quarta-feira, 29 de junho de 2011

"Reforma ou Revolução" - Rosa Luxemburgo

Resenha Livro #27 - "Reforma ou Revolução" - Rosa Luxemburgo - Ed. Expressão Popular




Antecedentes

“Reforma e Revolução” é na verdade uma compilação de dois artigos escritos por Rosa Luxemburgo entre setembro de 1898 e abril de 1899. Os ensaios são uma resposta política a setores do Partido Social Democrata alemão (SPD), agrupados em torno de Eduardo Bernstein.

O revisionismo era então uma força política ainda em vias de ascensão. A série de textos publicados por Bernstein na revista Neue Zeit do SPD (entre 1897-1898) era, então, o primeiro grande esforço de sistematização teórica de uma nova orientação política. O reformismo seria predominante nas décadas subseqüentes no SPD, na II Internacional e em parcela considerável de partidos de esquerda (inclusive comunistas) em todo o mundo, especialmente após a II Guerra Mundial.

O revisionismo enquanto movimento político tem como principais pontos de partida: a instituição do socialismo a partir de reformas sociais; o controle da produção pelos sindicatos; a supressão da teoria do desmoronamento do capitalismo frente à constatação (meramente impressionista) da capacidade de adaptação do capitalismo frente às crises; a negação da tomada do poder político pelo proletariado como um fim das lutas específicas agrupadas em torno do projeto revolucionário (alega-se, entre outros, a ideia de os operários não estarem “maduros”).

O socialismo, aqui, aparece como uma decorrência de um processo de longuíssimo prazo, baseado no controle jurídico e institucional da economia capitalista, promovido pelo desenvolvimento de cooperativas no plano econômico e pela ocupação gradual do parlamento pelos operários: “os fins não são nada, os meios são tudo” é a frase mais lembrada de Bernstein.

A proposta teórica dos revisionistas é então combatida por Rosa, preocupada, particularmente, com as implicações políticas daquele grupo dentro do movimento operário. Ao confrontar o revisionismo com a realidade do capitalismo mundial, particularmente a emergência do militarismo e da formação de grandes monopólios, Rosa nos mostra como a teoria do grupo de Bernstein tem como implicação política mais importante a negação da alternativa socialista: as reformas atendem exigências do capitalismo e conformam-no de maneira a fazê-lo sobreviver, exclusivamente.

Vale destacar, aqui, que Rosa não cai no erro de opor Reforma e Revolução como dois entes separadas: a revolucionária, por suposto, reconhece o papel das reformas (meios) que educam e conscientizam o movimento operário em torno de um projeto de emancipação pela via revolucionária (fins). Ainda assim, a conclusão teórica a que Rosa chega, em Reforma e Revolução, é que o reformismo, quando desprovido de uma estratégia de ruptura com o capitalista, tem como significado prático a inserção da ideologia burguesa dentro do dentro do SPD e dentro do movimento operário, de forma geral.

O texto é escrito de forma didática: Reforma e Revolução é um manifesto necessário e atual contra as tendências que buscam revisitar o marxismo, incutindo-lhe uma interpretação eclética (“apropriando-se o que há de bom e afastando o que dele há de mau”) cujo fim principal é desarmar a teoria no que se refere a sua ligação com a transformação social (negação da teoria do desmoronamento do capitalismo e tese dos meios sobrepostos aos fins).

O combate ao Revisionismo

A teoria do desmoronamento do capitalismo, em Marx, baseia-se em três elementos fundamentais: a socialização do processo de produção, a “anarquia crescente da economia capitalista” e suas crises cíclicas, e a organização e consciência do proletariado, potencializada pela generalização das relações capitalistas. Bernstein vale-se da análise de supostas formas de adaptação capitalista (sociedades de ações, concessões de créditos, melhoria relativa da classe operária em alguns países) para demonstrar como o desmoronamento do capitalismo é improvável/impossível. Já Rosa destaca a contradição original do revisionismo, a negação da teoria do colapso: “mas se os cartéis, o sistema de crédito, os sindicatos etc., suprimem assim as contradições capitalistas, e se, por conseguinte, salvam da ruína o sistema capitalista, se permitam ao capitalismo conservar-se em vida – é por isso que Bernstein os chama de “meios de adaptação” – como podem eles, ao mesmo tempo, ser ‘condições e mesmo, em parte, germes’ do socialismo?”

Em outras palavras, em que medida qualquer iniciativa cujo resultado prático seja a mera atenuação provisória dos conflitos sociais decorrentes do capitalismo podem (de forma processual, como um “meio”) gerar o socialismo? Salvar capitalismo de suas crises concilia-se de qual forma com a sua superação?

Partindo-se da negação das crises estruturais do sistema, toda a teoria de Berstein é desconstruída por Rosa Luxemburgo. No que se refere, por exemplo, aos sindicatos, Rosa resgata passagens importantes do Capital, lembrando que estes são instrumentos de luta por salário e redução da jornada de trabalho, sem incidir absolutamente sobre as relações de produção dadas.

Os sindicatos operam dentro dos marcos do capitalismo, atuam a partir das tendências de valorização e desvalorização monetária da força de trabalho, não incidem sobre a gestão dos meios de produção, não alteram a natureza exploratória do trabalho (valor de troca) no capitalismo. Já as cooperativas, igualmente criticadas por Rosa, ancorada nas análises de Marx, tem como destino sua dissolução frente aos monopólios capitalistas ou a sua conversão em novas empresas capitalistas (pequenas, médias e grandes).

A partir das críticas em torno do programa revisionista, Rosa extrai algumas conclusões importantes. I- Trata-se de um movimento tipicamente pequeno-burguês, relacionando-se particularmente com as aspirações da aristocracia operária; ii- sua orientação filosófica igualmente tem definição pequeno burguesa já que, ao negar a relação indissociável entre a teoria marxista e o projeto revolucionário, adotando uma orientação “eclética”, acaba dando por “científico” aquilo que é típico interesse de classe; iii- o revisionismo é idealista em suas análises econômicas, não levando em consideração as crises capitalistas como parte de sua própria natureza auto-destrutiva e prendendo-se a interpretações meramente impressionistas e empiristas da realidade (ver significado em Bernstein dos monopólios, do militarismo, do protecionismo alfandegário e das sociedades de ações).

Antecipações de Rosa Luxemburgo

É interessante notar como Rosa, ao contrapor o revisionismo à aplicação do método marxista para análise da realidade alemã, antecipa fatos políticos. Ao discutir o significado do militarismo e sua relação com as disputas imperialistas, Rosa acena, com mais de uma década de antecedência, a ocorrência da 1ª Guerra Mundial. Ao discutir o significado da política de créditos, Rosa, ao contrário de Bernstein, vê no fenômeno não uma forma irremediável de adaptação do capitalismo, mas uma fonte de crises futuras – “assim, em vez de um meio de supressão ou atenuação das crises, o crédito, ao contrário, não é senão um meio particularmente poderoso de formação das crises”. A Crise Mundial de 1929 comprovaria na prática o acerto de Rosa e a fragilidade da tese revisionista.

Há uma previsão que, infelizmente, Rosa não acertou. A revolucionária afirma ser o revisionismo de Bernstein uma teoria natimorta, sem qualquer possibilidade de ascensão. Eventualmente, Rosa referia-se à fraqueza do reformismo mais como forma de mobilizar o movimento operário, fazer com que os operários não se deixassem seduzir pelo discurso fácil do reformismo. Seja como for, as críticas teóricas elencadas como manifesto em Reforma e Revolução são hoje bastante atuais. Resgatar Rosa Luxemburgo, para os revolucionários, é uma exigência do momento.

Citação Final

“As relações de produção da sociedade capitalista aproximam-se cada vez mais das reelações de produção da sociedade socialista, mas, inversamente, as relações políticas e jurídicas estabelecem entre a sociedade capitalista e a sociedade socialista um muro cada vez mais alto. Muro este que não é arrasado, antes, porém, reforçado, consolidando pelo desenvolvimento das reformas sociais e da democracia. Por conseguinte, é somente o martelo da revolução que poderá abatê-lo, isto é, a conquista do poder político pelo proletariado”.

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