sexta-feira, 12 de junho de 2015

“Primo Basílio” - Eça de Queirós

“Primo Basílio” - Eça de Queirós



Resenha Livro -175 “Primo Basílio” - Eça de Queirós – Editora Ática

O Primo Basílio foi publicado em 1878, correspondendo à obra da fase realista de Eça de Queirós (1845-1900).

O escritor português é na verdade um dos fundadores de tal escola literária em Portugal, assumindo mesmo uma posição de engajamento dentro da literatura. Engajamento em dois sentidos. Primeiro para criticar a sociedade e as instituições portuguesas, especificamente seu clero católico e o instituto do celibato dos Padres (“O crime do Padre Amaro” de 1875) e a família e o casamento (“O Primo Basílio” e “Os Maias” de 1880). E o segundo sentido de seu engajamento dá-se desde o seu pertencimento à uma geração de escritores que deram início à escola realista em Portugal,  destacando-se Antero de Quental (que depois se tornaria presidente de Portugal) e Teófilo Braga (introdutor de ideais socialistas junto a Eça), ambos, como Queirós, egressos da tradicional Faculdade de Direito de Coimbra.

O movimento realista literário em Portugal nasce em confronto com a tradição literária romântica então liderada por A. de Castilho – a proposta é combater a ideia da arte pela arte, bem como o subjetivismo e o idealismo românticos e criticar os costumes retrógrados de uma sociedade atrasada como a portuguesa. Enquanto o desenvolvimento industrial e capitalista culminava na ascensão da classe burguesa e das novas suas ideias, lastreadas especialmente no pensamento filosófico e literário francês, a velha Portugal ainda estava regida sob a monarquia e uma cultura patrimonialista e formalista, um ambiente acanhado o que, na arte, se reproduzia numa forma ultra-sentimental e de conteúdo medíocre. Houve debates entre os realistas e românticos e uma série de conferências dos renovadores com o intuito de mudar os rumos  do ambiente cultural português.

Numa carta ao amigo Teófilo Braga, Eça sinaliza sua intenção que repercute o projeto realista:

“Minha ambição seria pintar a sociedade portuguesa e mostrar-lhe como num espelho, que triste país eles formam – eles e elas. É o meu fim nas ‘Cenas da Vida Portuguesa’. É necessário acutilar o mundo oficial, o mundo sentimental, o mundo literário, o mundo agrícola, o mundo supersticioso – e com todo respeito pelas instituições que são de origem eterna, destruir as falsas interpretações e falsas realizações; que lhe dá uma sociedade podre”.

Destacamos a passagem em que Eça faz menção às instituições, reverenciando-as. Trata-se exatamente de instituições que o escritor irá demolir no “Primo Basílio” como o casamento, diante da traição de Luiza, bem como da traição de Jorge na província e a reiterada falta de respeito mútuo entre os casais ou a família que também é, ao término da história, destruída estupidamente em função de um mero capricho, de uma satisfação sexual momentânea do primo Basílio. Uma contradição? Não. Na mesma carta, prossegue Eça de Queirós comentando seu livro:

“Perfeitamente: mas eu não ataco a família – ataco a família lisboeta – a família lisboeta produto do namoro, reunião desagradável de egoísmos que se contradizem, e mais tarde ou mais cedo centro de bambochada”.

Há aqui a crítica social que se vira contra o formalismo oficial que se expressa na figura do Conselheiro Acácio, um personagem patético que remete ao José Dias de Dom Casmurro do Machado de Assis, com um linguajar cheio de superlativos, uma gravidade na postura que omite o fato de que, às escondidas dos olhos da sociedade, tem uma mulher à sua cama, que por sinal divide com outro homem; a beatice carola de Dona Felicidade, que combina seu cristianismo com as crendices recorrendo à feitiçaria para tentar encantar o homem por que seu coração ambiciona....o Conselheiro Acácio; Luíza, “senhora sentimerntal”, burguesa, mulher do engenheiro Jorge e que, arrasada pelo excesso de leitura de livros de estilo romântico se deixará seduzir pelo  primo Basílio, conduzindo a história para os fins trágicos.

A intenção de Eça ao escrever a sua tríada realista, qual seja, “O Crime do Padre Amaro”, “Primo Basílio” e “Os Maias” não era obviamente anarquizar ou destruir as instituições de seu país, mas reformá-las, modernizá-las conforme as novas tendências de um mundo em rápido progresso econômico e industrial de meados do século XIX. Um mundo novo com o surgimento de cidades, operários e burgueses: o que estava em vista dos jovens modernizadores da literatura portuguesa era levar à provinciana, beata e atrasada Portugal o correspondente no plano das ideias da revolução industrial e da expansão econômica daquele período – é parte das cogitações de Eça de Queiroz as ideias de autores como Taine, Darwin (evolucionismo) e A. Conte (positivismo). Deve ser enquadrado como um escritor modernizador e introdutor do realismo nas letras portuguesas reproduzindo uma visão social de mundo da burguesia em sua fase de ascensão histórica numa sociedade relativamente atrasada naquele momento, ao menos em face de países como Inglaterra e França.

Posteriormente, a partir de livros como “A Cidade e as Serras” (1901) e “A ilustre Casa de Ramires” (1902) o escritor passa para uma segunda fase literária, sendo talvez mais condescendente com os homens. Mas este é assunto para uma outra resenha.

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