sexta-feira, 15 de maio de 2020

Poder e Contrapoder na América Latina



“Poder e Contrapoder na América Latina” – Florestan Fernandes



Resenha Livro - “Poder e Contrapoder na América Latina” – Florestan Fernandes – Ed. Expressão Popular

A Editora Expressão Popular, que mantém relação orgânica com o MST, vem cumprindo um papel importante de divulgação dos trabalhos do sociólogo paulista Florestan Fernandes. Pela editora foi publicado “A Contestação Necessária” que conta com pequenos ensaios do intelectual sobre personalidades ligadas ao pensamento crítico da América Latina, como Caio Prado Jr., Mariátegui e José Martí.

“Da Guerrilha ao Socialismo: a Revolução Cubana”, também publicado pela editora em 2007/2012, é estudo resultado de aulas que Florestan ministrou junto ao centro acadêmico de ciências sociais da USP sobre a Revolução de 1959. Este estudo tem um interesse especial especialmente quanto aos seus primeiros capítulos onde se propõe a fazer um resgate histórico de Cuba, desde os tempos coloniais.

Finalmente, foi publicada em 2012 a 2ª Edição deste “Poder e Contra Poder Na América Latina” que abrange três ensaios escritos entre os anos de 1971-1981 sobre temas como: a revolução burguesa interrompida na América Latina; o congelamento da descolonização e os dilemas táticos e estratégicos dos trabalhadores e sua organizações; o problema de guerrilha, que não esgotou suas possibilidades na América Latina com o triunfo da revolução cubana; e o problema do fascismo e sua concretização nos regimes contrarrevolucionários de diversos países entre as décadas de 1960-70.  

PODER E CONTRA PODER NA AMÉRICA LATINA

“Sob o capitalismo dependente a burguesia não pode liderar a revolução nacional e democrática. Ela leva a alteração da ordem interna até certo ponto. Em seguida, terá de sufocar as pressões de baixo para cima, ou seja, deter ou mesmo corromper a revolução nacional e a revolução democrática. Além do limite histórico definido pela “estabilidade da ordem”, qualquer socialização nacional e democrática do poder político e do Estado terá de significar, fatalmente, destruição da sociedade burguesa e transição para o socialismo”.

Um dos aspectos salientados por Florestan Fernandes que dá  especificidade à sociologia da América Latina é a relativa debilidade das Burguesias Nacionais, incapazes que concretizar a Revolução Burguesa do mesmo modo como se procedeu nos países do capitalismo central. Neste sentido, uma de suas críticas direciona-se a certa orientação etapista que atribui como tarefa dos oprimidos a realização da revolução democrática nos marcos do capitalismo, não levando em consideração que foi a própria evolução histórica do capitalismo na América Latina que engendrou a chamada “paralisia da descolonização”.

A descolonização da América Latina foi congelada por estas mesmas elites, ciosas de manter sua dominação econômica herdada do período colonial. A descolonização neste caso representou apenas a ruptura política e institucional junto à metrópole, com a manutenção geral da estrutura geral sócio econômica.

A revolução burguesa em seu sentido tradicional envolve a revolução agrária, urbana, industrial, nacional e democrática. Ora nada disso se observou nos países da América Latina, mesmo no contexto das guerras de independência dos países da América Espanhola.

Florestan destaca como as burguesias latino-americanas são débeis e extremamente egoístas em termos de manutenção de privilégios e poder. A burguesia na América Latina, além de dependente em sua origem dos países centrais, é constantemente esterilizada pelas pressões do imperialismo.

Aqui, na América Latina, as relações entre Estado e Nação não foram as mesmas que no Velho Continente. No Brasil é bastante nítido como o estado independente resultado dos eventos políticos de 1822 antecedeu em muito[1] à constituição da nacionalidade brasileira. Tanto o é que naquela conjuntura da independência os indivíduos viam a si mesmos  não como brasileiros, mas como paulistas, pernambucanos, baianos, etc. As províncias do norte se sentiam muito mais imanadas com a metrópole portuguesa do que junto às autoridades régias do Rio de Janeiro. Por isso reagiram contra a independência.

Neste contexto, as elites que conduziram a emancipação política não tinham e não têm interesse de levar à independência política para os níveis da independência econômica, social e cultural. O que se observa até o presente momento, de acordo com Florestan Fernandes, variáveis situações de dependência: países de capitalismo colonial, neocolonial e capitalismo dependente.

As burguesias, por sua vez, tomaram, por outro lado, os Estados Nacionais de assalto e transformaram-no no bastião da contrarrevolução.

“Sob o capitalismo dependente a revolução burguesa é um produto da articulação entre centro e periferia, em nome de uma confluência de interesses conservadores, internos e externos. Ultrapassado o limite em questão, essa “revolução burguesa em atraso” seria prejudicial ao desenvolvimento capitalista e ao controle burguês da sociedade, da dinâmica da cultura e do funcionamento do Estado. Ir além equivaleria a ‘provocar o diabo’, isto é, ‘cutucar o Povo com a vara curta’, ‘despertar a Nação’, desencadear uma ‘mudança incontrolável”.

Neste contexto, o segundo ensaio do livro “Os Movimentos de Guerrilha Contemporâneos e a Ordem Política na América Latina” (1971) aparece com uma atualidade inusitada.

Mesmo dentro da esquerda parece ter sido criado um senso comum que busca “datar” as guerrilhas, além de estabelecer com a crítica ao “foquismo” a suposta inviabilidade absoluta das guerrilhas.

Florestan encara o fenômeno como um traço particular da luta de classes na América Latina. A guerrilha em primeiro lugar cumpre um papel decisivo de aproximação do socialismo às questões locais, uma tarefa que os partidos de esquerda e sindicatos ainda mantêm dificuldades em concretizar. A guerrilha é uma atividade de contraviolência, uma resposta não só às iniquidades sociais mas principalmente à violência institucional. A proposta da guerrilha segue em vigência como forma de contribuição direta e indireta para as mudanças substanciais em um ou mais países:

“Em um período de confrontação violente, a guerrilha torna-se mais do que uma linha divisória entre verdadeiros e falsos revolucionários. Ela é uma via que se abre para formas mais complexas de guerra revolucionária e, portanto, para uma nova sociedade”.


[1] Na nossa opinião, este intervalo de tempo é de 100 anos, da Semana de 1922 até à Revolução de 1930.

Um comentário:

  1. Meu caro Paulo, como está?

    Florestan é um dos grandes autores brasileiros que se pergunta a respeito do atraso social e econômico da América Latina e que traz respostas muito difíceis de serem superadas.

    De toda forma, não só o etapismo, como a inconformidade com a inércia quanto ímpetos revolucionários das classes na América Latina, parecem-me um problema criado a partir da transposição de condições econômicas e sociais havidas em outros países para cá. E, com isso, buscando o mesmo resultado.

    Mas veja: a América Latina é sobretudo uma parte europeia da América. E mais de tradição ibérica. A religião católica norteadora da cultura latino americana não só se contrapõe à revolução e à ideologia, como à economia de mercado e o modo de vida americano.

    Cobrar a revolução popular, a burguesa, dos latino americanos é algo que vai contra sua cultura. temos uma cultura missionária, evangelizadora e conquistadora por excelência. Talvez seja por aí que devamos nos libertar dos grilhões colonialistas.

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