“Formação Histórica da Nacionalidade Brasileira” - Oliveira Lima
Resenha – “Formação
Histórica da Nacionalidade Brasileira” -
Manuel de Oliveira Lima – Coleção “Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro” –
Folha de São Paulo
“Os portugueses, misturando-se com os índios,
produziram uma raça igualmente valente e fundamentalmente empreendedora, à qual
é sobretudo devida a conquista do interior do Brasil (...) O Brasil é, pois, a
obra nacional – geográfica tanto quanto política – dos seus próprios filhos.
Isto nos garantiu uma tradição no passado e nos representa uma garantia para o
futuro. Foram com efeito os bandeirantes, a saber, os aventureiros votados à
pesquisa do ouro e dos escravos que recuaram as nossas fronteiras, dilataram
nosso Império, e emprestaram ao Brasil essa maravilhosa uniformidade social que
lhe é tão particular e que se destaca tão bem sobre o fundo constituído pela
diversidade dos efeitos pitorescos e pelo variegado das três raças misturadas:
branca, vermelha e negra”.
Manoel de Oliveira Lima foi diplomata,
jornalista e historiador, tendo cumprido papel intelectual proeminente entre os
fins do século XIX e inícios do século XX.
Basta dizer que foi membro do IHGB e assumiu a
cadeira de Francisco Varnhagen na Academia Brasileira de Letras. Além disso,
participou intimamente da convivência com figuras como D. Pedro II, José
Martiniano de Alencar, Rui Barbosa, Afonso Celso e Machado de Assis (com quem
trocou cartas), havendo em seus livros a percepção efetiva de quem vivenciou
diretamente os fatos políticos e institucionais do Brasil do II Império.
O historiador nasceu em Recife/PE no dia do
natal em 1868, sendo o último filho de Luiz de Oliveira Lima, um rico
comerciante português que fez fortuna e garantiu a sua família prosperidade.
Contudo, consta que o pai do de Oliveira Lima foi de origem simples, tendo
alcançado com o seu esforço a riqueza, sem que, com isso, fosse parte da
tradicional elite pernambucana.
Logo na infância, aos seis anos de idade, o
historiador mudou—se para Portugal. Matriculou-se na Universidade de Lisboa,
onde estudou e se formou no Curso Superior de Letras.
Aqui já existe algo que irá particularizar o
futuro historiador.
Até então, os grandes estudiosos da História
do Brasil eram em certo sentido “auto-didatas” – os primeiros cursos superiores
de História só foram criados no país no ano de 1930. Parte desses estudiosos
sem formação específica vinha da diplomacia, a começar pelo pioneiro e fundador
do estudo da disciplina no país, Francisco Adolfo Varnhagen, o Visconde de Porto
Seguro. Outros tinham formação em Direito, como Joaquim Nabuco e Caio Prado
Júnior. Já Capistrano de Abreu, o discípulo de Varhagen e um dos nossos
melhores historiadores de todos os tempos, sequer estudou em instituição de Ensino
Superior. Euclides da Cunha, outro grande historiador daquela época, era
militar. Já Oliveira Lima, graduado em Portugal, num momento em que não existiam
cursos de Letras e História no Brasil, foi um dos primeiros pesquisadores do
nossa passado com uma formação mais especializada.
Quando jovem estudante de Letras em Lisboa,
Oliveira Lima era simpática ao republicanismo. Posteriormente, mudaria o seu
posicionamento, tanto que em 1913 (14 anos após a proclamação da república) o
senado votou contra a sua entrada na embaixada de Londres alegando que o
candidato era monarquista.
Pode-se dizer que os seus trabalhos
historiográficos evidenciam que o escritor parecia mesmo ser um saudosista da
Monarquia – com certeza, foi um descrente da República, que viu ser alçada como
regime político oficial no Brasil quando tinha 20 anos de idade.
Nas suas conferências sobre a História do
Brasil reunidas no livro “Formação Histórica da Nacionalidade Brasileira”
(1911), descreve D. Pedro II como o rei
filósofo, incentivador da cultura e da
ciência, ele próprio criador do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro
(IHGB) e frequentador de suas reuniões.
O Imperador de fato, era bastante liberal em
relação às críticas incendiárias da imprensa então nascente, de natureza
bastante panfletária, especialmente a partir de 1870, com a criação do Partido
Republicano. Cioso, portanto, da liberdade de imprensa e de pensamento, o
Imperador não desencadeou perseguições políticas de maior importância aos seus detratores
de imprensa, tinha um posicionamento tolerante e pendente à conciliação, o que
garantiu a estabilidade do II Império, que perdurou por mais de meio século.
Oliveira Lima descreve D. Pedro II como um homem cioso da moralidade pública, mais
interessados em travar relações com intelectuais do que com gente da
aristocracia, e indulgente para com os inimigos políticos, mas ainda intransigente
em seu patriotismo, conduzindo o país à vitória na Guerra do Paraguai.
O posicionamento francamente favorável à monarquia
também se revela no peso que o historiador atribuiu aos eventos que vão da chegada
da Corte Portuguesa em 1808 e ao Reinado de Dom. João VI como os momentos precursores
de maior importância para o advento da independência e para a formação histórica
da nacionalidade brasileira.
Dentro da historiografia, Oliveira Lima é mais
frequentemente estudado pelos historiadores que pesquisam o nosso processo de
independência; e o intelectual pernambucano atribui um peso decisivo ao
processo de emancipação ao arranjo institucional muito particular em que se deu
a nossa emancipação, considerando a manutenção da dinastia dos Brangança e o
transplante do regime político português ao Brasil desde a chamada “fuga” da
corte portuguesa em 1808, sob a mira do exército napoleônico.
Oliveira Lima quebra alguns preconceitos em
torno dos eventos do ano de 1808 e da própria figura de D. João VI, frequentemente
ridicularizado como um rei fraco e pusilânime, além de exposto ao ridículo
pelas notórias traições extraconjugais por parte de Carlota Joaquina, a
Imperatriz.
Não se tratou de uma “fuga”, mas de uma
decisão assertiva de D. João VI que conseguiu manter a existência do Império Português,
transplantando a sua sede ao Rio de Janeiro – se tivesse optado por ficar em
Portugal, acabaria como os espanhóis, que capitularam ao exército napoleônico e
consequentemente perderam não só o país mas também suas colônias na América para
a França.
Ao chegar ao Brasil, Dom João VI afirmou que
sua intenção era formar um novo Império. O Rio de Janeiro foi elevado à
condição de capital da monarquia portuguesa. O Brasil, até então uma mera
colônia de exploração dos portugueses, foi alçado à condição de Reino Unido a
Portugal e Algarves (1815), um ato com efeito revolucionário, pois colocou ao
menos juridicamente o Brasil em condições de igualdade a Portugal.
Toda essa situação conferiu a originalidade da
independência brasileira ressaltada pelo monarquista Oliveira Lima, já que ela
se deu por meio da manutenção da Casa e Bragança, quando D. Pedro I se opõe às
pretensões recolonizadoras das Cortes de Lisboa, se recusa a atender a sua
convocatória para retornar à Portugal e grita no 7 de Setembro seu famoso
brado: independência ou morte. Ela foi precedida pela literal “transplantação”
do regime político português ao Brasil, o que serviu de base à formação de um
regime monárquico constitucional que perduraria até 1889.
O transplante da corte portuguesa e essa particularidade
acarretaram num caso singular: o país que saiu do movimento de independência
manteve o regime monárquico, com a constituição do I Império, diferentemente da
experiência dos países da América Espanhola que se fracionaram em diversas
repúblicas, criadas a base de guerras de maior proporção do que os conflitos
ocorridos no Brasil.
Em certo momento, Oliveira Lima afirma que a
independência do Brasil foi conquistada com “luvas de pelica” o que resultou em
críticas de s historiadores que corretamente afirmam que a nossa independência
também foi marcada por guerras – certamente não foi um movimento pacífico, mas
certamente menos conturbado que a experiência da América Espanhola, com acréscimo
da manutenção da integridade do território, mantida sua dimensão continental
estabelecida desde o Tratado de Madrid (1750). Se tivéssemos trilhado o mesmo
caminho dos espanhóis, o Brasil hoje estaria fracionado em diversos estados
menores – a manutenção da grandeza territorial, mesmo após os episódios de turbulência,
bastante graves na época da regência – sem dúvida é uma conquista do Império,
ou seja, do Estado Brasileiro dentro do regime monárquico.
VIDA E OBRA DO HISTORIADOR/DIPLOMATA
Oliveira Lima Iniciou sua carreira diplomática
como segundo secretário da legação de Lisboa (1891). Naquela época, o ingresso
nesta carreira não se dava por concurso público, mas por indicação. Sua seleção
deu-se, entre outros, após estabelecer relações com Quintino Bocaiuva e o
Visconde de Cabo Frio, bem como diante da influência de sua esposa Flora
Cavalcanti de Albuquerque que, como o sobrenome indica, pertencia a família
firmemente estabelecida entre os proprietários de engenho e tinha boas
credenciais junto à sociedade pernambucana.
Na diplomacia, ocupou cargos em Lisboa,
Alemanha, Venezuela, Bruxelas e Suécia, além de ter sido professor de Direito
Internacional da Universidade Católica da América em Washington, para quem doou
sua biblioteca sobre a História do Brasil, que conta com 56 mil volumes, além
de peças de arte, incluindo os famosos quadros de Frans Post, que retratou em
pinturas a história do um quarto de século da ocupação holandesa no Brasil.
Esta biblioteca é hoje a terceira maior do
mundo no que toca à História do Brasil, perdendo apenas para a Biblioteca
Nacional do Brasil e para a biblioteca da Universidade de São Paulo.
José Verissimo no prefácio do livro “Formação
Histórica da Nacionalidade Brasileira” ressalta como o escritor não só serviu o
Brasil através da atividade de diplomata como foi um verdadeiro embaixador da
cultura e história do Brasil pelo estrangeiro.
A forma como escreveu a nossa história também teve
como fundamento a preocupação em realizar uma boa propaganda das nossas
potencialidades aos estrangeiros. O escritor acredita que o Brasil através da
sua História tem lições à ensinar aos demais países do mundo, incluindo os
ditos “civilizados”.
O próprio livro em questão, “Formação da
Nacionalidade Brasileira”, corresponde a 12 conferências do escritor na
Faculdade de Letras de Sorbonne, onde se propôs apresentar uma grande síntese
da evolução histórica do país a um publico estrangeiro, francamente interessado
em conhecer a trajetória das nações latino americanas.
Logo na sequência, Oliveira Lima é convidado a
lecionar História do Brasil e da América do Sul em Standford nos EUA e fazer
uma série de conferências em universidades americanas. Verissimo ainda cita um
congresso científico em Viena de música clássica, quando Oliveira Lima conseguiu que as
composições do brasileiro Padre José Maurício figurassem ao lado de Mozard e
Haydyn.
E mais do que tudo isso, a própria forma como
Oliveira Lima relata a História do Brasil para um público estrangeiro tem algo
que remonta a esse papel de “embaixador cultural” – sem fazer uma apologia
injusta da História Nacional, não deixa também de evidenciar a todo mundo as
contribuições brasileiras à civilização geral, aquilo que de mais duradouro e
significativo legou os três séculos de colonização até a independência.
Essa contribuição particular do Brasil como
exemplo de alternativa institucional aparece especialmente quando fala
da particularidade como estruturou a sua independência e formou o seu regime
político, uma experiência que soaria como um exemplo a seguir, especialmente se
cotejada com as demais repúblicas da América.
Bibliografia
LIMA, Oliveira, "Formação da Nacionalidade Brasileira".
LIMA, Oliveira. O Império Brasileiro (1822/1889)
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