sábado, 22 de outubro de 2011

"Introdução ao Fascismo" - Leandro Konder

Resenha Livro #34 “Introdução ao Fascismo” – Leandro Konder






“Introdução ao Fascismo” oferece uma interpretação marxista do fenômeno histórico do fascismo: há a proposta de se dar uma definição àquele movimento político e situá-lo dentro de um contexto histórico particular. A tarefa de se delimitar a significação do conceito de fascismo não se limita simplesmente a entender sob quais condições tal tendência política constituiu-se em cada país durante o século XX, mas entender mesmo como, nas condições de implementação do capitalismo monopolista de Estado, alguns elementos mais ou menos comuns ocorreram e ocorrem na história. Ampliar e melhor dominar o conceito de fascismo significa entendê-lo como uma tendência política particular do capitalismo e, portanto, viva, mesmo sob formas ocultas. Por outro lado, a generalização do termo fascista para cada ação autoritária e violenta de governos, polícia ou organizações políticas pode afastar os socialistas de uma análise correta acerca de cada fenômeno concreto, perdendo de vista alguns traços essenciais que diferenciam a mera violência estatal (comum e natural sob a lógica do capitalismo) de um movimento fascista.

Alguns traços essenciais determinaram a ascensão do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. No plano teórico, o fascismo “aproveita elementos das mais variadas linhas de pensamento reacionárias, reunindo-os de maneira eclética e em função de um uso muito claramente pragmático” (Lucácks). O fascismo, ainda, possui um claro caráter de Classe, estando intrinsecamente relacionado com a fase monopolista e imperialista do capitalismo. É politicamente conservador mesmo que eventualmente possa surgir sob uma roupagem “moderna”, como fora o caso do jovem e carismático duce. É um movimento chauvinista e que se serve da mistificação de um passado perdido a ser reconquistado (mitos), além do forte personalismo político, ambos, por suposto, relacionados a um projeto de poder fortemente autoritário, antiliberal e antisocialista.

No plano econômico, pressupõe a fase monopolística do capital a partir de um “certo nível de fusão do capital bancário com o capital industrial, isto é, a existência do capital financeiro” (Pg. 53).

No que se refere às classes sociais, o fascismo pressupõe a existência do que Konder afirma ser uma “sociedade de massas de consumo dirigido”. O fascismo serviu-se dos métodos então modernos de propaganda, incorporando as técnicas de estímulo ao consumo para a ação política. Assim, “no lugar da imagem dos políticos conservadores tradicionais, com seus fraques e cartolas, muitas vezes apoiados em bengalas seus vultos pálidos e senis, difundiu-se pela Itália inteira a imagem de um Duce cheio de vitalidade, viajando frequentemente de avião e ditando por telefone os artigos diários destinados aos leitores do seu jornal” (Pg. 47).

A interlocução dos líderes políticos com as massas por meio do rádio e da propaganda imagética (ambas facilmente manipuláveis) reforçou o caráter “modernizador” ou mesmo “revolucionário” do fascismo, disfarçando seu conteúdo político conservador e seu caráter social anti-popular.

Classes Sociais e aspectos econômicos

O apelo de massas das novas técnicas de propaganda criadas pela “sociedade de massas de consumo dirigido” sinaliza o conteúdo policlassista do movimento fascista. O apelo à unidade nacional, a criação de “inimigos comuns” e o mito da nação foi endossado a partir de um determinado contexto de desgaste de princípios do liberalismo, da democracia e do socialismo. Havia aquilo que Konder chama de uma “preparação cultural” para o fascismo, que envolve a difusão de preconceitos aristocráticos que influenciam inclusive as forças progressistas (abandonando o trabalho político com as massas e aumentando a confusão política destas).

Além disso, o próprio capitalismo, como sistema econômico que engendra e difunde cultura, teria papel na disseminação do chauvinismo.

“O capitalismo, como sistema, jogara os homens uns contra os outros, numa competição desenfreada onde só uma coisa podia contar: o lucro privado. Desenvolveram-se enormes metrópoles capitalistas, povoadas por multidões de indivíduos solitários, amendrotados, cheios de desconfiança. As condições técnicas da produção industrial aproximavam os seres humanos, socializavam a vida deles, mas as condições privadas, exacerbadamente competitivas, criadas pelo capitalismo para a apropriação da riqueza produzida afastavam-nos uns dos outros” (pg. 44).

Se o terreno cultural – profundamente anti-socialista e com aspectos aristocráticos e individualistas – encontra eco na difusão do fascismo, este, mais uma vez, expressa tendências inerentes ao capitalismo, seja em função das próprias condições técnicas da publicidade assimilada pela política, seja pela criação da “sociedade de massas de consumo dirigido”, seja pela própria condição do homem comum (afastado de práticas solidárias e alienado do trabalho) sob o capitalismo.

Um último e pequeno ponto, eventualmente inconcluso numa obra de Introdução, seria o de uma maior averiguação da participação do proletariado (e as razões para tal) dentro do movimento fascista. Segundo Leandro Konder, a classe operária teria sido menos envolvida pelo fascismo do que a pequeno burguesia, mesmo reconhecendo que parcelas do proletariado em Itália e Alemanha tivessem aderido ao fascismo.

Mauro Iasi, no prefácio do livro, alerta para a lacuna, o que implica, aqui, pensar a respeito dos papeis das classes sociais em momentos de radicalização política: a classe operária alemã e italiana desempenharam qual papel durante os regimes de Hitler e Mussolini? Se o fascismo (como afirma Adorno) é o resultado de uma revolução derrotada, como avalizar o papel das forças socialistas revolucionárias, da social-democracia da II Internacional e da URSS para a ascensão do fascismo?

Quais lições a classe operária pode tirar no sentido de romper o cerco de uma ofensiva cultural fascista promovida pela sociedade do consumo e pelo capitalismo monopolista de Estado?

Para fazer avançar melhor entendimento do fascismo e armar teoricamente aqueles que lutam pela liberdade e emancipação humanas, o desafio colocado por Konder vai além da mera determinação formal do fascismo. Ao discutir, assim, a forma como o fascismo foi interpretado ao longo da história, as relações entre o fenômeno político e sua projeção econômica e as ligações entre o fascismo e a desmobilização do movimento de massas (por meio da força e de derrotas históricas da classe trabalhadora) o leitor de “Introdução ao Fascismo” deverá ter melhores condições para analisar criticamente movimentos que tangenciam ou que se revestem de caráter fascista na atualidade.

“As condições atuais da luta não animam o capital financeiro a correr o risco de apoiar partidos de massa, capazes de empunhar bandeiras com cruzes suásticas nas ruas: é prefirível tentar manipular a maioria silenciosa que fia discretamente em casa, entregue ao consumo da Coca-cola e da televisão. Novos padrões de conduta política passar a ser inculcados sob a capa de atitudes não políticas.
As circunstâncias exigem dos fascistas que eles sejam mais prudentes e mais discretos do que desejariam. Pragmaticamente, adaptam-se às exigências dos novos tempos. Mas continuam a trabalhar, infatigavelmente, preparando-se para tempos “melhores”, que lhes permitam maior desenvoltura” (P. 178).

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