitui o que ele chama, em Economia e Sociedade, de “um governo representativo-plebiscitário”. Para ele, efetivamente o meio cesarista era o plebiscito.”
Ressalta-se que “Economia e Sociedade” é a obra mais importante de Max Weber e foi publicada após a morte do sociólogo alemão por sua ex-mulher Marianne. Ainda sobre suas referências sobre política e direito, Weber tem sua conhecida tese sobre legitimidade e dominação: a legitimidade formal dá-se por meio da dominação que se expressa pela administração burocrática. (Dominação Racional).
Neste aspecto, ao discutir a questão da democracia, Weber e Hans Kelsen, o importante jurista vienense combinam-se dentro de um ponto de vista formalista.
Kelsen propõe uma teoria pura do direito que teria um sentido científico e autônomo em relação às demais disciplinas ou ramos das ciências humanas. O Direito teria uma forma de interpretação autêntica e não autêntica conforme a adequação do operador a um rol já pré-definido de possibilidades hermenêuticas: como se houvesse um quadro para além do qual o sistema jurídico não perpassa, deixando assim de ser autenticamente direito o que está fora desta moldura rígida. Seu sistema jurídico é escalonado e nisso influencia modelos jurídicos em todo mundo, incluindo o sistema jurídico brasileiro.
As normas jurídicas em Kelsen se dividem hierarquicamente tendo em cada escala uma base de legitimação da escala anterior, até a Constituição. E o que justificaria a constituição seria uma norma hipotética fundamental, norma abstrata e pressuposto que legitima todo o ordenamento. Aqui temos um breve apanhado das cogitações jurídicas de Kelsen. A discussão que Carlos Herrera propõe é buscar as interfaces entre Kelsen e a política, o que acaba indo muito além de um formalista positivista. Do ponto de vista político, Kelsen se colocava como um social-liberal, mesmo reconhecendo a necessidade de reformas para pacificar os conflitos sociais, o que contraria um pouco a noção de um velho conservador positivista que dele pode se extrair.
Finalmente, o ensaio de Herrera é concluído com um autor controvertido seja em seu pensamento seja em sua intervenção política. Se Weber representa o sistema da dominação burocrática, racional, e se em Kelsen vislumbra-se o liberalismo com alguma coloração de reformas sociais, em Schmitt há muita influência e diálogo com autores marxistas, como Lênin e Luckács. Todavia não foi um marxista e se apropriava da teoria e das ideias de ditadura do proletariado como formas ou modelos de possível aplicação dentro do universo....burguês.
Segundo Herrera, Schmitt já era um pensador reacionário nos anos 1920. Será um dos representantes jurídicos do Reich na causa pela destituição do governo social-democrata da Prússia sob o governo Von Popen. E em maio de 1933 filia-se ao partido nazista.
Todavia, há uma intensa interlocução entre este reacionário jurista e alguns textos marxistas que deverão ao menos influenciá-lo a entender o direito e a política não em termos formais e burocráticos, tais como Weber e Kelsen, mas como manifestação de poder, choques de classes e dominação, o que confere por exemplo com o que diz sobre o assunto Lênin em o “Estado e a Revolução”. E assim diz Herrera:
“Deve-se sublinhar desde agora a noção que interessa ao jurista alemão (Carl Schmitt), a da ditadura do proletariado nos bolcheviques, pois esta terá uma importância primordial para o desenvolvimento de suas próprias teses. Para Schmitt, com efeito, a teoria da ditadura do proletariado, tal como entendem Lênin e Trótsky, sobretudo em razão do seu caráter transitório, permite recuperar um aspecto esquecido pelo direito público burguês: a ditadura é um meio técnico (technische Mittel) para alcançar um objetivo determinado. Segundo Schmitt, este caráter técnico da ditadura, cujo conteúdo está só determinado pelo interesse dos resultados a serem obtidos, implica que ela não pode ser definida em geral como supressão da democracia”
Se observarmos os desdobramentos finais da República de Weimar, talvez temos de reconhecer que a orientação de Carl Schmitt que leva menos em consideração os pressupostos liberais e os mecanismos burocrático-racionais, e mais as relações de força e de poder, além da “realpolitik”, acabaram prevalecendo na Alemanha. É bom lembrar que o Partido Social Democrata, apesar do tamanho e peso político, era dirigido por reformistas que provavelmente tinham ilusões de que através do aparato estatal seria possível contornar o perigo nazista. Enxergaram mais longe os marxistas russos e Carl Schmitt, influenciado por eles. Uma ironia da história com fim trágico.
Carlos M. Herrera é jurista e filósofo, argentino e professor da Université de Cergy-Pontoise. Num primeiro exame dentre os capítulos da obra, dedicados a autores bastante trabalhados dentro da Filosofia do Direito como o austríaco Hans Kelsen e Carl Schmitt, pode-se ter a errada impressão de se estar diante de um ensaio destinado ao público das ciências jurídicas, mais particularmente de interessados por filosofia do direito e direito constitucional. Isto por causa da referência a Weimar, cidade que expressa marco dentro da evolução política dos direitos humanos/constitucionais, juntamente com a Constituição Mexicana de 1917.
Apenas para situar rapidamente o leitor, o assim chamado primeiro ciclo dos direitos humanos surge no contexto do liberalismo e da afirmação do indivíduo frente ao arbítrio do estado absolutista – nesse sentido suas principais referências documentadas são a Declaração Francesa de Direitos do Homem e do Cidadão e a Declaração de Virgínia (1776). Partindo da ideia de um direito natural que deveria ser resguardado pelo Estado, defendem estes pioneiros o direito de propriedade, o direito de poder se insurgir contra governo despóticos e a necessidade da separação de poderes (Montesquieu), para evitar o arbítrio estatal. Já os direitos humanos de segunda geração são produto da revolução industrial do séc. XIX, da emergência dos trabalhadores e a co-respectiva luta social por direitos trabalhistas e assistência do estado. É nestes marcos que tanto a Constituição de Weimar (1919) quanto a Constituição Mexicana de 1917 nascem sob o signo do pioneirismo: elas se adiantam ao reconhecer e positivar direitos sociais ditos de segunda geração.
Dizíamos que o ensaio de Carlos Herrera não encerra interesse aos operadores do direito. Isto porque seu objeto de estudo são as fontes teóricas, na filosofia do direito e na ciência política, que demarcaram um dos períodos mais ricos e férteis na produção de ideias. Há riqueza no contraponto de correntes de pensamentos distintos, durante a República de Weimar (1919-1933) na Alemanha. Trata-se de período que antecede a ascensão dos nazistas. Em Weimar há regime misto de parlamento e presidencialismo, com um chanceler. A ironia da história é justamente observar, conforme diria Adorno, que a ascensão e vitória do fascismo é o resultado de uma revolução derrotada – aquela experiência democrática mostrou-se frágil o bastante para a articulação, crescimento e tomada do poder pelos nazistas, em que pese a efervescência cultural e riqueza no plano do debate de ideias, como se observa no livro.
No contexto de Weimar, três pensadores são analisados com mais detalhes, podendo-se dizer que o primeiro deles, um dos fundadores da sociologia moderna, e jurista de formação, Max Weber, teria não só influenciado enquanto teórico mas enquanto sujeito político aquele contexto histórico– em vida, defendia, coerentemente ao seu sistema teórico, que a melhor saída para a Alemanha de Weimar era um poder mais centralizado, ou seja, não o parlamento republicano, mas a....monarquia. Assim preleciona Carlos Herrera:
“De fato, Max Weber era hostil ao parlamentarismo “puro”, representado nessa época pela Terceira República Francesa, e havia sustentado publicamente, em dezembro de 1919, que o ‘o parlamentarismo e, de fato, as desavenças partidárias são evitáveis se o executivo unitário está nas mãos de um Presidente eleito por todo o povo”. A partir desta ótica, “um presidente que se apoia sobre a legitimidade da eleição popular” seria o melhor contrapeso ao Parlamento. Esta justaposição entre um presidente plebicitário e um Parlamente ativo constitui o que ele chama, em Economia e Sociedade, de “um governo representativo-plebiscitário”. Para ele, efetivamente o meio cesarista era o plebiscito.”
Ressalta-se que “Economia e Sociedade” é a obra mais importante de Max Weber e foi publicada após a morte do sociólogo alemão por sua ex-mulher Marianne. Ainda sobre suas referências sobre política e direito, Weber tem sua conhecida tese sobre legitimidade e dominação: a legitimidade formal dá-se por meio da dominação que se expressa pela administração burocrática. (Dominação Racional).
Neste aspecto, ao discutir a questão da democracia, Weber e Hans Kelsen, o importante jurista vienense combinam-se dentro de um ponto de vista formalista.
Kelsen propõe uma teoria pura do direito que teria um sentido científico e autônomo em relação às demais disciplinas ou ramos das ciências humanas. O Direito teria uma forma de interpretação autêntica e não autêntica conforme a adequação do operador a um rol já pré-definido de possibilidades hermenêuticas: como se houvesse um quadro para além do qual o sistema jurídico não perpassa, deixando assim de ser autenticamente direito o que está fora desta moldura rígida. Seu sistema jurídico é escalonado e nisso influencia modelos jurídicos em todo mundo, incluindo o sistema jurídico brasileiro.
As normas jurídicas em Kelsen se dividem hierarquicamente tendo em cada escala uma base de legitimação da escala anterior, até a Constituição. E o que justificaria a constituição seria uma norma hipotética fundamental, norma abstrata e pressuposto que legitima todo o ordenamento. Aqui temos um breve apanhado das cogitações jurídicas de Kelsen. A discussão que Carlos Herrera propõe é buscar as interfaces entre Kelsen e a política, o que acaba indo muito além de um formalista positivista. Do ponto de vista político, Kelsen se colocava como um social-liberal, mesmo reconhecendo a necessidade de reformas para pacificar os conflitos sociais, o que contraria um pouco a noção de um velho conservador positivista que dele pode se extrair.
Finalmente, o ensaio de Herrera é concluído com um autor controvertido seja em seu pensamento seja em sua intervenção política. Se Weber representa o sistema da dominação burocrática, racional, e se em Kelsen vislumbra-se o liberalismo com alguma coloração de reformas sociais, em Schmitt há muita influência e diálogo com autores marxistas, como Lênin e Luckács. Todavia não foi um marxista e se apropriava da teoria e das ideias de ditadura do proletariado como formas ou modelos de possível aplicação dentro do universo....burguês.
Segundo Herrera, Schmitt já era um pensador reacionário nos anos 1920. Será um dos representantes jurídicos do Reich na causa pela destituição do governo social-democrata da Prússia sob o governo Von Popen. E em maio de 1933 filia-se ao partido nazista.
Todavia, há uma intensa interlocução entre este reacionário jurista e alguns textos marxistas que deverão ao menos influenciá-lo a entender o direito e a política não em termos formais e burocráticos, tais como Weber e Kelsen, mas como manifestação de poder, choques de classes e dominação, o que confere por exemplo com o que diz sobre o assunto Lênin em o “Estado e a Revolução”. E assim diz Herrera:
“Deve-se sublinhar desde agora a noção que interessa ao jurista alemão (Carl Schmitt), a da ditadura do proletariado nos bolcheviques, pois esta terá uma importância primordial para o desenvolvimento de suas próprias teses. Para Schmitt, com efeito, a teoria da ditadura do proletariado, tal como entendem Lênin e Trótsky, sobretudo em razão do seu caráter transitório, permite recuperar um aspecto esquecido pelo direito público burguês: a ditadura é um meio técnico (technische Mittel) para alcançar um objetivo determinado. Segundo Schmitt, este caráter técnico da ditadura, cujo conteúdo está só determinado pelo interesse dos resultados a serem obtidos, implica que ela não pode ser definida em geral como supressão da democracia”
Se observarmos os desdobramentos finais da República de Weimar, talvez temos de reconhecer que a orientação de Carl Schmitt que leva menos em consideração os pressupostos liberais e os mecanismos burocrático-racionais, e mais as relações de força e de poder, além da “realpolitik”, acabaram prevalecendo na Alemanha. É bom lembrar que o Partido Social Democrata, apesar do tamanho e peso político, era dirigido por reformistas que provavelmente tinham ilusões de que através do aparato estatal seria possível contornar o perigo nazista. Enxergaram mais longe os marxistas russos e Carl Schmitt, influenciado por eles. Uma ironia da história com fim trágico.
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