“História da Literatura Brasileira” – José Veríssimo
Resenha Livro - “História da Literatura Brasileira” – José Veríssimo
– Iba Mendes – Projeto Livro Livre.
José
Veríssimo foi dos maiores críticos literários da história das ideias do Brasil,
ao lado de Sílvio Romero e Antônio Cândido. Revela-o o fato desta História da Literatura
ter sido publicada após 25 anos de estudos específicos do autor acerca do
desenvolvimento das letras em Brasil e sua principal fonte de inspiração,
Portugal e França. A partir da era colonial, o classicismo e arcadismo
portugueses, o romantismo nativista, o naturalismo e parnasianismo decorrente
do influxo de ideias francesas na literatura nacional.
Esta História
da Literatura foi escrita em 1915 e lançada ao público um ano depois. Poucos
anos antes, portanto, da Semana de Arte de 1922. Trata-se esta última de
advento de uma arte não só nacional na temática indígena, da exuberância dos
aspectos mais exteriores da realidade nacional (as florestas, os mares, os
animais silvestres, etc.), mas de um movimento de artistas incumbidos de
produzir uma arte sem se servir das fontes formais estrangeiras. Arte em que
forma e conteúdo reproduzem de diversas formas os traços particulares do
brasileiro: é o Macunaíma de Mário de Andrade, um herói preguiçoso e sem
caráter, que é concomitantemente índio, negro e branco; são os poemas
provocativos de forma livre de O. de Andrade; são os retratos de tipos
populares como trabalhadores de lavoura de Café de Portinari (1935) e Operários
(1933) de Tarsila do Amaral; são os ensaios históricos de Paulo Prado acerca do
Brasil e sua infinita tristeza.
Se por
um lado nesta História da Literatura as propostas de classificação das obras
literárias podem ser hoje questionadas, considerando-se o desenvolvimento
ulterior da literatura brasileira, este trabalho de José Veríssimo permanece
sendo importante fonte de informações e crítica da literatura brasileira,
particularmente na etapa colonial. Em que pese Veríssimo revelar no prefácio uma
concepção mais restrita do sentido de literatura, uma “arte literária” ou “o
escrito com o propósito ou a intuição dessa arte, isto é, com os artifícios de
invenção e de composição”, nesta obra contempla-se formas de expressão mais
amplas. Considerando que o grosso das manifestações culturais no Brasil, especialmente
na fase colonial, corresponde a versejadores, teatros instrutivos realizados
pelos jesuítas para a catequização dos índios, sermões, além de uma cultura
oral que muitas vezes deixou poucos resquícios em documentos expressos[1],
seria difícil ao menos naquele tempo restringir o campo de análise com uma
redução da literatura à prosa e verso.
Veríssimo
divide a literatura brasileira em duas grandes etapas: a Etapa Colonial cuja
primeira manifestação data de 1601 com Bento Teixeira (PE) e seu “Prosopopéia”.
Um período em transição, que engloba o Barroco, ainda inserto na etapa
colonial, mas com uma crescente orientação nacionalista das manifestações
literária, um ufanismo incipiente que datam das descobertas das jazidas de ouro
e da luta nacional pela expulsão dos holandeses (1624-59). E finalmente a etapa Nacional da Literatura com
o Romantismo indianista de Gonçalves Dias na poesia e José de Alencar no
romance e posteriormente com a etapa que Veríssimo classifica de Moderna e que
se diferenciará a partir de um esboço de uma percepção mais crítica da
sociedade com a influência externa de Comte, Taine e Renan, bem como fatos
históricos a partir de 1870 que engendram novas preocupações na sociedade como
o republicanismo, o problema da abolição da escravidão, o fim da guerra do
Paraguai e a questão religiosa opondo Igreja, o Império e Maçonaria, tendências
a maiores liberdades espirituais e maior espírito crítico, bem como apontando
maiores manifestações literárias de cunho político partidário do qual Joaquim
Nabuco, Sílvio Romero, Eduardo Prado e Rui Barbosa são os mais importantes
exemplos.
De todo este trabalho vasto de resgate de produções não
apenas literárias, envolvendo a prosa, a poesia e o teatro, mas das
manifestações culturais que especialmente na etapa colonial aparecem sobre a
forma de histórias descritivas do Brasil, tal retrato de nossa história da literatura
elucida aspectos importantes da evolução histórica do Brasil. Pode-se constatar
uma linha de continuidade com a importação de modelos literários portugueses,
considerando-se o baixíssimo nível cultural dos colonos e inicialmente o restrito
acesso à alfabetização através de Colégios Jesuítas. Nossa primeira Academia
Literária data de 1720 mas inicialmente tais arcádias tem nulo papel cultural.
Diante da proibição da imprensa e dos jornais no Brasil Colônia, as obras eram
copiadas à mão. Muito da poesia, da música ou dos cantos eram nada mais do que
odes ou formas mais vulgares de bajulação aos poderosos donos de terra que na
prática protegiam como mecenas os poetadores. Até o aparecimento de Gonçalves Dias, estes versadores produziam
obras de discutível valor, com uma ou outra exceção. Mas aqui importa anotar a
possibilidade de acesso direto às fontes de autores como um Gabriel Soares,
Antonil e Frei Vicente do Salvador (que inaugura a prosa literária brasileira
com uma história do Brasil hoje vista como ingênua) até as manifestações
escritas de um Padre Vieira ou do também conhecido Gregório de Matos, este
último reconhecido do público por sua verve burlesca e satírica e, ao que
consta, pessoa que vivia pessoalmente a vida boêmia e desregrada que cantava em
seus versos.
Já foi dito que a literatura é o retrato da sociedade. Concluímos
esta resenha com uma descrição em detalhes de fato relatado pelo nosso primeiro
prosador e, se quisermos, historiador, Frei Vicente do Salvador, de modo a
ilustrar como os estudos literários são meio privilegiado para o conhecimento
da história nacional.
“Saindo o padre Francisco Pinto de sua tenda onde estava
rezando, a ver o que era, por mais que com palavras cheias de amor e benevolência
os quisesse quietar, e os seus poucos índios com flechas pretendiam defendê-lo,
eles, com a fúria com que vinham mataram o mais valente, com que os mais não
puderam resistir-lhe nem defender o padre, que lhe não dessem com um pau roliço
tais e tantos golpes na cabeça que lha quebraram e deixaram morto. O mesmo
quiseram fazer ao padre Luís Figueira, que não estava longe do Companheiro, mas
um moço de sua companhia, sentindo o ruído dos bárbaros o avisou, dizendo em
língua portuguesa: “Padre, padre, guarda a vida” e o padre se meteu às pressas
em um bosques (...)”. FREI VICENTE DO SALVADOR
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