sábado, 16 de março de 2013

"A Era do Capital" Eric J. Hobsbawm




Resenha Livro # 54 “A Era do Capital” – Eric J. Hobsbawm - Ed. Paz e Terra 

No dia 1º de outubro de 2012, faleceu o historiador marxista britânico Eric J. Hobsbawm. A ampla repercussão midiática da morte revela a importância da produção historiográfica do autor. O fato de Hobsbawm ser certamente conhecido para além do meio acadêmico o diferencia da historiografia tradicional. De fato, os seus livros não foram e não são lidos exclusivamente por historiadores (profissionais e acadêmicos). Sua produção, no campo de história, foi amplamente recepcionada por interessados em aprender algo sobre a história dos últimos três séculos, sobre a história do Jazz ou sobre a gênese do movimento operário e seu desenvolvimento ao longo do século XX. Talvez, o seu livro mais lido e mais lembrado é “A Era dos Extremos”, voltado à análise do século XX. Tratar-se-ia do curto e intenso século que vai de 1914 (primeira Guerra Mundial) até 1991(desmoronamento da URSS).

As Eras de Hobsbawm dão conta de todo um período que vai da derrocada dos Estados Absolutistas e da afirmação da burguesia como nova classe dominante, passando do momento “revolucionário” das burguesias (Era das Revoluções 1979 - 1884) e, no plano econômico, a importante Revolução Industrial que redesenha a conformação do capitalismo, superando sua fase comercial, em direção a sua etapa industrial.  Posteriormente temos a Era do Capital (1884 – 1875), marcado pela consolidação da hegemonia burguesa e sua ressignificação, de uma classe revolucionária sob o signo da Revolução Francesa, a uma classe reacionária, particularmente frente ao desenvolvimento do movimento operário que passaria ao questionamento das bases da sociedade do capital – o massacre da burguesia parisiense aos operários da Comuna de Paris ocorre neste período.

Os trabalhos do historiador prosseguem com a Era dos Impérios (1975 – 1914), descrevendo a fase que Lênin defini como o momento imperialista do capitalismo, que passa cada vez mais a se conformar em grandes monopólios que se serviam da ajuda do estado para explorar novos mercados e dominar desde os principais centros de poder do capital continentes inteiros, destacando-se a partilha da África.

Tivemos acesso à segunda das “Eras” analisadas por Hobsbawm, a Era do Capital – 1848-1875.

O marco inicial, o ponto de partido é certamente mais fácil de se identificar. Trata-se do ano conhecido como Primavera dos Povos, correspondente a uma série de revoluções na Europa que questionavam autocracias que perduravam, apesar do desenvolvimento e fortalecimento de movimentos nacionalistas, liberais e democráticos. Já o marco final do livro (1975)não é facilmente identificável, correspondendo, segundo Hobsbawm, ao encerramento de  ciclo de expansão mais ou menos permanente da economia capitalista para, a partir da década de 1870, o sistema entrar novamente em declínio.

De qualquer forma, a obra de Hobsbawm não se situa nos marcos de certa historiografia de matriz positivista cuja principal preocupação são exclusivamente os grandes eventos políticos de determinada era, tendo como fonte específica documentos e relatórios oficiais, tratando, portanto, de uma história dos grandes eventos meramente descritiva, sem esforços de interpretação e, mais importante, sem esforço de busca de sentidos para os diversos eventos históricos. Certamente, muita coisa ocorreu no mundo entre 1848-1875, destacando-se a conquista do oeste norte-americano, a guerra civil dos EUA que pôs fim à escravidão naquele país, a extinção do tráfico negreiro e a abolição da escravidão na maior porção das antigas ex-colônias latino-americanas (exceções feitas a Cuba e Brasil que aboliram a escravidão após 1875). 

Foi também o momento da abertura efetiva do Japão ao ocidente e a assimilação do capitalismo concorrencial por uma cultura até então extremamente fechada e com fortes valores culturais equiparáveis ao feudalismo. Foi o momento do desenvolvimento das primeiras organizações dos trabalhadores, datando-se 1871 como o ano da Comuna de Paris, primeira experiência de poder operário-popular, um governo sem a burguesia, apoiado em medidas de cunho igualitarista e que foi esmagado pela reação da classe dominante francesa pouco mais de dois meses após o seu início. Como se vê por todo mundo diversas “grandes eventos”,  eventos de importância local, regional ou mesmo mundial ocorriam durante aqueles anos, fazendo como que o autor, a partir da descrição dos fatos históricos, busque encadeá-los e encontrar um certo sentido pelo qual o mundo transformava-se sob a era do Capital, sem se restringir a uma história descritiva ou de tipo jornalística.

Este sentido mais geral da obra está bastante contemplado no título da obra.

Certamente, aqueles anos foram os anos de hegemonia na crença no liberalismo e na racionalidade do capitalismo: ainda que fosse o período que Marx escrevesse seu Manifesto Comunista e organizações embrionárias de trabalhadores aportassem no sentido de criticar a sociedade capitalista e propor alternativas (Ex. socialistas, proudhonistas ou anarquistas), há de se constatar que estes movimentos eram minoritários. Marx em vida não teve mais repercussão e não foi mais lido do que Hebert Spencer e seu racista darwinismo social. Havia, então, a crença em certa naturalização do capitalismo, talvez parecida com a ideologia pós-moderna de “Fim da História” de Francis Fukuyama, como se as relações de produção dominante fossem erigidas a um nível existencial para a justificativa: dentro do jogo livre e igual do mercado, os mais capazes sobrevivem, os mais fracos perecem e assim que deve ser. A vida imitava a economia e a economia imitava a vida.

Com a revolução industrial, o desenvolvimento das estradas de ferro e o aprimoramento da exploração do ferro e do aço na indústria, o capitalismo passava por uma fase de expansão. Novos aportes de investimentos eram levados aos EUA, promovendo um incremento significativo de imigração do velho continente para o Novo Mundo. A promessa do enriquecimento rápido por meio da exploração de jazidas de ouro fizeram muitos aventurarem-se no oeste americano, desbravando e dominando terras em locais sem lei, cuja forma de poder se podia comparar, com seus devidos ajustes, ao coronelismo brasileiro. Em sentido análogo, a expansão da indústria e especificamente das estradas de ferro (verdadeiros símbolos da era do capital) revolucionaram as possibilidades de comunicação, propiciando a troca de correspondência a lugares inacessíveis, reduzindo significativamente os tempos de viagem e o aumentando o turismo, este último apenas disponível às classes mais abastadas, por suposto. Do ponto de vista das ciências, aquele foi um momento de grande desenvolvimento da química, especificamente da química orgânica, por meio do alemão August Kekulé. A física também avançava, superando as bases tradicionais da física newtoniana – que seria, como se sabe, novamente revolucionada com a teoria quântica de meados do século XX. De maneira geral o desenvolvimento da ciência acompanhava a evolução industrial e as descobertas do período são narradas por Hobsbawm dentro deste sentido comum da história, qual seja a era da expansão do capital.

Entretanto, mesmo intuitivamente, é fácil anotar como praticamente nada evolui de forma permanente e infinita, e certamente este não seria o caso do capitalismo (completamente eivado de contradições quanto à sociedade que ele engendra) que seria uma exceção. Entretanto, as turbulências que o desenvolvimento do capitalismo levariam o mundo – do neocolonialismo do final do século XIX às 2 Guerras Mundiais – serão objetos de análises nas demais “eras” de Hobsbawm, a Era dos Impérios e a Era dos Extremos.

Em certa passagem do prefácio do livro, o historiador britânico confessa que o período que passará a abordar não lhe agrada. Como marxista, ele certamente encontra, na análise crítica, boa dose de hipocrisia nos valores daquela burguesia profundamente otimista quanto a sua suposta capacidade de liderar o progresso, além do profundo eurocentrismo e do gritante etnocentrismo na cultura produzida pela Era do Capital. Mesmo desgostoso quanto ao tema estudado, a “Era do Capital” é magnificamente escrita e sem dúvida uma tremenda contribuição para aqueles que querem entender as origens da formação das ideias burguesas e suas bases materiais e idológicas de então, da revolução industrial, do nacionalismo, do liberalismo e da democracia.  

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