sexta-feira, 12 de junho de 2020

Joseph Stálin – Para Além da Caricatura


Joseph Stálin – Para Além da Caricatura  



“Stálin estava com os olhos rasos d’água. Eu mesmo vi. Perfilou-se e beijou a espada, num gesto simbólico que, evidentemente, não havia sido ensaiado. Foi magnífico, emocionante e sincero. Ele é um homem muito interessante. Dizem que não passa de um camponês, nascido em uma das regiões mais atrasadas da Rússia, mas, se você me permite, Stálin parecia mais fino, mais elegante e mais bem-educado que qualquer um de nós” – Franklin D. Roosevelt

O depoimento supracitado do presidente norte-americano Roosevelt ocorreu no contexto da Conferência de Teerã, que reuniu Stálin e o primeiro ministro inglês Churchill em novembro de 1943. O encontro ocorreu após a vitória soviética em Stalingrado, quando pela primeira vez foi quebrado o mito de invencibilidade militar do nazi-fascismo. Certamente o depoimento contrasta bastante com a propaganda anti-comunista posterior à II Guerra Mundial que chega até ao ponto de equiparar Stálin e Hitler, o socialismo soviético e os regimes nazi-fascistas. 

O totalitarismo igualaria os sistemas políticos em “ditaduras terroristas de partido único e culto ao líder”.

Contudo, este revisionismo histórico deixa de lado fatos (e não argumentos) fundamentais. O primeiro é que as vitórias militares de Stalingrado e Leningrado foram o ponto de partido para a destruição militar do nazi-fascismo, com todas as implicações que esta realidade teve para os destinos de todos os povos do mundo. Aliás, antes da conferência de Teerã, os líderes ocidentais hesitaram em intervir militarmente na frente ocidental, de modo a ajudar o exército vermelho no oriente, estabelecendo uma guerra em duas frentes para os alemães. Os soviéticos, em Teerã, já estavam numa posição mais favorável, forçando Roosevelt a se comprometer com a invasão da França pela primavera.

Um segundo fato (e não argumento) que abala o revisionismo histórico anti-comunista envolve o respeito e a autoridade que o exército vermelho e a URSS sob a liderança stalinista granjearam por todo o mundo no pós 1945. É importante salientar que os soldados, com o fim da guerra, voltaram armados para os seus países de origem, implicando num período extremamente arriscado para a sobrevivência do capitalismo no ocidente: muitos dos capitalistas e empresários haviam colaborado com os nazistas, sendo deste período o início da constituição de estados de bem estar, a concessão de benefícios aos trabalhadores de modo a impedir que novas revoluções de outubro estourassem na Europa ocidental.

Os irmãos gêmeos de que fala a categoria do totalitarismo configuram inimigos mortais à luz de categorias do racismo e do colonialismo. Basta dizer que Hitler nunca omitiu sua simpatia com o processo de ocupação do oeste dos EUA pelo elemento branco em face dos indígenas: sua intenção no oriente europeu era promover uma campanha colonialista não diferente da que EUA, Inglaterra e França já mantinham na América Latina, Ásia e África.

A caricatura pintada de Stálin pelo revisionismo anti-comunista já é bastante conhecida: um velho burocrata do partido, um homem brutal e sedento de vingança em face de seus adversários, sem preparo teórico em oposição a intelectuais do partido como Trótsky e Bukharin. Ocorre que foi justamente o período do pós-guerra, quando emerge a projeção mundial da URSS, sob a liderança stalinista, que o capitalismo em nível mundial esteve sob o maior risco de derrocada – a revolução chinesa de 1949 e a revolução cubana de 1959 realçaram a ameaça constituída e explicam a propaganda extremamente negativa sobre o socialismo soviético e Stálin.

Lamentavelmente, este propaganda foi amplamente direcionada aos partidos e organizações de esquerda, bem como ampliada a partir da lenta restauração capitalista patrocinada pelas lideranças pós-stalinistas, a começar por Nikita Kruschev, secretário geral do Partido Comunista entre 1953-1964.

Mais recentemente, algumas publicações disponíveis ao público brasileiro vêm contribuindo no sentido de se restaurar os fatos diante da propaganda anti-comunista. O trabalho do historiador italiano Domenico Losurdo (“Stálin – História Crítica de Uma Lenda Negra – Ed. Revan) vem sendo bem recepcionado no Brasil, quebrando um certo monopólio de organizações trotskystas na sua narrativa da história da URSS e do movimento revolucionário russo.

Autores antes não muito mencionados como o belga Ludo Martens e o albanês Enver Hoxha já pedem novas publicações para o publico brasileiro. Além disso, a editora Nova Cultura ligada à União Reconstrução Comunista vem desde 2015 disseminando publicações de  J. V. Stalin, Kim Jong Il, Mao Tsé-tung, Ludo Martens, Ho Chi Minh, Nguyen Vo Giap, Andrei Zhdanov, entre outros.  

Neste contexto, parece-nos que faltam trabalhos especificamente biográficos de Joseph Stálin para o leitor brasileiro. Neste caso, biografias oriundas de um trabalho de historiador: pois tanto as caricaturas anti-comunistas quanto as histórias oficiais de mera exaltação da liderança são evidentemente limitadas para a compreensão do indivíduo e seu papel na história.

Josef Vissarionovitch Dzhuganhvili nasceu em 21 de dezembro de 1879 em Gori, cidadezinha da Georgia, que tinha então 5000 habitantes. Era filho de Ekaterina Geladze e Vissarion Dzhuganshvili, um sapateiro que, de acordo com alguns relatos, era dado à bebida e batia na mulher e nos filhos. O pai de Stálin morreu numa briga de rua quando o filho tinha 11 anos de idade.

Aos quinze anos de idade, Stálin foi admitido no Seminário Teológico de Tíblissi, capital da Georgia. Permaneceu na instituição entre 1894 e 1899. Dentro do seminário, Stálin adquiriu ódio feroz contra a administração do seminário, contra a burguesia e contra qualquer coisa que remetesse ao czarismo. Abandonou o seminário sem conclui-lo para o desalento de sua mãe, Ekaterina Geladze, que desejava ver o filho como padre.

Ainda em 1889 ingressa num grupo de marxistas georgianos e no ano seguinte ajuda a construir manifestação de Primeiro de Maio na Geórgia. Filia-se ao Partido Operário Social-Democrata Russo em 1901, tornando-se a partir de então, até 1917, um militante clandestino, sob o nome de “Koba”.

Este codinome é oriundo de um folclore popular georgiano: Koba era uma espécie de Robin Hood, aquele que tomava dos ricos para dar aos pobres.

Stálin conheceu pessoalmente Lênin em dezembro de 1905, em uma reunião do partido bolchevique em Tammerfors, na Finlândia.

Em 1908, Koba dirige um importante movimento grevista em Batum:

“Batum era uma cidade de mais de 30.000 habitantes, quase todos de ascendência turca, localizada junto ao mar negro, conhecida como um dos principais entrepostos do petróleo extraído da região do mar Cáspio. Ali, Stálin colaborou na organização de uma greve que gerou um confronto aberto entre polícia e trabalhadores. Houve quatorze mortos, muitos feridos e foram presos mais de quinhentos trabalhadores. A polícia czarista também capturou Stálin, que ficou preso durante um ano e meio, e depois foi mandado para a Sibéria por mais três anos”. DOROTHY e THOMAS HOOBLER

No que diz respeito à vida mais íntima de Stálin, consta que em 1903 casou-se pela primeira vez com Ekaterina Svadize, uma jovem georgiana e devota da igreja cristã ortodoxa. Consta que Stálin amara muito sua primeira esposa que faleceu ainda jovem, em 1907. Seu segundo casamento daria-se em 24 de Março de 1919 com Nadezhda Alliluyeva. Mais um momento trágico na vida de Stálin ocorreu em 9 de novembro de 1932 quando Nadezhda suicidou-se em seu quarto com um tiro. Do casal nasceram dois filhos, sendo um deles, Jacob, piloto de Guerra em Stalingrado e, ao que consta, capturado e morto por alemães na II Guerra.

Muito se falou sobre o culto à personalidade de Stálin, especialmente no contexto do XX Congresso do PC da URSS em 1956. Por outro lado, também é um fato que 20 milhões de russos foram mortos na II Guerra Mundial, entre civis e militares. Stálin dirigiu a campanha durante toda a guerra dentro do Kremlin, inclusive despachando durante os duros dias de cerco a Moscou, quando os nazistas já estavam aos redores do palácio de governo. A energia e disposição da liderança traduziram-se numa mobilização populares em torno da resistência aos invasores, com a participação de civis e militares, criação de guerrilhas e até barricadas. A defesa de Staingrado foi feita palmo e a palmo e a fome a que a população foi submetida pelo cerco alemão fez com que os russos se alimentassem da solo de sapatos. E ainda assim triunfaram.

Não parece haver muitas dúvidas de que a liderança comunista, temperada pelos anos da guerra civil, pelo gigante desenvolvimento industrial e pelo engajamento político foram decisivos para a unidade ideológica e militar da nação, a não capitulação e a posterior vitória militar russa na II Guerra. Um fato que não poderá ser compreendido através de caricaturas.  

Bibliografia:

DOROTHY e THOMAS HOOBLER - “Os Grandes Líderes – Stálin” – Ed. Nova Cultural

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