Resenha Filme #3 – “A Chinesa” – Jean Luc-Godard
6 Pontos sobre "A Chinesa" de Jean Luc-Godard
1- O filme retrata jovens universitários franceses organizados numa célula política de orientação maoísta. O grupo passa os dias dentro de um apartamento, de onde praticamente não saem, falando de temas teóricos ligados à arte, filosofia da linguagem e política internacional, sempre se orientando pelas críticas ao imperialismo norte-americano e ao revisionismo soviético. (O fato dos jovens estarem isolados do mundo é determinante, por suposto, na conformação de suas análises políticas da realidade). A obra passa-se em Paris de 1967 e ilustra a geração de universitários franceses que participariam das revoltas do maio de 68.
2- Veronique tem 19 anos, estuda filosofia, aparenta possuir vasta formação teórica, ainda que imatura e impaciente politicamente. Kirilov é um artista, pouco intevem nas discussões do grupo e defende o terrorismo político. Henri é químico e tensiona o coletivo acerca da necessidade de objetividade nas análises: “o marxismo é uma ciência.” É acusado de revisionista e, ao defender a coexistência pacífica entre URSS e EUA, é expulso da célula. Guillaume é ator, fala sobre política de forma intensa, lê trechos do livro vermelho em voz alta e aparenta ser arrogante. Yvonne é de origem camponesa, diferencia-se do restante do grupo por sua origem social, pelo fato de não compreender as discussões na forma como elas são feitas pelos universitários. Na cidade, trabalhou como faxineira e eventualmente prostitui-se.
3- O filme tem uma linguagem bastante específica, os diálogos são intercalados com mensagens políticas, imagens de Lênin, Mao-Tsé Tung, Malcon X e Stálin ou cartazes de propaganda política, fotografias ilustradas da revolução cultural chinesa, da resistência na Argélia e jovens dissidentes na URSS. O apartamento é decorado com mensagens políticas pintadas nas paredes e diversos livros vermelhos. Os livros vermelhos são utilizada como barricada em luta simbólica contra o imperialismo ou jogados num tanque de guerra de brinquedo. A forte presença do livro vermelho remete à centralidade da revolução cultural dentro do imaginário dos jovens franceses do final dos anos 1960. Os impactos decorrentes da morte de Stálin, o imperialismo soviético, a coexistência pacífica e a emergência das guerrilhas no chamado terceiro mundo são retratados nas discussões políticas, nas imagens e nos desdobramentos finais do filme (que não serão contatos nesta resenha).
4- Uma discussão específica entre Veronique e um antigo professor da universidade nos pareceu o ponto alto do filme. O fato do diálogo dar-se fora do apartamento favorece a crítica sobre as políticas dos jovens universitários: dentro de um trem em movimento, aquele é um dos poucos momentos que Veronique convive com pessoas de fora da célula. A conversa gira em torno dos problemas das universidades francesas, do autoritarismo e sensação de sufocamento cultural e das formas de luta de resistência. Veronique revela neste momento o fato de que os dois anos de estudos teóricos de marxismo não expressam conhecimento e sensibilidades acerca do real, dos desafios concretos e objetivos dos estudantes na luta pelo socialismo. A proposta da ação terrorista, de lançar bombas na universidade defendida por Veronique é duramente criticada. As ações terroristas não vinculadas com um movimento de massas e com um alguma possibilidade de adesão no sentido de promover uma luta generalizada não são objeto de preocupação na estudante. A luta revolucionária surge à personagem como algo pessoal. Lênin quando discute o esquerdismo, relaciona-o à política pequeno-burguesa. Não se pode fazer a revolução pela maioria mas necessariamente com a maioria.
5- O isolamento da célula revolucionária em relação ao mundo é igualmente fonte de provocação àqueles que hoje lutam pelo socialismo num contexto em que a possibilidade de um futuro pós-capitalista aparenta ter sido jogada no lixo da história. O fato é que todo o estudo teórico não suprime a exigência da experiência prática como forma de apreensão do real, dos objetivos e dos meios de luta através da “análise concreta da realidade concreta” (Lênin). O apartamento da célula maoísta existe como um mundo à parte, sem conexão orgânica com a realidade dos trabalhadores. Emblemático o fato da camponesa Yvone estar isolada politicamente do grupo. Em uma de suas poucas intervenções é vaiada pelos estudantes, ao responder que a origem da verdade é o “céu”. No que se refere à nossa realidade, a provocação vai num sentido mesmo além da crítica à política de seita. A provocação trata daquilo que costuma-se chamar das condições objetivas e subjetivas da revolução. Se o conhecimento teórico do grupo dá suporte às interpretações teóricas acerca das condições objetivas, esta depende da vivência concreta dentro da realidade do trabalho – fora do apartamento ou de reuniões internas de partidos e dentro de fábricas, escolas, nos bairro populares. Sobre as condições subjetivas, estas se expressam na organização política, nos fluxos de consciência da classe que vive do trabalho e na sua interação com as análises das condições objetivas.
6- A ideia de que um apartamento fechado ao mundo de onde um grupo jovens dará partida a uma revolução mundial é comparada a uma fábula, relatada no filme, que oferece uma boa síntese de a Chinesa. No Egito, acreditava-se que a língua falada por aquele povo era a mesma que a língua de deus. Para demonstrá-lo, conta-se que um pequeno grupo de bebês foi deixado numa casa em total isolamento do mundo: havia a expectativa de que os pequenos aprendessem a língua naturalmente. Passados alguns anos, constatou-se que as crianças comunicavam-se grunhindo como carneiros – notaram que havia carneiros ao lado da casa onde as crianças foram abandonadas. A crítica política de Godard refere-se à ideia de que o apartamento equivale a casa das crianças egípcias. Infelizmente, a crítica tem sua atualidade.
Valeu bicho!
ResponderExcluirpostei lá no topico especifico do filme
namastê
mrlx
Oi, Paulo. Veja meu artigo sobre esse filme. Gostei bastante desse seu, parabéns!
ResponderExcluirhttp://revistacidadesol.blogspot.com/2011/05/chinesa-ou-moda-chinesa-notas-sobre-o.html