sexta-feira, 8 de julho de 2011

"Reflexões sobre o Socialismo" - Maurício Tragtenberg

Resenha livro #29 - "Reflexões Sobre o Socialismo" - Maurício Tragtenberg - Ed. Unesp




Maurício Tragtenberg foi professor universitário, ativista e teórico político. Não se definia como anarquista, mas como "socialista libertário": segundo Michel Löwy, o autor promove uma síntese original entre anarquismo e marxismo, "inventando um projeto revolucionário generoso e anti autoritário, um socialismo libertário e coletivista".

Lendo as críticas do autor acerca da burocratização das lutas e a conformação do capitalismo de estado nos países do leste europeu, sinaliza-se o entendimento do autor sobre o que é socialismo.

O socialismo em Tragtenberg se conforma a partir das lutas autônomas e independentes dos trabalhadores e da criação de associações horizontais ancoradas na auto-gestão da produção econômica. Meios e fins estão conectados, os meios são parte viva da própria construção do socialismo. Isto significa que a generalização das lutas autônomas e da auto-gestão da produção são inatas ao socialismo.

"Assim, socialismo é entendido aqui como o regime em que a autogestão operária extingue o Estado como órgão separado e acima da sociedade, elimina o administrador dirigente da empresa em nome do capital e,ao mesmo tempo, elimina o intermediário político, isto é, "o político profissional".

Se existe alguma unidade entre meios e fins, da auto-gestão enquanto parte do socialismo, vale pontuar implicações da concepção de socialismo e instrumentos de luta. Estes não são especificamente discutidos no livro de Tragtenberg: entretanto, como uma decorrência das análises do autor, interpretamos serem aqueles instrumentos reprodutores das práticas e do modelo de organização da auto-gestão.

Alguns princípios, enunciados pelos operários da Fiat Xerém em sua greve histórica de 1980, poderiam perfeitamente ser aplicáveis, aqui, a outros instrumentos de luta anti-capitalista. A história do Comitê de Luta (CL) dos operários de Xerém é relatada por Tragtenberg como forma de demonstrar como os trabalhadores, durante o desenvolvimento das lutas, criam formas mais ou menos espontânea de associação política horizontal.

Aqui, propomos trazer alguns dos princípios do Comitê de Luta (os 4 primeiros princípios de um total de 7) como espécie de "requisitos mínimos" de maneira a (tentar) evitar ao máximo a burocratização.

"Princípios do Comitê de Luta (CL)

1- Democracia Operária: submissão da minoria à maioria, inclusive da "vanguarda". A minoria tem o direito de se manifestar.

2- Autonomia e independência: os comitês de luta atuam no sindicato dirigido por pelegos (agentes patronais vinculados ao Estado), mas em hipótese alguma devem permitir ser atrelados à estrutura do sindicato oficialista. No comitê se manifesta a total autoridade do peão: "Quem manda é o peão". Portanto, o CL é apartidário, sem obedecer a qualquer organismo superior ou a qualquer partido.

3- Direção coletiva e combate às hierarquias: os CL não devem se subordinar a instancias superiores e muito menos criar instancias inferiores. Devem permanentemente lutar para que haja o máximo de divisão de tarefas, de informações para todos. Assim se criam condições para o exercício da direção coletiva. É um risco muito alto um pequeno grupo de ativistas controlar o grupo ou decidir por ele

4- Respeito à individualidade: os CL devem respeitar a capacidade individual de cada ativista. Para um bom desempenho da ação do comitê deve-se utilizar as capacidades individuais daqueles que reúnem melhores condições de levar as posições do comitê e da massa. Porém, isso não pode significar concentração de poder ou de informação nas mãos dessas pessoas. À medida que se democratizam ao máximo as informações, mais condições teremos de exercer a democracia operária.

(...) "


Decorrências políticas do Socialismo em Tragtenberg

Os requisitos mínimos têm como ponto comum esforços em não fazer com que o CL deixasse-se burocratizar, o que, em termos mais amplos e analisando as experiências históricas, significou o começo da contra-revolução. A reação às lutas espontâneas e a auto-organização popular não se resume à violência contra-revolucionária da burguesia. Tem a ver, igualmente, com o momento em que as massas deixam de ter controle sobre os rumos históricos.

Os momentos revolucionários são sempre decisivos e as escolhas políticas, a cada passo dado, terão fortes e definitivas implicações. A tese da "traição das direções", por outro lado, não parece dar respostas completamente satisfatórias para o problema da burocratização. Isto porque, para se apreciar em que medida a "traição" ou erros políticos cometidos incidiram nos desdobramentos subsequentes dos fatos, recorre-se ao exercício contra-factual de se perguntar: "e se", "e se outro caminho tivesse sido tomado?". A história contra-factual nunca nos dará respostas conclusivas: num universo indeterminado de possibilidades de escolhas/rumos históricos, cada opção determinará mudanças em cadeia de forma completamente imprevisível.

O que temos, portanto, é a possibilidade de tentar extrair ao máximo lições sobre o passado. A forma como interpretamos socialismo decorre especialmente da forma como avaliamos as experiências revolucionárias do século XX.

Tragtenberg refere-se à URSS e os países do leste como estados capitalistas decorrentes da burocratização das lutas, contando com participação decisiva para a burocratização, o partido bolchevique. Mais uma vez, parece-nos que a interpretação fica inconclusa. Não se pode garantir, por exemplo, que nem a generalização das lutas revolucionárias via soviets, nem a instauração de um partido centralizado na direção do movimento teriam sido mais ou menos eficazes para se derrotar a contra-revolução, sob o risco de se exercitar a história contra-factual. O que é possível, aqui, é discutir o que é socialismo.

Se o socialismo tem a ver, acreditamos, com os princípios enunciados pelo CL de Xerém, o movimento, o processo para se atingir o socialismo contempla aqueles princípios. Métodos de luta reproduzem de certa forma (particular e transitória) os fins das lutas.


Ativismo político de Tragtenberg

Como ativista, Tragtenberg atuou no PCB, de onde foi expulso. Segundo biografia do Wikipedia, o motivo para a expulsão de Tragtemberg foi o fato de ele infrigir norma que proibe contato com a obra de Leon Trótsky. Atua, posteriormente, no PSR (Partido Socialista Revolucionário) junto a Hermínio Sachetta, primeiro grupo a introduzir as ideias da revolucionária Rosa Luxemburgo no Brasil.

Pessoalmente, sabe-se que Tragtemberg fora um auto-didata e outsider do meio acadêmico. Trabalhou no Departamento das Águas de São Paulo e na Fundação Getúlio Vargas, o que, provavelmente, contribuiu para sua interpretação original sobre o significado da burocracia. Crítico radical das instituições educacionais sob o capitalismo, conta-se que fora um professor controvertido.

Uma história sobre Tragtenberg para finalizar esta resenha. Ouvimos o relato de um camarada cujo pai estudou com Maurício Tragtenberg na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Segundo a história contada por este camarada, Tragtenberg zombava de alunos preocupados com as notas das provas semestrais conforme sua orientação libertária acerca da educação. Costumava, então, jogar as provas dos estudantes ao alto: as provas que caíam no chão tinham nota 8, aquelas que caíam no tablado do professor eram nota 9 e as provas que caíssem sob a mesa tinham nota 10. Não temos conhecimento de melhor método de avaliação já aplicado nas universidades brasileiras.

2 comentários:

  1. O que é muito interessante no pensamento do Maurício Tragtenberg é que ele não parece querer fugir das contradições na história da luta de classes. Ao analisar a história da Revolução Russa e a Guerra Civil Espanhola não deixa de refletir sobre o movimento Makhnovista (com seu exército negro, sem hierarquia) e sobre as brigadas internacionais.

    Além disso, espelhando-se nas práticas pedagógicas surgidas nesses períodos históricos, ele cria uma prática e teoria libertária para a educação. Busca uma educação que questiona seus próprios limites pedagógicos e políticos. Enfim, o cara era foda

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