A FILHA DO CAPITÃO – ALEXANDRE PÚCHKIN
Iemelian
Ivanovich Pugachev (Pugachyovskaya, 1742 — Moscovo, 21 de janeiro de 1775) foi
o líder de uma grande rebelião cossaca e camponesa na Rússia (rebelião
Pugachov, 1773 - 1775).
“Na
época em que Púchkin nasceu (1799), o czar que reinava sobre a Rússia anda era
Paulo I, o filho insano de Catarina II, que viria a ser morto dois anos depois
numa conspiração palaciana, da qual tornaria secretamente parte seu filho e
sucessor, Alexandre I. Moscou havia se tornado o centro da vida intelectual e
artística do país. A alta sociedade, que em São Petersburgo gravitava em volta
da Corte, em Moscou, via de regra, entediava-se. Os jovens promissores liam os
imitadores russos de Parny, Rousseau, Racine, Voltaire, enquanto as jovens (e
velhas) suspiravam com romances sentimentais que apareciam aos montes, todos
iguais e de qualidade duvidosa. A mesmice dominava também o cotidiano. De
manhã, praticavam equitação e, à noite, em dias certos da semana, quando não
havia baile ou carteados, frequentavam salões. Os chefes de família cuidavam da
administração de suas propriedades rurais, onde a família passava temporadas
anuais, justamente com numerosa criadagem, parentes, servos e agregados. O
povo, como sempre, sofria”. (BRNARDI, Aurora. “Púchkin e o Começo da
Literatura Rua”. Caderno de Literatura e Cultura Russa. USP).
Aleksandr
Sergeevich Púchkin é aclamado como o maior poeta russo e fundador da moderna
literatura daquele país. Transitou pela poesia lírica e épica, pelo teatro e
pelo romance, sendo tradicionalmente relacionado ao movimento romântico, com
aproximação do realismo, especialmente nas suas obras mais tardias.
Pode-se
dizer que sua importância está para literatura Russa de maneira equivalente ao
papel de Willian Shakespeare para o teatro Inglês. É tido como iniciador da
literatura Russa: inaugurou um novo modelo literário, sem se basear em heranças
ou escolas literárias anteriores, posto que inexistentes na Rússia. Ele se
inspirava na cultura e na poesia popular medieval russa.
O
escritor nasceu em 6 de Junho de 1799 em Moscou. Seu pai era um jovem oficial
da guarda, mal administrador, colérico e atormentado por dívidas. Sua mãe era
neta de Ibraim Hannibal, conhecido como primeiro grande intelectual negro da
história do ocidente. Este bisavó de Puchkin, em 1703, foi capturado e vendido
ao sultão de Constantinopla, que por sua vez o deu de presente ao czar Pedro, o
Grande. O imperador russo adotou Hannibal e o colocou na corte para viver como
seu afilhado, posteriormente o enviado para Paris, onde conclui seus estudos,
se formando em engenharia militar.
Hannibal
conheceu em Paris Voltaire, Montesquieu e Diderot, entre outros pensadores, que
o chamavam de “estrela negra do iluminismo”.
De
modo que não é incorreto dizer que o maior dos poetas russos tinha descendência
africana!
Na
biblioteca do pai, Púchkin leu Plutarco, Homero, La Fontaine, Moliére,
Corneille, Rancine, Diderot e Voltaire. Seguindo um costume da época, aprendeu
francês por meio de seus preceptores, sendo patente a influência da cultura
francesa na Rússia, especialmente no período de Catarina II (1762/1796),
imperatriz com reputação de mecenas das artes e correspondente dos iluministas
Voltaire, Diderot e D’Alambert.
A FILHA DO CAPITÃO
“Não
me porei a descrever nossa Campanha e o fim da guerra. Direi, brevemente, que a
catástrofe chegou ao extremo. Passamos pelos povoados arrasados pelos amotinados
e, a contragosto, tirávamos dos pobres habitantes o que tinham conseguido
salvar. O governo estava paralisado por toda a parte: os latifundiários escondiam-se
nas florestas. As corjas de bandidos faziam o mal por toda a parte; os chefes
de destacamentos isolados puniam e perdoavam despoticamente; o estado de toda a
ampla região em que o incêndio grassava era horrível... Que Deus não permita
ver a revolta russa, insensata e implacável.”.
O
romance “A Filha do Capitão” se passa no reinado de Katarina II (1762/1796),
imperatriz russa que revitalizou o seu país mediante vitórias militares e êxitos
em política externa, como a anexação da Crimeia e vitórias nos campos de
batalha contra o Império Turco Otomano. Além disso, como já dito, esta Imperatriz
valorizou as artes, literatura e a educação. O Museu Hermitage, que ainda pode
ser visitado nos dias de Hoje em São Petersburgo, começou com a coleção de arte
particular de Katarina II.
O
livro retrata fatos históricos da Rússia, mais precisamente a rebelião do Líder
cossaco Iemelian Pugachev.
A
história é contada em primeira pessoa por Piotr Andreivitch, um filho de
militar oriundo da região de Simbirsk, que desde o ventre da mãe foi alistado como
sargento de regimento da czarina.
Aos
dezesseis anos, o protagonista é enviado para o exército, quando é remetido para
uma remota fortaleza Russa, onde conhece Mária Ivanova, a filha do capitão e
chefe militar do local. A história descreve o amor entre Piotr e Mária, cuja
relação encontrará todo tipo de percalços e aventuras decorrente das guerras levadas
a cabo contra levantes cossacos.
Ainda
que a literatura de Púschkin esteja situada nos marcos do romantismo, o seu
texto prima pela objetividade e realismo, que possibilitam ao leitor conhecer
em detalhes os levantes camponeses russos, levadas a cabos por povos tártaros e
quirques.
“Nesse
momento, detrás de uma colina que se encontrava a meia vesta da fortaleza,
assomaram novos grupos a cavalo, e logo se alastrou na estepe uma quantidade de
homens armados de lanças e arcos. Entre eles, em um cavalo branco, ia um homem
de cafetã vermelho, com sabre desembanhado na mão: era Pugatchov.”
Ao
invadirem as fortalezas militares, os cossacos saqueavam as casas, enforcavam
os líderes militares e faziam farras regadas a álcool. A população simples do
local acabava por aderir aos revoltosos, seja pela coação seja pela simpatia
que nutriam por camponeses que subvertiam o regime social baseado em diferenciações
entre nobreza e povo.
O
historiador britânico Eric Hobsbawm cunhou o conceito de “banditismo social”,
que é plenamente aplicável ao levante cossaco descrito por Púschkin.
Não são exatamente delinquentes comuns que
cometem crimes para seu próprio proveito. O banditismo social é um fenômeno
relacionado às sociedades camponesas pré-capitalistas e que costumam se
acentuar em momentos de desagregação, como guerras, rivalidades locais
relacionadas a disputas familiares, a fome ocasionada por má colheita ou mesmo
o próprio desenvolvimento do capitalismo com a consolidação de Estados
Nacionais e a modificação forçada do modos de vida milenares, incluindo a
desintegração familiar.
Diante
de tais condições objetivas o fenômeno do banditismo social tem o condão de surgir
e, o que é particularmente interessante, aparece ao longo da história em todos
os cantos do mundos.
Os
cossacos de Pugatchov não são muito diferentes dos bandoleiros dirigidos por
Lampião no Brasil. Sem uma consciência política mais apurada, se revoltam
contra a elite local, e praticam saques, roubos, incêndios e assassinatos.
No
romance, ainda que Pugarschov apareça como um vilão, existe uma certa simpatia
entre o algoz e o protagonista, que luta nos exércitos de Katarina II, mas de
alguma forma reconhece a nobreza e coragem de camponeses que se levantavam,
ainda que inconscientemente, contra o regime da servidão.
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