“Reinações de Narizinho” – Monteiro Lobato
Resenha Livro - “Reinações
de Narizinho” – Monteiro Lobato – Ed. Círculo do Livro
“Colombo então
perguntou:
- Poderá o
cavalheiro dizer-me se isto por aqui é a tal América que eu ando procurando?
- Perfeitamente!
– respondeu o índio – Assim que o senhor botou o pé na praia, senti uma batida
na pacuera e disse cá comigo: ‘É o Senhor Cristóvão que está chegando, até
aposto!’
Colombo
adiantou-se para apertar a mão do índio. Em seguida o índio virou-se para os
companheiros lá longe e gritou:
- Estamos
descobertos, rapaziada! Este é o tal Cristóvão Colombo que vem tomar conta das
nossas terras. O tempo antigo lá se foi. Daqui por diante é vida nova – e vai
ser um turumbamba danado.”.
Quando Monteiro
Lobato começou a escrever livros para criança, já havia praticamente publicado
quase toda a sua obra para o público adulto.
“Urupês”, um
livro de sucesso para época que corresponde a coletânea de contos
regionalistas, foi publicado ainda em 1918.
Junto com “Cidades
Mortas” (1919) e “Negrinha” (1920) compõem uma literatura que poderíamos
arriscar dizendo ser de um regionalista
paulista, tratando das fazendas de café de São Paulo, de cidades abandonadas ou
mortas no contexto do avanço da nova economia pelo oeste do estado, bem como dos
resquícios da escravidão naquele mundo rural.
Neste sentido, o
conto “Negrinha” é o que há de melhor quando se fala de uma literatura de denúncia
social. A perversidade com que Dona Inácia, “excelente senhora, gorda, rica,
animada dos padres”, brutaliza Negrinha, uma órfã de sete anos, contando com o
beneplácito de um padre, é o que há de melhor de deste tipo de literatura já
escrita no Brasil:
“A excelente
Dona Inácia era mestra na arte de judiar crianças. Vinha da escravidão, fora
senhora de escravos – e daqueles ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e
estalar o bacalhau. Nunca se fizera ao regime novo – essa indecência de negro
igual a branco e qualquer coisinha: a polícia! (...) O 13 de maio tirou-lhe das
mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava Negrinha em casa
como remédio para os frenesis”.
Certamente, este
quadro está distante de uma propaganda não desinteressada de censurar a obra de
Monteiro Lobato por conta do seu suposto racismo.
Propaganda nada
convincente para quem se deu ao trabalho de ler algo sobre a vida do escritor
de Taubaté.
Ainda nos anos
de 1920, Monteiro Lobato dizia que o “Jeca Tatu” não é assim, mas está assim. O
escritor já então sabia que o problema do caipira paulista, abandonado, sem
higiene e alimentação, sem orientação e estudo para que se torne produtivo,
continuando a praticar as queimadas que aprendiam de seus avós, este “Jeca” era
remediável, não estava destinado ao subdesenvolvimento por conta de aspectos
puramente raciais.
A título de
exemplo, vale citar que no “Casa Grande em Senzala”, escrito somente em 1933, é
perceptível que as teses de Gilberto Freire acerca da falta de higiene,
alimentação e salubridade como fator preponderante de certo atraso do povo
Brasileiro ainda aparecia como uma novidade frente da hegemonia das teses
racistas e eugenistas que persistiram em voga mais ou menos de forma
ininterrupta entre 1870-1930.
(Para a questão
do pensamento racial do Brasil no período, como forma de cotejar as ideias das
primeiras décadas do século XX e o posicionamento de Montero Lobato, remetemos
o leitor ao ensaio do brasilianista Thomas Skidmore, “Preto no Branco: raça e
nacionalidade no pensamento brasileiro” - https://esperandopaulo.blogspot.com/2021/04/preto-no-branco-thomas-e-skidmore.html
).
O movimento
orquestrado que busca induzir nas pessoas à ideia de que Monteiro Lobato era
racista e portando que seus livros não devem ser lidos, começando por uma ação mandamental
ajuizada em 2010 pare que o STF tirasse dos livros indicados pelo MEC a obra “Caçadas
de Pedrinho” diz bastante sobre o posicionamento político dos chamados
movimentos identitários.
Em primeiro lugar,
vale lembrar que este nosso escritor já em vida foi objeto de perseguição por
forças conservadoras.
Em 1941, durante
o Estado Novo, o escritor chegou a ser preso e permanecer detido durante 6
(seis) meses por conta de seu engajamento político em defesa da soberania
nacional, no caso da nacionalização do petróleo e do ferro.
Meses depois da
publicação do livro infantil “História do Mundo Para Crianças” (1933), a obra
passou a sofrer perseguição e censura da Igreja Católica. Naquela época era
ainda uma novidade a existência de obras literárias direcionadas ao público
infantil, que suscitavam a imaginação por meio de personagens fantásticos como
o Visconde de Sabugosa, um nobre fidalgo feito de espiga de milho que traz a
voz da razão e da ponderação; ou o Marquês de Rabicó, um porquinho medroso que
conversa com as crianças; ou Emília, uma boneca de pano que se distingue por
sua bravura, autoconfiança e uma certa esperteza.
Consta mesmo que um grupo de freiras chegou a
organizar fogueiras para destruir exemplares de livros no ano de 1942.
Mais
recentemente, o movimento identitário, que opera por dentro de universidades,
imprensa e até partidos de esquerda, com a finalidade de dar um ar democrático
ao imperialismo norte americano, postulou a censura de Monteiro Lobato, autor
de personagens que podem ser tidos como ícones da cultura nacional, tão
conhecidos que são pela população, especialmente os leitores mais velhos das
histórias da boneca de pano Emília, do sábio Visconde de Sabugosa, a doce Tia Nastácia,
da sabida Dona Benta.
Ontem censuraram
Monteiro Lobato. Hoje colocam fogo na estátua do Borba Gato, um sertanista
caçador de esmeraldas cuja intervenção resultou na constituição da fisionomia
territorial do Brasil muitos séculos depois. Amanhã, quem sabe a interdição do
carnaval por cogitações feministas? A quem interessa a demolição dos mitos
nacionais?
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