domingo, 28 de dezembro de 2014

“A Vida de Lênin” – Pierre Chasles

“A Vida de Lênin” – Pierre Chasles 

Resenha Livro #142– “A Vida de Lênin” – Pierre Chasles – Ed. Diefel Difusão Editorial AS




O ofício do historiador está muito distante das expectativas de certa escola desta disciplina há seu tempo, em fins do século XIX, quando, desde o ponto de vista do positivismo, pensavam fazer da História uma ciência positiva, neutra, imparcial. “Die geshichte wie es eigentlich gewesen hat” diria o historiador alemão Leopold Von Rank, ou seja, descrever a “História de fato como ela aconteceu”, como se houvesse uma versão verdadeira e única a ser relatada sobre o passado. 

O fato é que o historiador está sujeito a sua visão social de mundo que irá condicionar desde o seu objeto de estudo, a forma como irá pesquisar, os posicionamentos pessoais mais ou menos conscientes que irá tomar diante daquilo que não só relata, mas interpreta sobre o passado. 

A questão da subjetividade do historiador dentro de suas pesquisas encontra lugar decisivo nas biografias, especialmente quando falamos de personagens com papel de relevância decisiva na história. Não é nossa intenção aqui discutir aqui o interessante tema da filosofia da história referente à relação entre o indivíduo e a história. Mas se sabe que raramente em alguns momentos – geralmente nas conjunturas em que os ritmos históricos aceleram-se em detrimento de contextos revolucionários – lideranças pessoais projetam-se à frente dos acontecimentos. 

Se por um lado tais lideranças encarnam as inquietações latentes de uma situação pré-existente – que na Rússia de Lênin dizia respeito ao cansaço dos soldados com a Guerra, a fome no campo e o ódio diante de um regime político corrupto profundamente impopular – de outro lado estas lideranças conseguem agir como vanguarda, se adiantam perante a história e por isso acabam se projetando. Está fora de dúvida que qualidades pessoais de um Lênin ou de um Fidel Castro quanto à leitura dos acontecimentos o colocaram na crista da onda da história.

A questão para o historiador aqui é que nos casos das biografias destes personagens que em si contêm muito de controverso acerca do resultado político de sua intervenção na história, um trabalho biográfico incorre no risco não científico ora de cair na mera adoração de um ídolo, sem observar as críticas e erros, desde, utilizando um termo de Lênin, uma análise concreta da situação concreta, ou o extremo oposto, não o da apologia, mas a do franco ataque ao personagem e por conseguinte o da sua política. 

Pierre Chasles não é simpático ao pensamento político de Lênin. Considera-o,  e faz questão de repeti-lo a todo momento, um ditador. Entretanto, sua biografia pode ser localizada numa zona intermediária entre aqueles dois extremos, não deixando de ser útil a sua leitura. 

Primeiro pela informações factuais acerca da vida de Lênin – trata-se de um livro objetivo em que o leitor tem uma breve visão panorâmica de toda a trajetória do dirigente bolchevique: da sua juventude em Simbirski; do assasinato do seu irmão Alexandre em 1887, este ativista populista que por métodos terroristas desejava por fim ao czarismo influenciando decisivamente o irmão mais novo;   da entrada na Universidade de Direito de Kazan e de sua expulsão em 4 meses de curso (1887) por participação em rebeliões estudantis, sendo a partir dos 17 anos o engajamento definitivo de Lênin à causa da luta de classes, o que logo o levaria à prisão (1895), à Sibéria (1896) e aos longos anos de exílio. 

Em segundo lugar, vale a leitura desta biografia “não simpática” à Lênin pela honestidade intelectual do autor: 

Pierre Chasles não oculta o seu não alinhamento às ideias políticas de Lênin o que não significa deixar de reconhecer em diversos momentos a verdade acerca de sua importância na revolução como dirigente e imediatamente após a tomada de poder já na condição de líder supremo do Partido. A disciplina de Lênin nos estudos, a sua seriedade e o seu não oportunismo político. O que queremos dizer é: temos aqui um adversário político do leninismo honesto que reconhece as muitas virtudes pessoais de Lênin. 

E assim nos é narrada de forma sucinta os principais fatos políticos referentes à vida de Lênin, dados preciosos para se conhecer, e aqui há mesmo o reconhecimento de um biógrafo antipático à causa esposada por Lênin, um indivíduo profundamente cordial nas relações pessoais mas que acima do pessoal colocará sempre as relações políticas, que vive em função da luta e da revolução, que trabalhará exaustivamente em função de um objetivo único: destruir o capitalismo, construir o socialismo.

 Nas palavras do escritor e amigo pessoal Górki: 

“Parece-me que a pessoa humana lhe é quase indiferente: ele apenas pensa em partidos, nas massas, nos estados...”

Certamente esta passagem seria explorada pelo biógrafo para atestar algumas teses burguesas próprias do senso comum. Lênin seria um ditador “cruel” que colocaria sempre os fins acima dos meios. Em algumas passagens o autor chega ao ponto de acusar Lênin de, na sua fúria revolucionária, ser um adorador da destruição nos mesmos termos de Dostoiévisky e Bakunin. Quer dizer, é preciso deixar de lado portanto as opinião pessoais extravagantes do biógrafo– aparentemente um democrata liberal  - e, com o livro, se ater à história pessoal do dirigente soviético.

De outra forma, esta leitura deixa como reflexão os desafios criados para o historiador que se desafia a tratar de temas da biografias de homens que mudaram a história de forma decisiva: Lênin, Lutero, Napoleão, Hitler. 

Perscrutar a história sem veleidades de imparcialidade, com honestidade intelectual, sem apriorismos, desde o melhor método científico para tanto, o materialismo histórico, são o ponto de partida para a execução de uma boa biografia. 


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