"As Esquinas Perigosas da História" - Valério Acary
Resenha Livro #26 - “As esquinas perigosas da História: situações revolucionárias em perspectiva marxista” – Valério Acary
“Revoluções são, portanto, um fenômeno histórico que tem como característica definidora mais importante a intervenção ativa das massas na arena política, com uma abrupta elevação da intensidade das lutas de classes e aceleradas mudanças nas relações de forças entre as classes. Por mais aguda que seja a crise econômica, por mais severa as seqüelas das catástrofes sociais, por mais dramática que seja a agonia do regime, sem que as massas entrem em cena não se abre uma situação revolucionária”
Nem sempre as melhores contribuições teóricas para a batalha das ideias correspondem ao lançamento de respostas mais ou menos fechadas acerca da realidade, interpretações esquemáticas do passado que se projetam em formas ortodoxas de se intervir no presente para o futuro. Aliás, de uma maneira geral, nem sempre o mais importante são as respostas. As perguntas antecedem as respostas. Eventualmente, perguntas mal formuladas são a fonte dos erros práticos, políticos ou teóricos. Erros políticos costumam ser comuns. Erros políticos em situações revolucionárias mostraram ser fatais.
O trabalho de Valério Acary é bastante oportuno principalmente por ser capaz de abrir a discussão realizando perguntas. O objeto do estudo do autor é interpretar as revoluções por que passa o mundo ao longo do séc. XX. Não se discute isoladamente as experiências revolucionárias da Rússia (1905-1917), Espanha (1937), Iuguslávia (1945), China (1949), Cuba (1959), França (1968), Portugal (1979) ou Nicarágua (1979). O que se faz é, através das experiências históricas, procurar sistematizar, em primeiro lugar, o que todos estes eventos tiveram de comum, quais foram os pré-requisitos para a explosão e aceleração do tempo histórico decorrente dos momentos revolucionários. Pegunta-se qual foi a participação dos sujeitos coletivos/partidos/movimentos e sua relação com os embates de classe nas revoluções.
Pergunta-se enfim: como podemos dar sentido para os diversos momentos revolucionários ao longo do século de forma a pensarmos, num segundo momento, em algo como as diversas experiências (ainda que fracassadas) servem à luta anti-capitalista.
Levantar perguntas acerca da natureza das classe em luta, os seus horizontes políticos e, talvez a pergunta mais instigante, por que (com exceção de Outubro de 1917), nenhuma revolução alcançou aquilo que L. Trótsky chama de “transcrescimento” (a generalização da socialização dos meios de produção e um movimento de transformação societária numa orientação pós-capitalista) é fonte de controvertidas análises que ainda hoje dividem a esquerda.
As muitas perguntas que o livro levanta, parece-nos, corresponderia a um ponto de partida para um objetivo mais geral do livro de Valério Acary: o desenvolvimento de uma Teoria Geral das Revoluções.
O Papel dos Partidos Políticos
“Nunca existiu uma relação simples – de causa e efeito – entre a crise terminal de um regime e seu colapso revolucionário. Governos com bases sociais de sustentação muito minoritárias podem-se manter por muito tempo. Nenhuma ordem econômico-social desmorona sozinha. Não são as organizações revolucionárias, contudo, que fazem revoluções. Revoluções são feitas pelos sujeitos sociais. A qualidade maior ou menor da representação política das classes exploradas pode acelerar ou retardar uma situação revolucionária e, finalmente, decidir a sorte da revolução. Mas nem o partido mais revolucionário pode substituir o movimento prático de milhões de pessoas mobilizadas. A improvisação da liderança demonstrou-se quase uma regra nas revoluções políticas do último quartel do século XX, sem que fosse, todavia, decisiva. A força irreprimível da luta de massas foi suficiente para derrubar governos tirânicos e regimes ditatoriais, mesmo quando não dispuseram de direções temperadas em décadas de perseverante preparação. A debilidade subjetiva de comando foi, no entanto, fatal em todas as revoluções sociais”.
Destacamos a passagem acima por ela ilustrar, eventualmente, certo posicionamento político acerca dos papeis dos partidos no preparo e direção das massas dentro dos momentos revolucionários: neste ponto controverso, a análise histórica é pertinente, mas nem sempre conclusiva.
Interpretamos a orientação de Acary no sentido de, por um lado, reconhecer os episódios de espontaneidade que perpassam as experiências revolucionárias, assim como o fenômeno da própria produção de lideranças ao longo dos momentos de acentuação dos conflitos. Entretanto, ainda segundo o autor, a ausência de uma direção preparada teve papel “fatal”, no sentido de não fazer com que os diversos “Fevereiros”, que se repetiram nas diversas experiências revolucionárias do século XX, não avançassem em “Outubros”, passando de revoluções meramente políticas (derrubada de tiranias e ditaduras) a revoluções econômico-sociais (extinção da hetero-gestão produtiva, abolição do aparato repressivo-ideológico do estado e construção do socialismo).
Uma pergunta decisiva, aqui, é o de se delimitar os papeis dos sujeitos coletivos, o que, deve ser mesmo antecedido pela pergunta acerca das relações entre partidos políticos e classes sociais. O partido político foi uma expressão política das classes e, definitivamente, a dificuldade dos partidos socialistas imprimirem uma orientação anti-capitalistas aos diversos “fevereiros” é parte da explicação para os fracassos das revoluções. Entretanto, e aqui explicamos o fato da experiência histórica não ser sempre conclusiva, pensamos que os fracassos das experiências autônomas de luta, ativa e coletiva, contra o capitalismo, ainda que derrotadas historicamente, não invalidam as possibilidades da auto-organização, da mesma maneira como não entendemos serem as experiências históricas de burocratização dos partidos socialistas/comunistas uma inevitabilidade essencialista que implicam na negação da forma partido. As duas orientações, parece-nos, chegam a conclusões baseadas em interpretações históricas, não se levando em consideração que a história, ainda que dotada de sentidos, sempre está aberta a novas possibilidades (inclusive, o colapso, ao contrário de certa orientação fatalista acerca da realização da revolução a partir da crise objetiva do capitalismo).
Para dar uma conclusão a esta pequena ponderação, acreditamos que o problema da direção dentro dos projetos de revolução se encerram em formas de organização que tenham capilaridade social, que incidam de maneira a potencializar a capacidade política das massas e o seu senso crítico de maneira a inviabilizar cada vez mais a burocratização. Como afirma Tony Cliff, o que corrompe as organizações políticas não é o poder, mas a impotência, a falta de controle (auto-controle) sobre os partidos e organizações (meios).
Uma bela citação para concluir o artigo
Cumpre ressaltar que Valério Acary escreve muito bem. O seu texto é fluente, claro e é muito prazeroso de ler. Vamos citar uma última e pequena passagem, à guiza de conclusão.
“Quando o proletariado perde o medo ancestral de se rebelar, perde até o medo de morrer, toda a sociedade mergulha em um turbilhão e em uma vertigem da qual não poderá emergir sem grandes convulsões e mudanças. E, se esse sentimento for compartilhado por milhões, então essa força social transforma-se em força material, em uma força material terrível, maior que todos os exércitos, do que as polícias, do que as mídias, as igrejas, maior do que tudo, quase imbatível. Esses momentos são as crises revolucionárias. Que a maioria das revoluções do século XX tenha sido derrotada, não demonstra que não venham ocorrer novas vagas revolucionárias no futuro”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário