“MACUNAÍMA” – MÁRIO DE ANDRADE
Resenha Livro - “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter” – Mário de
Andrade – Ed. Nova Fronteira
Macunaíma foi escrito por Mário de Andrade durante 6 dias ininterruptos,
durante as férias de Dezembro de 1926, numa chácara em Araraquara/SP. Nas
palavras do escritor, uma semana de rede, cigarros e cigarras na Chácara Pio
Lourenço, no meio de mangas e abacaxis.
Ainda nas palavras do autor, o livro nasceu como um brinquedo, sem
qualquer pretensão de estudo do folclore do país:
“Entre alusões sem malvadeza ou sequência desfatiguei o espírito nesse
capoeirão da fantasia onde a gente não escuta as proibições, os temores, os
sustos da ciência ou da realidade – apitos dos polícias, breques por engraxar.
Porém, imagino que como todos os outros o meu brinquedo foi útil. Me diverti
mostrando talvez tesouros em que ninguém não pensa mais.”.
A inspiração da obra partiu da leitura do livro do etnólogo alemão Koch-Gruenberg
chamado “Vom Roraima zum Orinoco”, de onde, inclusive, saiu o nome do
protagonista do nosso romance.
Certamente, a riqueza de detalhes com que a história menciona aspectos da
cultura brasileira, da fauna, da flora, dos mitos, do folclore, dos rituais
religiosos, do palavreado indígena e popular, igualmente decorreram das viagens
que o escritor fez pelo Brasil.
A história de Macunaíma é representativa de aspectos da psicologia
brasileira e da trajetória do país. As aventuras do herói/protagonista envolvem
cenas representativas da formação histórica do Brasil, da fisionomia e da moral
(ou falta dela) do brasileiro.
No segundo prefácio do livro, escrito em 27/03/1928, Mário de Andrade
nega que sua intenção fosse o de contar, ainda que de forma simbólica, a
história do Brasil e os caracteres de sua civilização. Diz expressamente que
não imaginou pretender expressar a cultura nacional, mas, depois do livro
feito, foi que pareceu descobrir nele um sintoma deste brasilianismo.
Em todo o caso, a representação do Brasil se dá não apenas por meio da linguagem,
com a existência de expressões indígenas e neologismos típicos da palavra
falada no Brasil: “fala mansa”, “ólio”, sabiágongá”, “palavras-feias”, “brincar”
(como expressão do ato sexual), “bolo-e-aimpim”, “tem mais não”, entre muitos.
A brasilidade está presente através de fatos representativos presentes na
trajetória de Macunaíma, que encontram
paralelo evidente com a formação brasileira.
A começar pelo fato da vida de Macunaíma consistir num deixar viver. O
que impera nas ações do herói não é um plano definido a ser executado, com
algum método, mas numa existência aberta a tudo o que contingente e caótico.
Ainda que o propósito do herói seja a busca do muiraquitã, mesmo os planos para
a recuperação do tesouro não são executados, diante da prevalência da improvisação.
Ou da preguiça.
Esta falta de rumo não seria uma marca política do Brasil? País que, a
despeito de duzentos anos de sua independência política, ainda se caracteriza pelo
improviso e falta de um fio condutor que o conduza à situação de plena
soberania, aqui entendida também como domínio de seu destino, promotor de alguma
previsibilidade.
O subtítulo do livro diz que Macunaíma é o “herói sem nenhum caráter”.
A ausência de caráter aqui remete a dois sentidos.
Em primeiro lugar, a falta de uma fisionomia física (falta de caracteres
físicos): Macunaíma nasce preto retinto e filho do medo da noite. Ao longo da história,
após contato com uma poça de água mágica, torna-se branco. Por meio de
encantos, muda sua fisionomia em diversas passagens da história, sendo em parte
índio, em parte preto, em parte branco, denotando a especificidade brasileira
da mestiçagem. E a indefinição do fenótipo brasileiro, especialmente se
comparado a povos orientais.
A passagem de Macunaíma da infância para a vida adulta ocorre após a
Currupira jogar uma gamela de caldo envenenado no herói:
“Então pegou na gamela cheia de caldo envenenado de aipim e jogou a
lavagem no piá. Macunaíma fastou sarpatando mas só conseguiu livrar a cabeça,
todo o resto do corpo se molhou. O herói deu um espirro e botou corpo. Foi
desempenando crescendo fortificando e ficou do tamanho dum homem taludo. Porém
a cabeça não molhada ficou pra sempre rombuda e com carinha enjoativa de piá.”.
Um corpo taludo com uma cabeça de criança. Mais uma vez, não estaríamos
aqui diante de uma figuração do Brasil, país da primeira infância, se comparado
às civilizações europeias e asiáticas, cujo vasto território remetem ao corpo
de um adulto?
O segundo sentido atribuído ao caráter mencionado no sub-título é o
moral. Não exatamente numa acepção pejorativa, mas ainda relacionada à infância
do Brasil.
Mas uma vez, válido mencionar a explicação do autor dita no prefácio da
obra:
“O brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização
própria nem consciência tradicional. Os franceses têm caráter e assim os
jorubas e os mexicanos. Seja porque civilização própria, perigo iminente ou consciência
de séculos tenha auxiliado, o certo é
que esses uns têm caráter. Brasileiro (não). Está que nem o rapaz de vinte
anos: a gente mais ou menos pode perceber tendências gerais, mas ainda não é
tempo de afirmar coisa nenhuma.”.
Macunaíma foi dedicado ao historiador paulista Paulo Prado, autor do
livro “Retrato de Brasil (1928).
Neste livro, mal compreendido na sua época, o escritor chega à conclusão
de que o brasileiro é um povo triste. E justifica a sua tese diante de três
aspectos constitutivos da psicologia brasileira: a cobiça, a luxúria e o
sensualismo.
O regime de colonização de exploração, sem povoamento de famílias europeia,
criou as condições para mestiçagem e uma vida desregrada, se comparadas ao
regime colonial de povoamento com forte presença puritana, que preponderou na
américa do norte.
Pode-se dizer que Macunaíma, escrito e publicado na mesma época que o
Retrato do Brasil, é uma expressão literária daqueles três pontos constitutivos
da tristeza brasileira – da busca pelo tesouro Muiraquitã até as “brincadeiras”
de Macunaíma, extrai-se três os alicerces da psicologia brasileira: a luxúria, a
cobiça e o sensualismo.
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