Che Guevara: Política – Eder Sader
(org.)
Resenha Livro – “Che Guevara: Política”
– Eder Sader (org.)- Editora Expressão Popular
O mais provável é que Che Guevara seja
mais conhecido por sua trajetória pessoal e sua intervenção nos acontecimentos
da revolução cubana de 1959 do que por suas formulações políticas desde
artigos, cartas e palestras. Na verdade, aquela trajetória prática explica
bastante o tipo de política defendida pelo Che – a iniciativa pessoal e o
voluntarismo revolucionário estão presentes por exemplo nas formulações que o
Che estabelece para o problema da economia, especialmente quando foi ministro
da indústria na Cuba pós revolução. É necessário situar o passado e a
experiência acumulada pelas viagens e pelo exercício de uma medicina popular
como momentos de formação política do revolucionário.
Desde jovem o Che fora um aficionado
por viagens. Com 19 anos percorreu 4.700 Km do interior da Argentina de
bicicleta em férias escolares. Aos 23 anos comprou uma motocicleta com o amigo
Alberto Granados, médico recém formado, com quem viajou pela américa latina.
Subiram o continente pelo Peru, atravessaram o Amazonas a barco em direção à
Colômbia e, depois, Venezuela. Em março de 1953 Che, já estabelecido na
Argentina, conclui a faculdade de medicina. Em agosto do mesmo ano Che enfrenta
uma viagem de 6000 km em direção à Bolívia onde tem seu primeiro contato mais
decisivo com a mobilização popular. Em 1952 uma insurreição popular levou o
Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) ao poder naquele país, com um
governo popular em La Paz e milícias operárias no âmbito das minas que foram
nacionalizadas. Por outro lado, na Bolívia o Che constata certos problemas
quanto ao MNR: observa-se a burocratização que seria anos depois discutida de
forma tão consequente no “Contra el burocratismo”. As causas da burocratização
suscitados por Che em Cuba serão a ausência de consciência revolucionária, a
falta de interesse dos indivíduos em superarem as situações dadas e acomodarem-se
à papelada e às faltas de terceiros. Outra causa suscitada é o problema da
organização. Por fim, a falta de conhecimentos técnicos suficientemente
desenvolvidos para que se possa tomar decisões justas e em pouco tempo.
Retomando à trajetória pessoal do Che, um
segundo momento decisivo em sua formação política anterior à revolução dá-se em
1953 quando chega na Guatemala. Já tinha então lido diversos textos políticos
mas o fundamental sempre lhe surgia a partir da experiência. Desde 1944 a
Guatemala vivia uma experiência reformista dirigida por Juan José Arévalo após
a derrubada de uma longa ditadura militar. O governo democrático leva adiante
um programa de aumento salarial, plano de assistência às populações indígenas e
uma reforma agrária. O tema da reforma agrária seria central no desenvolvimento
da guerrilha cubana e o mais provável é que o Che posteriormente viria a
superestimar esta bandeira democrática na luta revolucionária quando de suas
reflexões sobre as possibilidades de generalização da experiência cubana aos
demais países latino americanos. De qualquer forma, o problema do latifúndio
assumia uma vinculação direta não só com a herança colonial americana mas com o
imperialismo.
Em 1952 o sucessor Jocobo Arbenz
decreta uma lei de reforma agrária ameaçando 2% de proprietários que detinham
70% das terras. A United Fruit era só ela dona de 225 mil hectares de terra das
quais 164 mil seriam expropriadas pelo governo.
A reação do imperialismo não poderia
tardar: em 18.6.1954 um “exército de libertação” com base em Honduras e
contando com 200 mercenários invade o país. Quando as tropas invasoras penetram
a capital e começam as execuções, o nome de Che já figurava na lista de morte.
Teve de se refugiar na embaixada da Argentina. Ainda era antes um médico do que
um revolucionário mas já presenciava na pele a violência militar do
imperialismo.
Após o fracassado ataque ao Quartel de
Moncada em 26.7.1953 os exilados cubanos encontram-se no México onde preparam
uma nova ofensiva. No México Che primeiro teve contatos pessoais com Raul
Castro e depois com Fidel. Consta que Che e Fidel ficaram uma noite inteira
conversando sobre política e ao final ficou decidido que Che Guevara seria o
médico da expedição partindo do Granma.
Um artigo interessante para se conhecer
os primeiros momentos da luta revolucionária em Cuba é o capítulo “Alegría de
Pío” em “Pasajens de lá guerra revolucionaria”. Alegra de Pío fica na província
do Oriente onde os guerrilheiros tiveram o primeiro enfrentamento com as tropas
da ditadura. O desembarque do Granma deu-se em 2.12.1956 contando com 82
combatentes que viajaram em precárias condições pelo Caribe: destes, cerca de
20 combatentes sobreviveram. Sem alimentos, com equipamentos perdidos,
incluindo os remédios, não poderiam haver piores condições para o começo da
luta. Mas o que impressiona é a certeza da vitória que emana e se projeta a
partir da liderança de Fidel. Consta que depois dos ataques aéreos, quando o
pequeno grupo sobrevivente se rearticula, Fidel exclama que eles venceram a
revolução. Aqui há um momento simbólico que Che relata em seu artigo. No meio
da saraivada de balas os revolucionários se viram obrigados a uma retirada e
Che havia sido baleado. Tinha ao seu lado uma mochila cheia de balas deixada
por um camarada abatido e sua bolsa de médico. Não podia carregar as duas.
Escolheu as balas e desde então deixou de ser médico para ser exclusivamente um
revolucionário.
*
As obras completas de Che Guevara foram
reunidas em “Ernesto Che Guevara – obras: 1957-1967”, editada pela Casa de las
Américas. Na verdade sua produção deu-se em torno de artigos e intervenções
públicas, além de cartas e diários. Poderíamos propor uma divisão em três
grandes eixos de sua intervenção.
Primeiro, a reflexão sobre o problema
da guerrilha revolucionária e a polêmica sobre se a revolução cubana seria ou
não uma excepcionalidade histórica. Che entende que não é: em que pese a
particularidade de cada nação latino-americana, poderia-se suscitar o problema
do latifúndio, a luta dos camponeses pela terra, o papel das oligarquias locais
e do imperialismo (sobretudo o norte americano) como os fatores comuns e mais
determinantes para o desenvolvimento da luta. Che não ignora que a luta armada
deve obedecer às condições objetivas e subjetivas colocadas – em Cuba uma
ditadura feroz e a alta espoliação dos trabalhadores do campo criaram as condições
para a afinidade entre guerrilheiros e camponeses sem a qual a revolução não
poderia ter triunfado. Se Che é claro ao estabelecer que a Guerrilha por
exemplo pode não ser possível onde há uma democracia burguesa – e ilusões
disseminadas no povo quanto às instituições – não parece estar muito fora de
dúvida que, para ele e Fidel, a via revolucionária é a única possível para os
povos submetidos ao jugo da exploração. E Cuba aqui apenas seria a vanguarda de
um desenvolvimento que tenderia a se generalizar.
O segundo eixo temático dos seus textos
como já dissemos é o problema da economia. No caso da economia de Cuba pós
revolução há o projeto de fazer com que a renda das empresas sejam revertidas
para o orçamento da nação – no caso o sentido de empresa muda por suposto,
tratando-se de unidades produtivas com planificação centralizada. O dinheiro
não deve expressar valor reificado mas se referir a uma relação de troca, a sua
mera expressão algébrica. A planificação envolve a busca pela diversificação da
economia – o passado monocultor colonial deve ser substituído pelo
desenvolvimento da indústria e pela substituição das exportações. A indústria
de bens deve atender às necessidades do povo que se expandem. Che entende serem
necessários os estímulos materiais individuais para o aumento da produção mas
condena o uso indiscriminado do método por se contrapor ao projeto societário
almejado.
O terceiro eixo temático também diz
respeito ao problema da construção do socialismo mas agora na sua faceta mais
humana. Talvez aqui o Che que viajou por toda América e conheceu como ninguém o
seu povo esteja mais presente. Quando fala contra o burocratismo e o sectarismo,
reconhece antes de tudo os erros cometidos pelo próprio movimento
revolucionário e seus dirigentes. Tem uma atitude franca e transparente sobre
os problemas da organização e exige uma vigilância estrita sobre o partido e
seus quadros. Os abusos cometidos, diz, faz com que o povo perca a fé na
revolução, que é o que de pior poderia acontecer para o movimento.
Contra-revolução não vem apenas do imperialismo e seus prepostos, mas do
oportunismo e do burocratismo.
Se a história do revolucionário é mais
conhecida do que as suas formulações, conhecer suas teses é entrar em contato
com sua experiência. Che, suscitando Lênin, diz que o marxismo é um guia para
ação.
Em 1965 Che Guevara desaparece da vida
pública. Planeja abrir uma frente revolucionária em Bolívia que se expandiria
por toda a América Latina. Quando é detido e morto, tinha 16 companheiros ao
seu lado.
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