sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

“História do Partido Comunista (Bolchevique) da URSS” – Parte I


“História do Partido Comunista (Bolchevique) da URSS” – Parte I



Resenha Livro - “História do Partido Comunista (Bolchevique) da URSS” – Edições Centro Cultural Manoel Lisboa Pernambuco – Brasil – 1999

A trajetória do Partido Comunista da URSS envolve a descrição não só da história propriamente dita daquela organização política, mas da evolução histórica da Rússia, das Revoluções de 1905 e 1917, bem como da principal liderança do partido,  V. I. Lênin.

De fato, é impossível compreender os contornos e o desenvolvimento do PC(b) sem passar pelos debates da social democracia russa em contextos históricos diferentes, o que por sua vez suscita problemas específicos de cada momento. Qual é o papel do campesinato na revolução russa? Qual é a natureza do partido e quem dele pode fazer parte? Qual é o significado da guerra imperialista e qual deve ser a política da social democracia russa frente aos eventos? Foram em torno de questões objetivas como estas que se foi temperando e delimitando ao longo do tempo a orientação política do PC(b), contando sempre com a decisiva participação de seu mais alto dirigente.  

Assim, o PC(b) depurou-se ao longo do tempo a partir dos debates suscitados em face dos populistas, dos economistas, dos mencheviques (a partir do II Congresso do P.O.S.D.R). Isto para não falar das polêmicas com o movimento comunista internacional, com os revisionistas alemães e com o ultraesquerdismo.  Nesta depuração, prevaleceu a liderança de Lênin que via nas encarniçadas disputas dentro da social democracia russa e mundial algo de positivo na medida em que os conflitos potencializavam a diferenciação em campos distintos, ora da reforma, ora da revolução.

Como se sabe a Revolução Russa de 1917 confiscou as terras, fez a reforma agrária, estatizou o comércio exterior e expropriou os capitalistas. A tomada do poder pelos bolcheviques em Outubro por outro lado é produto de uma história sinuosa: prevaleceu em todo caso o ponto de vista leninista da organização partidária segundo a qual o partido é o destacamento avançado da classe.

O partido leninista é o destacamento de vanguarda, consciente, armado do conhecimento das leis do desenvolvimento da vida social e por isso capaz de guiar a classe operária, de dirigir-lhe a luta. Nas palavras do próprio Lênin:

“O proletariado não possui outra arma em sua luta pelo poder senão a organização. Dividido pela concorrência anárquica reinante no mundo burguês, acabrunhado por um trabalho servil para o capital, lançado constantemente “aos abismos” da miséria negra, de uma selvagem incultura e da degenerescência, o proletariado não pode tornar-se – e não se tornará inevitavelmente – uma força invencível senão porque sua união ideológica baseada nos princípios do marxismo é cimentada pela unidade material da organização que agrupa os milhões de trabalhadores num exército da classe operária. A esse exército não poderão resistir nem o poder decrépito da autocracia russa, nem o poder em decrepitude do capital internacional”.  

Compreender a evolução história da organização política dos trabalhadores da Rússia implica também considerar as características específicas da Rússia czarista, país em que o desenvolvimento do capitalismo coincide com a manutenção de relações sociais anacrônicas. A Rússia era um bastião da reação europeia antes da revolução e ao mesmo tempo o elo frágil da cadeia imperialista: a classe operária recém desenvolvida situava-se em alguns poucas cidades de forma cada vez mais numerosa e concentrada, potencializando os conflitos. Importante salientar que apenas em 1861 houve a abolição da servidão na Rússia. Com o fim da servidão há a expansão do capitalismo na Rússia, com a liberação de mão de obra oriunda do campo. A prática de castigos corporais naquele país está vigente na legislação até 1908. O czarismo organiza progrons de judeus e matanças entre tártaros e armênios.

A Rússia  antes da revolução vive uma situação de atraso brutal o que, somado ao rápido progresso industrial a partir dos anos de 1890, irá culminar em greves, insurreições populares e até insubordinação das forças armadas pelo menos desde a guerra Russo-Japonesa (1904-1905), bem como na I Guerra Mundial, conflito que é uma das chaves explicativas da própria Revolução Russa.

As primeiras greves operárias na Rússia datam de 1870-1880. A primeira organização operária noticiada nesta obra deu-se em Odessa em 1875. Alguns anos depois, em 1883, surgiria o primeiro grupo marxista naquele país, a “Emancipação do Trabalho”. O grupo é dirigido por Plekhanov e desenvolve trabalho de tradução e disseminação clandestina das obras marxistas na Rússia. Em oposição ao marxismo há os populistas (organização “Narodnaia Volia”) que entendem que a classe revolucionária de vanguarda não é o proletariado mas os camponeses.  Para os populistas a força principal da revolução são os camponeses dirigidos por intelectuais e a comuna camponesa é o gérmen ou a base do socialismo. Ademais, os populistas entendiam que o advento do capitalismo na Rússia era um fato fortuito e não o resultado de um desenvolvimento histórico definitivo, como viria Lênin a demonstrar de maneira inequívoca nos seus estudos sobre o desenvolvimento do capitalismo na Rússia.

Os populistas são o primeiro grupo que se opõe as teses marxistas suscitando aquela depuração a que nos referimos acima. Além dos populistas surgem os chamados marxistas legais, dirigidos por Piotr Struve, que fazem um revisionismo do marxismo retirando seu conteúdo revolucionário e adaptando-o aos interesses da burguesia liberal.

O surgimento remoto do PC(b) dá-se em 1898 com o 1º Congresso do P.O.S.D.R. Lênin tinha então 28 anos e não pode participar pessoalmente por estar preso e deportado na Sibéria. No congresso já surge a luta ideológica contra o populismo, o marxismo legal e os economistas, estes últimos defendendo a redução da luta dos trabalhadores em torno das questões sindicais, renunciando à meta de derrotar o czarismo. Lênin e posteriormente os iskristas (1900) demonstram que o melhor do melhor do sindicalismo representa uma tragédia para a social democracia russa uma vez que com vitórias em nível sindical a manutenção do czar no poder permanece garantida. Outra polêmica que seria mais detidamente suscitada na obra “O Que Fazer” (1902) é a crítica ao chamado método artesanal de trabalho partidário. O desafio da organização naquele momento para Lênin e seus camaradas era superar a dispersão de células partidas pulverizadas e estabelecer uma unidade de ação, de disciplina e de ideologia.

No II Congresso do P.O.S.D.R verifica-se a divisão entre Mencheviques (minoria) e Bolcheviques (maioria). Trótsky nesta ocasião apoia Martóv e o grupo Menchevique. Na polêmica, mais uma vez, há a questão da organização partidária:  para ser militante do partido é necessário que cada indivíduo esteja necessariamente filiado a uma organização, defendem os iskristas. O partido afinal é a forma mais elevada de organização proletária, não bastando o mero apoio do programa para o militante ser considerado membro do partido.

Nesta resenha analisamos o desenvolvimento do Partido Comunista Bolchevique da Rússia considerando os antecedentes históricos daquele país e as polemicas da social democracia antes da revolução. Na próxima resenha será abordada de forma mais detida a intervenção partidária dos comunistas nas Revoluções de 1905 e 1917.

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