terça-feira, 2 de junho de 2015

“A Mão e A Luva” – Machado de Assis

“A Mão e A Luva” – Machado de Assis 




Resenha Livro 174 – “ A Mão e  a Luva” – Machado de Assis - Ed. Globo 


Estamos diante de uma novela cujos capítulos foram sendo publicados no ano de 1874. Trata-se portanto de obra correspondente à fase romântica de Machado de Assis, ao menos formalmente. Na “Advertência de 1874”, diz o autor que o formato em que foi publicada – sujeito às urgências da publicação diária – causou algumas dificuldades nas intenções do autor desenvolver o perfil dos personagens, particularmente a bela e desejada Guiomar, que certamente desempenha um papel central na história.

Caracterizamos o texto como novela, primeiro por ser assim que a ela se refere Machado de Assis na sua “Advertência”. Segundo diante de sua extensão: as novelas como se sabe costumam ser uma narrativa não tão longa quanto um romance mas nem tão curta quanto um conto.

Ainda que as características realistas não estejam plenamente presentes em “A Mão e a Luva”, pode-se classificar a obra como um momento já de transição. Alguns expedientes tipicamente machadianos como o diálogo entre o narrador (em terceira pessoa) e o leitor e mesmo algumas passagens de humor já nos remetem aos seus romances de maturidade, ainda que não se vislumbre a ironia e o humor sarcástico de um Memórias Póstumas de Brás Cubas – para tal expediente seria necessária uma ruptura com o estilo romântico que envolveria questionamentos ainda não detectados em “A Mão e a Luva”.

A história tem como ponto de partida o amor frustrado de Estêvão por Guiomar, ele então um acadêmico de Direito de São Paulo e ela uma professora e estudante de letras de 17 anos. A rejeição amorosa fez com que o acadêmico – ao estilo byronista que remete tão bem aos poetas boêmios da Academia de São Paulo como Álvares de Azevedo – pense no suicídio e sofra sua primeira grande desilusão amorosa ao lado do colega de curso Luís Alves. Este amor perduraria dois anos depois, quando ambos colegas, bacharéis em Direito, retornariam ao Rio de Janeiro e mais uma vez se deparariam com a bela musa do passado.

Estêvão passara os dois anos sem se lembrar de Guiomar mas bastou ver-lhe para reacender o coração pela fonte do amor partido. Mais uma vez rejeitado, revela-se como o amor em Estêvão é eivado de um sentimentalismo que remete via de regra ao gênero feminino, causando quando muito irritação à jovem Guiomar. Talvez tal fato se explique pela origem de vida de ambos: ele um ex-acadêmico com um coração “pusilânime”, vacilante e fraco. Ela já desde cedo tendo de enfrentar graves dificuldades da vida, perdendo o pai e a mãe quando criança, tendo sido criada pela madrinha. Ambiciosa, dona de si e sem tendência ao sentimentalismo, a bela e desejada Guiomar frequentemente se irrita com os homens que declaravam seu amor por ela. Quando pela segunda vez tem a oportunidade de rejeitar Estêvão, suas palavras são brutais:

“- Dou-lhe um conselho, disse Guiomar depois de alguns segundos de pausa, seja homem, vença-se a si próprio; seu grande desafeto é ter ficado com a alma de criança.
- Talvez, respondeu o homem suspirando. 
- E adeus. Falamos a sós mais do que convinha; não sei se outra consentiria nisto. Mas eu não só reconheço os seus sentimentos de respeito, como desejo que estas poucas palavras trocadas agora ponham termo a aspirações impossíveis”.

O quadro social que serve de pano de fundo da narrativa corresponde ao ambiente burguês liberal fluminense de meados do séc. XIX. Os momentos recreativos davam-se nos teatros e óperas, além de jantares em casas de pessoas distintas como a baronesa, a mãe adotiva de Guiomar. As relações afetivas ou mais especificamente os namoros envolviam intricadas tramas com trocas de olhares, apertos de mãos mais ou menos significativos, além de bilhetes: ainda assim, estamos diante de um romance romântico cujo desenlace será a concretização do amor não como uma convenção social ou a realização de interesses pessoais/pecuniários mas como maior realização de vida. Mesmo com todas estas dificuldades, as barreiras são vencidas no final, quando o amor destina-se a atender aos anseios do outro coração – ligar a mão à luva.

Na resenha referente ao romance Ressurreição já havíamos chamado atenção para a pouca ênfase dada para os trabalhos de Machado de Assis correspondentes à sua fase romântica. A “Mão e a Luva” tem um sabor especial diante de uma narrativa surpreendente, uma história fora de padrões, imprevisível, impactante e que nos sensibiliza pelos desenlaces trágicos e redentores que são concomitantes ao término do livro.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário