“História
do Partido Comunista (Bolchevique) da URSS” – Parte I
Resenha
Livro - “História do Partido Comunista (Bolchevique) da URSS” – Edições Centro
Cultural Manoel Lisboa Pernambuco – Brasil – 1999
A
trajetória do Partido Comunista da URSS envolve a descrição não só da história
propriamente dita daquela organização política, mas da evolução histórica da
Rússia, das Revoluções de 1905 e 1917, bem como da principal liderança do
partido, V. I. Lênin.
De
fato, é impossível compreender os contornos e o desenvolvimento do PC(b) sem
passar pelos debates da social democracia russa em contextos históricos
diferentes, o que por sua vez suscita problemas específicos de cada momento.
Qual é o papel do campesinato na revolução russa? Qual é a natureza do partido
e quem dele pode fazer parte? Qual é o significado da guerra imperialista e
qual deve ser a política da social democracia russa frente aos eventos? Foram
em torno de questões objetivas como estas que se foi temperando e delimitando
ao longo do tempo a orientação política do PC(b), contando sempre com a
decisiva participação de seu mais alto dirigente.
Assim,
o PC(b) depurou-se ao longo do tempo a partir dos debates suscitados em face
dos populistas, dos economistas, dos mencheviques (a partir do II Congresso do
P.O.S.D.R). Isto para não falar das polêmicas com o movimento comunista
internacional, com os revisionistas alemães e com o ultraesquerdismo. Nesta depuração, prevaleceu a liderança de
Lênin que via nas encarniçadas disputas dentro da social democracia russa e
mundial algo de positivo na medida em que os conflitos potencializavam a
diferenciação em campos distintos, ora da reforma, ora da revolução.
Como
se sabe a Revolução Russa de 1917 confiscou as terras, fez a reforma agrária,
estatizou o comércio exterior e expropriou os capitalistas. A tomada do poder
pelos bolcheviques em Outubro por outro lado é produto de uma história sinuosa:
prevaleceu em todo caso o ponto de vista leninista da organização partidária
segundo a qual o partido é o destacamento avançado da classe.
O
partido leninista é o destacamento de vanguarda, consciente, armado do
conhecimento das leis do desenvolvimento da vida social e por isso capaz de
guiar a classe operária, de dirigir-lhe a luta. Nas palavras do próprio Lênin:
“O
proletariado não possui outra arma em sua luta pelo poder senão a organização.
Dividido pela concorrência anárquica reinante no mundo burguês, acabrunhado por
um trabalho servil para o capital, lançado constantemente “aos abismos” da
miséria negra, de uma selvagem incultura e da degenerescência, o proletariado
não pode tornar-se – e não se tornará inevitavelmente – uma força invencível
senão porque sua união ideológica baseada nos princípios do marxismo é
cimentada pela unidade material da organização que agrupa os milhões de
trabalhadores num exército da classe operária. A esse exército não poderão
resistir nem o poder decrépito da autocracia russa, nem o poder em decrepitude
do capital internacional”.
Compreender
a evolução história da organização política dos trabalhadores da Rússia implica
também considerar as características específicas da Rússia czarista, país em
que o desenvolvimento do capitalismo coincide com a manutenção de relações
sociais anacrônicas. A Rússia era um bastião da reação europeia antes da
revolução e ao mesmo tempo o elo frágil da cadeia imperialista: a classe
operária recém desenvolvida situava-se em alguns poucas cidades de forma cada
vez mais numerosa e concentrada, potencializando os conflitos. Importante
salientar que apenas em 1861 houve a abolição da servidão na Rússia. Com o fim
da servidão há a expansão do capitalismo na Rússia, com a liberação de mão de
obra oriunda do campo. A prática de castigos corporais naquele país está
vigente na legislação até 1908. O czarismo organiza progrons de judeus e
matanças entre tártaros e armênios.
A
Rússia antes da revolução vive uma
situação de atraso brutal o que, somado ao rápido progresso industrial a partir
dos anos de 1890, irá culminar em greves, insurreições populares e até
insubordinação das forças armadas pelo menos desde a guerra Russo-Japonesa
(1904-1905), bem como na I Guerra Mundial, conflito que é uma das chaves
explicativas da própria Revolução Russa.
As
primeiras greves operárias na Rússia datam de 1870-1880. A primeira organização
operária noticiada nesta obra deu-se em Odessa em 1875. Alguns anos depois, em
1883, surgiria o primeiro grupo marxista naquele país, a “Emancipação do
Trabalho”. O grupo é dirigido por Plekhanov e desenvolve trabalho de tradução e
disseminação clandestina das obras marxistas na Rússia. Em oposição ao marxismo
há os populistas (organização “Narodnaia Volia”) que entendem que a classe
revolucionária de vanguarda não é o proletariado mas os camponeses. Para os populistas a força principal da
revolução são os camponeses dirigidos por intelectuais e a comuna camponesa é o
gérmen ou a base do socialismo. Ademais, os populistas entendiam que o advento
do capitalismo na Rússia era um fato fortuito e não o resultado de um
desenvolvimento histórico definitivo, como viria Lênin a demonstrar de maneira
inequívoca nos seus estudos sobre o desenvolvimento do capitalismo na Rússia.
Os
populistas são o primeiro grupo que se opõe as teses marxistas suscitando
aquela depuração a que nos referimos acima. Além dos populistas surgem os chamados
marxistas legais, dirigidos por Piotr Struve, que fazem um revisionismo do
marxismo retirando seu conteúdo revolucionário e adaptando-o aos interesses da
burguesia liberal.
O
surgimento remoto do PC(b) dá-se em 1898 com o 1º Congresso do P.O.S.D.R. Lênin
tinha então 28 anos e não pode participar pessoalmente por estar preso e
deportado na Sibéria. No congresso já surge a luta ideológica contra o
populismo, o marxismo legal e os economistas, estes últimos defendendo a
redução da luta dos trabalhadores em torno das questões sindicais, renunciando
à meta de derrotar o czarismo. Lênin e posteriormente os iskristas (1900) demonstram
que o melhor do melhor do sindicalismo representa uma tragédia para a social
democracia russa uma vez que com vitórias em nível sindical a manutenção do
czar no poder permanece garantida. Outra polêmica que seria mais detidamente
suscitada na obra “O Que Fazer” (1902) é a crítica ao chamado método artesanal
de trabalho partidário. O desafio da organização naquele momento para Lênin e
seus camaradas era superar a dispersão de células partidas pulverizadas e estabelecer
uma unidade de ação, de disciplina e de ideologia.
No
II Congresso do P.O.S.D.R verifica-se a divisão entre Mencheviques (minoria) e
Bolcheviques (maioria). Trótsky nesta ocasião apoia Martóv e o grupo
Menchevique. Na polêmica, mais uma vez, há a questão da organização partidária:
para ser militante do partido é necessário
que cada indivíduo esteja necessariamente filiado a uma organização, defendem
os iskristas. O partido afinal é a forma mais elevada de organização
proletária, não bastando o mero apoio do programa para o militante ser
considerado membro do partido.
Nesta resenha analisamos o desenvolvimento do
Partido Comunista Bolchevique da Rússia considerando os antecedentes históricos
daquele país e as polemicas da social democracia antes da revolução. Na próxima
resenha será abordada de forma mais detida a intervenção partidária dos
comunistas nas Revoluções de 1905 e 1917.
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