“Consciência Operária no Brasil” – Celso Frederico
Resenha Livro – 186- “Consciência Operária no Brasil” – Celso Frederico – Ensaios 39 – Ed. Ática
Celso Frederico foi um dos primeiros sociólogos brasileiros a se dedicar, dentro da sociologia do trabalho, especificamente ao problema da consciência dos proletariado brasileiro. Seu pioneirismo soma-se a seus pressupostos teórico-metodológicos que tornam suas pesquisas muito mais totalizantes do que certas tendências na sociologia que vêm no operário brasileiro certo personagem folclórico que, a partir dos anos de 1950-60, saiu do campo, veio tentar a vida na cidade, com as diferenças no estilo de vida, muito menos dura na cidade, aceitou os padrões de acumulação capitalista e se sujeitou à exploração e ao apassivamento.
Desde um ponto de vista Marxista, se utilizando especialmente das contribuições de Lukács e Lênin, todo o eixo da pesquisa empírica de Celso Frederico sobre a consciência de um grupo de trabalhadores de uma Fábrica do ABC paulista tem como corte conceitos como o da “falsa consciência” que na verdade é parte de uma totalidade e seria um momento de uma consciência portadora de uma afirmação. O protagonismo histórico dos trabalhadores, que naquela conjuntura apenas aparece em alguns momentos pontuais, seja em greves ou a partir de 1964 com a proibição das mesmas, em ações de resistência pontuais como amarração da produção (individual e coletiva) e operações tartarugas.
O Estudo inicia com uma reflexão geral sobre o problema da consciência de classe. Parte-se da ideia de que a própria burguesia em suas origens manteve uma consciência revolucionária. Não há de se esquecer o contexto didático da Revolução Francesa com seu Primeiro Estado, representado pela Igreja. O Segundo Estado representado pela nobreza. E o Terceiro Estado, uma frente que envolvia 80% da população francesa agregando burguesia, trabalhadores, artesões e camponeses. Desta situação emergiu uma situação revolucionária que colocou lado a lado trabalhadores e burgueses numa frente revolucionária até os limites históricos (burgueses) da revolução. Essa mudança de orientação também se expressa no plano da consciência, afirma o autor:
“A Contradição entre os interesses individuais e os de classe, e impossibilidade de apreender teoricamente os problemas decorrentes do desenvolvimento tornam-se patentes nos momentos das crises econômicas inerentes ao capitalismo e nos enfrentamentos com o proletariado. Nesses momentos, as contradições objetivas cristalizam-se no plano subjetivo: a consciência de classe burguesa passa então para a burguesia diante de problemas cujas soluções se encontram para além do capitalismo. A “falsa consciência” da burguesia procurará ocultar a si mesma o momento histórico e eternizará a sociedade em que vive, como uma “segunda natureza”. Para ela como disse Marx, houve uma história, mas agora não há mais”.
A “Consciência de Classe” não foi especificamente um tema tratado de forma exaustiva por Marx e Engels mas por marxistas que, posteriormente, aplicaram à questão perspectivas distintas. O que temos mais ou menos como consenso é que a consciência no marxismo é um fenômeno prático: conforme Marx, não é a consciência que determina o ser social, mas o ser social quem determina a consciência. Esta tese aparentemente simples, é porém profundamente reveladora e expressa a vinculação entre a prática social e a consciência: assim Celso Frederico ao sondar e buscar compreender os elementos da consciência dos trabalhadores, deverá inquirir sobre os meios de vida habituais, o cotidiano da fábrica, aquilo que é comum. E também sondar as experiências vividas no passado de participação em mobilizações, como a participação em greves e amarrações na produção, como as lutas sensibilizaram os entrevistados.
A consciência de classe finalmente não é estática, ela é dinâmica e, dentro do projeto de transformação societária socialista, ela é objeto de uma discussão importante. Lênin em “O Que Fazer”? (1902) lançou as bases desta discussão polemizando com os setores esponteneístas e outros que ficaram contra sua tese (Rosa Luxemburgo e Trótsky) admitindo Lênin que a consciência operária espontânea no máximo levaria os trabalhadores a adquirir uma consciência sindical. Seria necessário um partido social democrata, um vanguarda para introjetar de “fora para dentro” uma consciência revolucionária sócia democrata. Com os anos esta tese seria levemente mitigada dirigente (“a teoria é o guia para a ação”; “a prática é o critério da verdade”), mas essencialmente a ideia do partido como portador de uma consciência revolucionária persistiu sendo parte formal da teoria leninista do partido.
Se antes esta tese era combatida por anarquistas e outros setores, hoje, diante da crise dos partidos de esquerda, pairam-se maiores dúvidas, enquanto, curiosamente, observa-se uma completa falta de alternativa de direção que unifique e dê coesão aos movimentos de luta no Brasil, como se observou em 2013. Ou seja, quanto mais se combatem os partidos e se fale em “horizontalidade” e “movimentos sociais”, mais se necessita de partidos comunistas ou bolcheviques de vanguarda para enfrentar o capitalismo em crise geral 2008.
A tese leninista de uma consciência de fora para dentro deve ser corretamente interpretada: significa dar um salto qualitativo na luta econômica por salários e direitos que, do ponto de vista geral, podem apenas gerar ilusões nos operários em torno de institutos como o estado burguês com o dissídio coletivo ou lideranças sindicais de independência e combatividade duvidosa que podem facilmente engambelar suas bases com Negociações Coletivas de Trabalho pouco favoráveis aos empregados. A mentalidade estritamente sindical para ser revolucionária deve unir a luta econômica com a luta política. E na maioria dos casos este passo não pode ser dado pelo sindicato. Daí a importância do Partido Revolucionário.
Voltando à pesquisa de Celso Frederico, tem-se que a consciência de classe em seu movimento de afirmação dá-se com a apreensão da totalidade. Não se trata de colocar em termos de certo e errado os respectivos “falsa e certa consciência”. Para o autor (e aqui teríamos alguma hesitação e aceitar tal tese) o marxismo é uma filosofia monista em que a falsa consciência tem dentro de si uma espécie de embrião da afirmação da consciência afirmativa que seria a apreensão da totalidade. Tal se daria com a intervenção do proletariado como sujeito histórico, o que decorre do conhecer a totalidade, o que envolve o auto-conhecimento e a consciência das contradições.
“Nesse quadro, a consciência dos operários por nós entrevistados aparece cindida: nela coexistem, de um lado a inquietação própria de uma situação de classe marcada pelas agrura de uma carência econômica constante que se expressa nas tensões vividas dentro da fábrica; e, de outro lado, o otimismo individualista e a esperança de dias melhores que caracterizam uma mentalidade enformada por uma visão linear e progressiva da história. Esta cisão permite compreender a convivência do alheamento político com intermitentes conflitos travados às cegas no interior da fábrica”.
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