“Jornadas de Junho – A Revolta Popular em Debate” – Plínio de Arruda Sampaio Jr. (Org.)
Resenha livro 183 - “Jornadas de Junho – A Revolta Popular em Debate” – Plínio de Arruda Sampaio Jr. (Org.) – Instituto Caio Prado Júnior
As Jornadas de Junho de 2013 foram as últimos grandes manifestações de rua que ocorreram no Brasil, pelo menos desde as passeatas pelo fora Collor no início nos anos 1990. No 1º semestre de 2013 multidões tomaram as ruas em pelo menos 22 capitais e 400 cidades, estimando-se a participação de 3 milhões de pessoas na ruas contando com um dia de Greve Geral. Em diversas cidades os políticos, acossados, suspenderam o aumento das passagens de ônibus – o que poderíamos colocar um dos aspectos vitoriosos das manifestações.
A dimensão que poderíamos colocar como uma derrota daquelas manifestações seria a intervenção dos meios de comunicação de massa que lograram desviar o foco e a combatividade do movimento original (que teve como ponto de partida a luta pela diminuição das passagens e, dentro deste ponto de partida, o direito à cidade, com o passe livre, dentro do contexto da Copa das Confederações o questionamento das obras faraônicas diante da falta de serviços públicos, entre outros) transformando ou desviando uma luta com um grande potencial de contestação anticapitalista numa espécie de “carnaval” verde-amarelo, buscando dividir manifestantes do “bem” e os “vândalos”, puxando consignas “”sem violência” e “sem partidos” e depolitizando (o que quer dizer tornando inofensivo aos capitalistas e governos) as manifestações. Para quem acompanhou as manifestações do começo ao fim, foi doloroso ver seu início combativo com ações diretas, enfrentamentos e solidariedade entre a militância e terminar num patético carnaval patrioteiro de classe média com bruta montes fascistas buscando tomar nossas bandeiras vermelhas...
Este autor da resenhas participou desde a primeira passeata no MPL em São Paulo no 6 de Junho de 2013 que contou com cerca de 6000 pessoas – manifestação expressiva se comparada aos anos anteriores. Todas as manifestações contaram com enfrentamento policial, sempre em escala crescente, até o dia decisivo. Foi o grande enfrentamento do dia 13 de Junho, quando a luta entre manifestantes desarmados e a Polícia Militar deixou clara a todos a covardia e a funcionalidade do aparato repressivo ideológico do estado, num ataque sem qualquer provocação dos manifestantes, numa ação claramente autorizada por Haddad e Alckmin, e com expresso apoio da mídia capitalista, promovendo um verdadeiro massacre, prendendo inúmeros manifestantes, 22 jornalistas e sabe-se lá quantos feridos. A indignação e a grande repercussão pela feroz repressão provocou algo novo, uma manifestação de proporções desconhecidas, que a partir de então colocaria governos, empresariado e demais adversários na defensiva.
No dia 17 de Junho cerca de 100 mil pessoas se concentraram no largo da batata e marcharam pela região. A partir deste momento mobilizações contra o aumento da passagem começariam a ganhar corpo em Porto Alegre e Vitória, e posteriormente Brasil a fora.
“Jornadas de Junho: A revolta popular em debate” é uma série de artigos de intelectuais de esquerda que, cada qual desde sua especialização, irá observar os sentidos do levante que varreu o Brasil, os seus antecedentes, e as perspectivas futuras. Temos artigos de Maria Orlanda Pinassi, Mauro Iasi, Miltom Pineiro, Pedro Fiori Arantes, Plínio de Arruda Sampaio Jr., Ricardo Antunes e Ruy Braga.
Uma pergunta que se deve fazer logo de início é a razão pela qual o aumento da passagem de ônibus foi o detonador das manifestações. Como muitas vezes foi reiterado nas ruas, as pautas foram além do aumento, falando-se não só na tarifa zero mas em questões que fermentavam um descontentamento oculto e latente na sociedade brasileira e que emergiram nas manifestações: obras da Copa do Mundo, direito à cidade, repúdio à política oficial. Na verdade, os reajustes de alimentos, alugueis, etc. ocorrem de forma diluída ao longo do tempo enquanto o aumento do preço das tarefas afeta a todos ao mesmo tempo, sendo muito claro visualizar os responsáveis pelo aumento, convergindo o ódio popular contra o governo de forma imediata– e os governos bem sabem disso, tanto é verdade que a revolta contra o aumento dos ônibus ocorre desde tempo dos antigos dos bondes que circulavam em início dos anos XX.
Certamente o aumento seria a causa mais imediata. Porém a crise brasileira é estrutural e as Jornada de Junho é encarado pelos intelectuais de uma forma geral como um sintoma de um esgotamento. Seria como uma manifestação local do que vimos na Espanha com os Indignados, nos EUA do movimento Ocupe Wall Street ou no Egito na praça T. e refere-se à crise estrutural do capitalismo. Os intelectuais irão sinalizar os aspectos estruturais da crise brasileira, do modelo urbano pautado pelos interesses exclusivamente mercantis em que o carro (com descontos dos IPIs) sobrepõem-se ao investimento em transporte público, a moradia é toda ela voltada à especulação imobiliária e a cidade como um todo à lógica da exploração capitalista, um modelo fracassado e desumano:
“Enfim, a miséria humana que fermenta a sociedade brasileira e contamina todos os poros da vida nacional foi a mola propulsora das “Jornadas de Junho”. É todo o edifício do capitalismo dependente que começou a ser posto em questão, de baixo para cima, pela crescente resistência da população a continuar aceitando condições de vida subumanas. Os motivos que levaram a juventude às ruas revelam uma vontade difusa – ainda que não condensada num programa alternativo de organização da sociedade, mas facilmente reconhecível nas motivações dos protestos – de vencer as permanências do colonialismo, as mazelas do subdesenvolvimento, a prepotência do imperialismo, e, no limite, as bases sociais e os valores da própria civilização capitalista” (Plínio de Arruda Sampaio Jr.)
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