“Iaiá Garcia” – Machado de Assis
Resenha Livro 184- “Iaiá Garcia” – Machado de Assis – Ed. Núcleo
Iaiá Garcia encerra o chamado ciclo romântico das obras de Machado de Assis. O romance foi publicado em 1878, 3 anos antes de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), marco na literatura nacional por inaugurar o período do realismo literário, abrindo-se todo um novo estilo artístico no país
É inegável que existe uma clivagem entre as obras da fase romântica de Machado de Assis, desde sua estreia com “Ressurreição” (1872), passando por “Iaiá Garcia”(1878), considerada por alguns críticos como a melhor criação da fase romântica de Machado de Assis.
A obra torna-se uma leitura interessante por condensar elementos de transição e sinalizar aspectos do estilo literário e cogitações que surgiriam nos romances realistas, como algumas passagens de humor, o problema do amor associado à convenção social (Jorge, personagem central, vai lutar na Guerra do Paraguai, supostamente por patriotismo, mas antes pela não aceitação social de uma relação amorosa), e o esforço de análises psicológicas.
Entretanto, ainda estamos no âmbito do romantismo: há resquícios de uma certa tonalidade retórica que será inteiramente eliminada a partir de Brás Cubas com sua linguagem objetiva, concisa e com minuciosa escolha das palavras e signos; ainda que mediado eventualmente por interesses sociais, o amor ainda prevalece em “Iaiá Garcia” (diferentemente de “Brás Cubas...”), consoante certo tom folhetinesco que marca o estilo romântico.
Aquele mesmo personagem supracitado, de bastante relevância, Jorge, ao voltar da Guerra do Paraguai, assume certo traço de um herói romântico aos moles do romantismo nacionalista em sua primeira fase:
“Poucos dias depois operou-se a marcha de Tuiuti a Tuiu-Cué, a que se seguiu uma série de ações e movimentos em que houve muita página de Plutarco. Só então pôde Jorge encarar o verdadeiro rosto à guerra, cujo princípio não assistira; figurou em mais de uma jornada heroica, correu perigos, mostrou-se valoroso e paciente. O coronel adorava-o: sentia-se tomado de admiração diante daquele mancebo, que combatia durante a batalha e calava depois da vitória, que comunicava o ardor aos soldados, não recuava de nenhuma empresa, ainda a mais arriscada e a quem uma estrela parecia proteger com suas asas de luz”.
Além da preocupação meramente decorativa na descrição das personagens, observamos algumas passagens com descrições psicológicas importantes de personalidades com implicações no desdobramento da história. A análise psicológica é um dos traços mais essenciais do realismo. Em “Iaiá Garcia” é o caso de Estela, mulher amada por Jorge:
“Estela era vivo contraste do pai, tinha a alma acima do destino. Era orgulhosa, tão orgulhosa que chegava a fazer da inferioridade uma aréola; mas o orgulho não lhe derivava da inveja impotente ou de estéril ambição; era uma força não um vício, - era o seu broquel de diamante – o que a preservava do mal, como o do anjo de Tasso defendia as cidades castas e santas. Foi este sentimento que lhe fechou os ouvidos às sugestões do outro. Simples agregada ou protegida, não se julgava com direito a sonhar outra posição superior e independente; e dado que fosse possível obtê-la, é lícito afirmar que recusara , porque, a seus olhos seria um favor e a sua taça de gratidão estava cheia”.
“Iaiá Garcia” é narrado em terceira pessoa contando com um narrador onisciente. Ao contrário do que o título do livro pode sugerir, não possui um personagem principal, o que faz do romance uma peça atípica confirmando a tendência experimental que seria a regra da fase literária posterior.
Conforme algumas cenas na sala da casa de Luís Garcia, quando se joga xadrez, o romance parece como um tabuleiro em que as peças vão se movimentando e o narrador vai lançando luz sobre os personagens – as ações são concomitantes e não parece haver a ideia de um protagonista. Luís Garcia é pai solteiro e mora num bairro então afastado (Santa Tereza), curtindo sua solidão junto a sua filha pequena, Iaiá Garcia, que no começo da história é apenas uma criança. É amigo de Dona Valéria, mãe de Jorge, personagem a que nos referimos acima. Antes da partida de Jorge ao Paraguai, o jovem de 24 anos confessa seu amor por Estela, e a Luís Garcia pede seus conselhos. Basicamente a história irá, como num tabuleiro de xadrez perambular dentre estes e outros personagens como Procópio Dias (o mais próximo de um vilão), Raimundo (o ex-escravo dócil e sempre fiel), revelando ao leitor do séc. XIX alguns cenários dos usos e costumes do Rio de Janeiro urbano do II Império e sua cultura social: o cortejar das mulheres, as trocas de cartas, os casamentos já resolvidos com antecedência de noivados nem namoros, médicos atendendo em casa e as doenças febris sem soluções com desfechos trágicos.
A centralidade do amor na história de Iaiá Garcia bem como o desfecho do enredo com a paz amorosa de fato enveredam este romance para romantismo literário. Nem uma clivagem nem uma solução inteira de continuidade, mas um pouco de cada elemento pode ser observado na transição entre Machado de Assis romântico e realista.
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