terça-feira, 6 de agosto de 2013

“Marxismo” – André Piettre


 
Resenha Livro # 67 “Marxismo” – André Piettre – Ed. Zahar – 3ª Edição



 
 
André Piettre é um acadêmico francês, professor das Faculdades de Direito e Ciências Econômicas pela Universidade de Paris dos anos de 1960. Este livro corresponde a um grande manual do marxismo, identificado, logo ao início do trabalho, como uma corrente particular de um movimento mais amplo, genericamente entendidos como “socialista” que abrange: (i) “o socialismo romântico”, nas palavras do professor, ou, conforme Marx, ao socialismo utópico  essencialmente franco—inglês, de matriz sentimental e imaginativa, propondo sociedades do futuro, dos falanstérios de Fourier às colônias comunistas de Cabet; (ii) o socialismo democrático (reformismo) que tem como estratégia utilizar a democracia parlamentar como meio de se alcançar o socialismo. Tal corrente encontra correspondentes em J. Jaurès e Léon Blum pelo Partido Socialista na França, a social-democracia alemã e o trabalhismo inglês; (iii) finalmente o marxismo, denominado por seus autores como socialismo científico, em oposição ao socialismo utópico que pretende construir à margem da totalidade social experiências práticas de construção de sociedade igualitárias, bem como a estratégia reformista que perde de seu horizonte a revolução e a tomada violenta do poder político das mãos das classes dominantes pelo proletariado.

 

“Marxismo” é um grande manual acerca dos aspectos da filosofia, da economia política e da ação política em Marx e nas experiências históricas subsequentes decorrentes desta orientação teórico-metodológica e, simultaneamente, horizonte de ação política.  Há inicialmente uma breve exposição do contexto de vida de Marx e Engels de forma a situar historicamente suas ideias e dar um panorama de qual era a situação política europeia frente ao desenvolvimento das ideias marxistas. Por meio de tal relato, chega-se a uma primeira síntese, que será analisada detalhadamente nos capítulos subsequentes, justamente dos termos mais essenciais do marxismo. São eles, mais uma vez:

 

“1º (O marxismo) como um panorama geral da história humana (sua filosofia); 2º como uma aplicação mais particular desse panorama geral ao regime capitalista (sua economia); 3º Como um previsão originada das contradições deste regime, de uma inelutável transformação social (sua revolução)”.

 

O que há de mais interessante no trabalho, nesse sentido,  é a sua o cortejar as expressões filosóficas, econômicas e políticas do marxismo frente à sua realização prática àquela conjuntura. Escrito em meados dos anos de 1960, o livro dedica cerca de metade de seu volume analisando a evolução econômica, a sociedade, a política e particularmente a relação entre estado e partido da URSS daqueles anos.

Aqui, não há espaço para neutralidade. Ao final do livro, o autor faz uma síntese que expressa seu posicionamento acerca do problema do socialismo real e das democracias populares do leste europeu. O intelectual tem autonomia para apontar falhas objetivas no regime de planificação econômica, como a falta de abastecimento de produtos, o desperdício frente à burocratização e à introdução de técnicas de matriz capitalista na produção econômica supostamente nova. Fato notório é que o próprio Lênin aprovava o taylorismo e defendeu a aplicação deste método de produção na URSS, particularmente frente ao enorme desafio da construção do comunismo (uma sociedade de abundância) em um país que realizou sua revolução socialista em meio a um desenvolvimento ainda incipiente do capitalismo, dependente de avanços tecnológicos significativos e de maior rendimento da produção tanto na cidade como no campo. Ao final Piettre busca fazer uma síntese que revela ao leitor como o autor se situa politicamente nestas discussões.

 

“Frêmito apaixonado, o marxismo aprendeu, como uma intuição profunda, as grandes esperanças de nossa época. Tentou ultrapassar a visão puramente mecanicista dos fatos econômicos. Apresentou-se como um “humanismo acabado” – revestindo assim seu materialismo original com encantos tirados de uma força “mística”.

 

Mas por isso mesmo não escapou aos erros de suas premissas. No momento mesmo, com efeito, em que proclamava o principado do homem-trabalhador, Prometeu acorrentado, sobre o mundo material, colocava a matéria no coração mesmo do homem. Não exaltava senão para limitá-lo. E foi por isso que seu humanismo truncado aderiu por fim ao desumanismo que denunciava. Sua mística ribombou, por assim dizer, no materialismo.

 

Era inevitável. Quando se procurava resolver o destino do homem estritamente na e pela, economia, corre-se o risco de fazer desta uma finalidade dominante. Acredita-se que produzindo muito é possível “libertar” o homem da matéria, e obriga-se o homem a produzir cada vez mais! O infinito que é recusado é transferido para as coisas. Tanto isso é exato, que, como já se disse, o absoluto não poderia ser extirpado, pode apenas ser degradado. Se recusarmos essa lógica fatal, é necessário dar uma nova fé e uma nova justiça ao mundo.

 

Que se o compreendam bem, com efeito. Em vão, denunciarão as contradições do marxismo, em vão o combaterão pelo espírito ou pelas armas: se os países livres não aplicam todas as suas forças para edificar uma sociedade mais digna de seu próprio ideal, se continuam a desenvolver uma economia de conforto, de riqueza, isto é, de “desperdício”, enquanto persistem entre eles e em torno deles misérias humanas, seus protestos não serão senão “címbalos sonoros”. (P. 236)

 

Com efeito, observa-se que o autor identifica os países “livres” como as democracias-liberais capitalistas, em contraponto à URSS e às Democracias Populares. Reconhece nas experiências do socialismo real um legítimo movimento em busca de uma sociedade mais humana, deformada, entretanto, pela imposição vertical do trabalho combinado com autoritarismo político. Entretanto, reconhece que as mazelas, as contradições do capitalismo engendram as condições para o desenvolvimento do marxismo. Por isso defende reformas no sistema capitalista, sem a qual toda e qualquer propaganda oficial anti-comunista tornar-se-ia inócua. Captar sobre qual ponto de vista disserta o autor facilita o entendimento das diversas intencionalidades da obra e sua melhor compreensão.

 

No que se refere especificamente aos interesses dos lutadores sociais do Séc. XXI, o manual do professor Piettre é relevante como: (i) um manual introdutório das ideias-força do marxismo; (ii) exposição da conjuntura pela qual passavam as experiências socialistas do séc. XX, e as particularidades de URSS, China, Iugoslávia, democracia populares; (iii) uma importante sistematização de anexos, como fragmentos de textos de Marx, Engels, Lênin e documentos oficiais da URSS acerca dos mais diversos temas, da família e da religião no comunismo, até os índices de produção industrial e na agricultura.    

Um comentário:

  1. As tais "democracias populares" como se auto-intitulam pertencer a tal tipo de governo os que dominam o poder totalitário de alguns países - não passa de uma simulação dos que advogam o totalitarismo ou ditadura como os únicos meios de governar.

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