sexta-feira, 6 de abril de 2018

“História da Literatura Brasileira” – José Veríssimo


“História da Literatura Brasileira” – José Veríssimo



Resenha Livro - “História da Literatura Brasileira” – José Veríssimo – Iba Mendes – Projeto Livro Livre.
               
                
José Veríssimo foi dos maiores críticos literários da história das ideias do Brasil, ao lado de Sílvio Romero e Antônio Cândido. Revela-o o fato desta História da Literatura ter sido publicada após 25 anos de estudos específicos do autor acerca do desenvolvimento das letras em Brasil e sua principal fonte de inspiração, Portugal e França. A partir da era colonial, o classicismo e arcadismo portugueses, o romantismo nativista, o naturalismo e parnasianismo decorrente do influxo de ideias francesas na literatura nacional.
                
Esta História da Literatura foi escrita em 1915 e lançada ao público um ano depois. Poucos anos antes, portanto, da Semana de Arte de 1922. Trata-se esta última de advento de uma arte não só nacional na temática indígena, da exuberância dos aspectos mais exteriores da realidade nacional (as florestas, os mares, os animais silvestres, etc.), mas de um movimento de artistas incumbidos de produzir uma arte sem se servir das fontes formais estrangeiras. Arte em que forma e conteúdo reproduzem de diversas formas os traços particulares do brasileiro: é o Macunaíma de Mário de Andrade, um herói preguiçoso e sem caráter, que é concomitantemente índio, negro e branco; são os poemas provocativos de forma livre de O. de Andrade; são os retratos de tipos populares como trabalhadores de lavoura de Café de Portinari (1935) e Operários (1933) de Tarsila do Amaral; são os ensaios históricos de Paulo Prado acerca do Brasil e sua infinita tristeza.
               
Se por um lado nesta História da Literatura as propostas de classificação das obras literárias podem ser hoje questionadas, considerando-se o desenvolvimento ulterior da literatura brasileira, este trabalho de José Veríssimo permanece sendo importante fonte de informações e crítica da literatura brasileira, particularmente na etapa colonial. Em que pese Veríssimo revelar no prefácio uma concepção mais restrita do sentido de literatura, uma “arte literária” ou “o escrito com o propósito ou a intuição dessa arte, isto é, com os artifícios de invenção e de composição”, nesta obra contempla-se formas de expressão mais amplas. Considerando que o grosso das manifestações culturais no Brasil, especialmente na fase colonial, corresponde a versejadores, teatros instrutivos realizados pelos jesuítas para a catequização dos índios, sermões, além de uma cultura oral que muitas vezes deixou poucos resquícios em documentos expressos[1], seria difícil ao menos naquele tempo restringir o campo de análise com uma redução da literatura à prosa e verso.
                
Veríssimo divide a literatura brasileira em duas grandes etapas: a Etapa Colonial cuja primeira manifestação data de 1601 com Bento Teixeira (PE) e seu “Prosopopéia”. Um período em transição, que engloba o Barroco, ainda inserto na etapa colonial, mas com uma crescente orientação nacionalista das manifestações literária, um ufanismo incipiente que datam das descobertas das jazidas de ouro e da luta nacional pela expulsão dos holandeses (1624-59). E  finalmente a etapa Nacional da Literatura com o Romantismo indianista de Gonçalves Dias na poesia e José de Alencar no romance e posteriormente com a etapa que Veríssimo classifica de Moderna e que se diferenciará a partir de um esboço de uma percepção mais crítica da sociedade com a influência externa de Comte, Taine e Renan, bem como fatos históricos a partir de 1870 que engendram novas preocupações na sociedade como o republicanismo, o problema da abolição da escravidão, o fim da guerra do Paraguai e a questão religiosa opondo Igreja, o Império e Maçonaria, tendências a maiores liberdades espirituais e maior espírito crítico, bem como apontando maiores manifestações literárias de cunho político partidário do qual Joaquim Nabuco, Sílvio Romero, Eduardo Prado e Rui Barbosa são os mais importantes exemplos.

De todo este trabalho vasto de resgate de produções não apenas literárias, envolvendo a prosa, a poesia e o teatro, mas das manifestações culturais que especialmente na etapa colonial aparecem sobre a forma de histórias descritivas do Brasil,  tal retrato de nossa história da literatura elucida aspectos importantes da evolução histórica do Brasil. Pode-se constatar uma linha de continuidade com a importação de modelos literários portugueses, considerando-se o baixíssimo nível cultural dos colonos e inicialmente o restrito acesso à alfabetização através de Colégios Jesuítas. Nossa primeira Academia Literária data de 1720 mas inicialmente tais arcádias tem nulo papel cultural. Diante da proibição da imprensa e dos jornais no Brasil Colônia, as obras eram copiadas à mão. Muito da poesia, da música ou dos cantos eram nada mais do que odes ou formas mais vulgares de bajulação aos poderosos donos de terra que na prática protegiam como mecenas os poetadores. Até o aparecimento de  Gonçalves Dias, estes versadores produziam obras de discutível valor, com uma ou outra exceção. Mas aqui importa anotar a possibilidade de acesso direto às fontes de autores como um Gabriel Soares, Antonil e Frei Vicente do Salvador (que inaugura a prosa literária brasileira com uma história do Brasil hoje vista como ingênua) até as manifestações escritas de um Padre Vieira ou do também conhecido Gregório de Matos, este último reconhecido do público por sua verve burlesca e satírica e, ao que consta, pessoa que vivia pessoalmente a vida boêmia e desregrada que cantava em seus versos.

Já foi dito que a literatura é o retrato da sociedade. Concluímos esta resenha com uma descrição em detalhes de fato relatado pelo nosso primeiro prosador e, se quisermos, historiador, Frei Vicente do Salvador, de modo a ilustrar como os estudos literários são meio privilegiado para o conhecimento da história nacional.  

“Saindo o padre Francisco Pinto de sua tenda onde estava rezando, a ver o que era, por mais que com palavras cheias de amor e benevolência os quisesse quietar, e os seus poucos índios com flechas pretendiam defendê-lo, eles, com a fúria com que vinham mataram o mais valente, com que os mais não puderam resistir-lhe nem defender o padre, que lhe não dessem com um pau roliço tais e tantos golpes na cabeça que lha quebraram e deixaram morto. O mesmo quiseram fazer ao padre Luís Figueira, que não estava longe do Companheiro, mas um moço de sua companhia, sentindo o ruído dos bárbaros o avisou, dizendo em língua portuguesa: “Padre, padre, guarda a vida” e o padre se meteu às pressas em um bosques (...)”. FREI VICENTE DO SALVADOR       


[1] A imprensa no Brasil data de 1808 com a vinda (ou fuga) da Família Real ao país.

segunda-feira, 19 de março de 2018

“A Coluna Prestes no Piauí” – Chico Castro


“A Coluna Prestes no Piauí” – Chico Castro



Resenha Livro - “A Coluna Prestes no Piauí” – Chico Castro – Edições do Senado Federal V. 90

“O medo era aterrador. Afinal, nas trincheiras estavam parentes próximos e distantes que, mesmo sem ter em mente o significado do movimento tenentista, saíram em defesa da cidade armada, em face da indomada sanha dos invasores. O que era a Coluna Prestes para eles? Um bando de homens, de porte varonil, bem armados, vindos do sul do país, com o fino intuito de invadir a capital, tomar casas e bens, saquear o comércio, matar aqueles que se intrometessem em seu caminho, levar consigo homens e mulheres para as suas fileiras e praticar todo tipo de atrocidades, comuns aos bandidos mais perigosos. Era exatamente o que a propaganda governista passou, levando pavor e desespero para a pacata família teresinense. Só muito tempo depois minha mãe veio saber a verdade, e eu também”. Chico Castro

É comum ouvir-se a tese de que o povo brasileiro é pacífico, avesso às formas mais violentas de luta política, renunciando à mobilização em face das graves e diversas injustiças sociais do país. Um rápido olhar panorâmico pela nossa história revela como tal senso comum[1] é falso.

Desde o Quilombo dos Palmares até as demais formas de resistência dos cativos como fugas, sabotagem nos trabalhos até assassinatos dos Barões de Açúcar e Café; a Conjuração Mineira suscitando de forma pioneira o republicanismo; a Confederação do Equador movimento separatista e republicano; a Revolução Pernambucana de 1817, a Sabinada, a Balaiada, a Farroupilha, a Revolta dos Malês[2] na Bahia tratando-se de movimento político de escravos de origem muçulmana que poderia ter evoluído no mesmo sentido do movimento emancipacionista do Haiti. Mais recentemente, a greve geral de 1917, a Revolta do Forte de Copacabana (1922) chegando às jornadas de luta armada contra a ditadura militar com Lamarca e Carlos Marighella.

Neste amplo contexto de lutas sociais, a Coluna Prestes se revela como o movimento guerrilheiro mais grandiloquente da história do Brasil. Dirigido por Luís Carlos Prestes, Siqueira Campos e Juarez Távora, a marcha guerrilheira percorreu mais de 24.000 KM do território brasileiro num itinerário mais vasto que a grande marcha da China de Mao Tsé Tung.

Este notável trabalho de Chico Castro aborda a passagem da Coluna pelo estado do Piauí. Pelo menos três fatos de grande relevo ocorreram durante a marcha guerrilheira naquele Estado onde tomaram posse de todo o interior e promoveram um duro cerco à cidade de Teresina. Primeiro, a suposta participação do Cangaceiro Lampião no encalço dos guerrilheiros[3]  .  Segundo, foi no Piauí que membros do Partido Comunista Brasileiro entraram em contato com o Cavaleiro da Esperança (Prestes) pela 1ª vez. Finalmente, no Piauí houve a prisão de Juarez Távora.

Entender o que foi a Coluna Prestes exige contextualização da história. Após a proclamação da República em 1889 que se deu sem participação popular através de um golpe de estado militar, inicia-se o período da República Velha que não implicou em grandes transformações num sentido progressista. Houve um ambiente político fechado, com as famosas eleições à pena de bico, fraudulentas, que resultava em vitória de candidato pré estabelecido.

Pela lei Saraiva (1881) o voto deveria ser secreto mas não o era na prática e especialmente nos rincões do país a maquina eleitoral era controlada pelos coronéis. Tempo da política do café com leite em que políticos paulistas e mineiros (estados mais importantes economicamente) faziam com que a classe dos latifundiários estivessem sempre no poder.

Em 1925, 85-90% da população brasileira é analfabeta. A constituição de 1891 em seu artigo 70 afastava o direito ao voto dos menores de 21 anos, das mulheres, dos mendigos, dos religiosos ligados a alguma ordem monástica, dos soldados e dos analfabetos.

Enfim, no fundamental as elites atuavam politicamente em benefício próprio reivindicando exclusivamente para si a posse do aparelho estatal.

“A ideia de democracia na República Velha era a de uma estrutura montada de cima para baixo. Lá no topo da pirâmide estava a elite cafeeira de São Paulo, setores letrados da faixa urbana e os políticos que eram, na verdade, representantes ou descendentes das oligarquias rurais que se mantiveram no poder, mesmo com a mudança do regime monárquico para o republicano.”

Os tenentes tinham um programa que expressa o descontentamento dos baixos extratos das forças armadas, reivindicando a moralização dos negócios públicos, o voto secreto e o fim da manipulação eleitoral, além da reforma na educação pública. Quando o movimento evolui para a guerrilha, sua intenção é a derrubada da ditadura civil de Arthur Bernardes. Vencedor do pleito de 1922, considerada as eleições mais corruptas da história. Os tenentes haviam apoiado a candidatura liberal de Nilo Peçanha.

O mais provável é que o leitor, em suas aulas de história, tenha saído com a impressão de que a coluna foi um movimento que esteve sempre em fuga do encalço das forças oficiais até a conclusão da guerrilha na Bolívia. Porém, a história da Coluna Prestes no Piauí da outra imagem dos acontecimentos. Os guerrilheiros na maior parte do tempo estiveram na ofensiva, acossando as forças oficiais. Alguns militares passaram para o lado da Coluna. E havia uma certa resistência ao enfrentamento considerando serem os rebeldes e as tropas da coluna igualmente militares da mesma pátria.

Outro fator a ser anotado é a superioridade moral da coluna em face dos batalhões bernardistas.

Por um lado as forças do governo saqueavam as cidades chegando a matar os mais rústicos e simples moradores acusados de ajudarem os guerrilheiros. Aqui os saques, o arbítrio e a violência eram indiscriminados. Foi formado mesmo um batalhão de patriotas do governo formado por mercenários e bandidos que, com vencimentos da receita pública, tiravam proveito da situação para o cometimento de atrocidades. Por outro lado havia uma guerra de informações em que os bernardistas acusavam a coluna de todo tipo de crime.

De fato, criou-se inicialmente forte boato acerca do caráter criminoso da coluna.
Mas na prática, quando os guerrilheiros chegavam aos povoados, saqueavam impiedosamente os grandes proprietários e lojistas, distribuindo alimentos e bens para o povo pobre. De modo que, se o povo não compreendia o significado a Coluna Prestes, passou apreciar sua identificação com os pobres e humildes.

O balanço final do movimento guerrilheiro não pode ser considerado como vitorioso nem como derrotado. Se por um lado a guerrilha não engendra uma revolução no Brasil, por outro lado resistiu ao cerco das forças armadas até o exílio. O movimento expõe as contradições e acirra a crise da República Velha que tem como desdobramento a Revolução de 1930 (Era Vargas).     




[1] O senso comum frequentemente expressa ideias vinculadas à ideologia dominante. A ideologia do ponto de vista do marxismo é o conjunto de ideias que beneficiam a classe dominante mas que se expressam como se dissessem respeito ao conjunto das classes sociais.
[2] O termo "malê" tem origem na palavra imalê, que significa "muçulmano" no idioma ioruba
[3] É bastante controvertida a participação de Lampião no conflito da coluna. Em depoimento pessoal do cangaceiro e como alguns historiadores crêem, Lampião por intermédio do Padre Cícero recebeu o convite das forças oficiais de mobilizar o seu grupo bandoleiro no encalço da coluna. Teria recebido até patente do exército, provavelmente falsa. Outra versão baseada em jornais e pronunciamentos parlamentares da época diz-se que Lampião deu apoio e cobertura aos colunistas, principalmente dando orientação do território dos rincões do norte e nordeste tão conhecidos pelos cangaceiros.

“O Eurocomunismo é o Anticomunismo” – Enver Hoxha


“O Eurocomunismo é o Anticomunismo” – Enver Hoxha



Resenha Livro - “O Eurocomunismo é o Anticomunismo” – Enver Hoxha – Editora Anita Garibaldi

O nome de Enver Hoxha é ainda bastante desconhecido dentre o público e a militância revolucionária brasileira, particularmente dentre os mais jovens.

Hoxha ganhou projeção política a partir das lutas de libertação nacional da Albânia ocupada pelo nazi fascismo no âmbito da II Guerra Mundial. Após o conflito, foi dirigente do Partido Comunista Albanês, denominado “Partido do Trabalho da Albânia”. Nesta condição foi o primeiro dirigente daquele país a visitar a URSS sob a liderança de Stálin. Compareceria a reuniões e atividades políticas na URSS em três ocasiões diferentes e seus encontros pessoais com Joseph Stálin foram retratados em um notável livro, misto de reminiscência de viagens além de uma defesa enfática da primeira nação socialista da história.

Pode-se dizer que a experiência socialista na Albânia foi bastante diferenciada, suis generis. Enquanto em países como França e Itália as lutas pelas liberdades subjugadas pelo nazi fascismo se dissociaram de um horizonte socialista – fenômeno associado à capitulação dos respectivos partidos comunistas ao revisionismo e reformismo, o Partido do Trabalho Albanês revelou-se como um verdadeiro instrumento político vinculado à ortodoxia marxista (marxismo-leninismo).

É possível dizer que o revisionismo é um gênero dentro do qual o Eurocomunismo é uma espécie particular. Pode-se falar de um revisionismo mais antigo, já combatido por Lênin em face de Bernstein e do velho Kautsky. E há um revisionismo mais contemporâneo, que envolverá o Partido Comunista dos EUA (Browder), o revisionismo de Tito na Iugoslávia, o revisionismo chinês de Mao Tse Tung[1], o Eurocomunismo e o revisionismo dentro da própria URSS a partir da era Kruschov e do XX Congresso do Partido Comunista Russo que com a massiva onda de calúnia sobre Joseph Stálin e seu legado. (1956).

Importa ressaltar que cada espécie de revisionismo tem alguns traços em comum e algumas características particulares.   

Tito rompe com o modelo de partido de vanguarda leninista e intenta transformar a organização em uma espécie da associação de educação e propaganda. Em termos práticos, a política de não alinhamento da Iugoslávia significa a renúncia ao combate direto e unificado contra o imperialismo.

O Eurocomunismo talvez levará às maiores distorções do marxismo leninismo. O partido italiano dirigido por Palmiro Togliatti manifesta adesão à constituição burguesa naquele país sob o pretexto de defesa da democracia. O grau de submissão do partido italiano era tal que a organização não se opôs à entrada daquele país, sob a batuta do partido democrata cristão, junto Otan, organização político militar criada pelos EUA do Pós Guerra para combater o socialismo e a revolução:

“O Eurocomunismo é uma variante do revisionismo contemporâneo, um conglomerado de pseudoteorias que se opõem ao marxismo leninismo. Seu objetivo é impedir que a teoria científica de Marx, Engels, Lênin e Stálin continue sendo uma poderosa e infalível arma nas mãos da classe operária e dos autênticos marxistas-leninistas para destruir o capitalismo e seus alicerces, sua estrutura e superestrutura, para instaurar a ditadura do proletariado e construir a nova sociedade socialista.

Os revisionistas italianos definiram o Eurocomunismo como uma “terceira via, que difere das experiências das social democracias e das que se tem desenvolvido depois da Revolução de Outubro na União Soviética e em outros países socialistas”.

Assim para os Eurocomunistas os conceitos de luta de classes e ditadura do proletariado não têm mais validade, são datados ou específicos para o contexto da Revolução Russa (1917). Há aqui uma nova política em que o socialismo seria o caminho para a democracia e não o inverso. Tanto os eurocomunistas como as demais correntes revisionistas são também produto de uma pressão da burguesia sobre a classe operária. Nesse sentido não seria à toa que uma enorme gama de revisionistas capitulacionistas têm origem no contexto de crise do capitalismo no pós II Guerra Mundial.

As concessões de governos burgueses – políticas sociais universais, aposentadoria, direitos sindicais e trabalhistas – no pós II Guerra na Europa Ocidental nada mais foram que políticas para conter um gigantesco proletariado europeu diante da grande força moral da URSS e do exército vermelho[2]. Reformas para que não se repetisses novas revoluções de outubro.

“O partido comunista marxista leninista não teme a guerra civil. A repressão e a feroz violência da burguesia conduzem a esta guerra. É sabido que a guerra civil não é travada entre a classe operária e os demais trabalhadores honestos, mas pelas massas trabalhadoras contra a burguesia capitalista dominante e seus órgãos de repressão. A luta revolucionária do proletariado deve conduzir à conquista do poder por meio da violência. Este rumo da luta é precisamente o que tanto temem os capitalistas, os burgueses e os revisionistas”.

O combate ao imperialismo, a constituição de um partido não só propagandista mas que se forja na ação, e especialmente a defesa do caminho correto ao socialismo que envolve não a exclusividade das reformas, mas o horizonte revolucionário – estes continuam sendo os caracteres fundamentais do marxismo leninismo defendido por Hoxha. Agregar trabalhadores, juventude e mulheres, atuar sob as bases dos sindicatos reformistas (e disputar a consciência dos trabalhadores desde a base) são as outras premissas do marxismo leninismo.

Interessante chamar a atenção para teses eurocomunistas como a do fim do proletariado como classe particular (Roger Garaudy – Partido Comunista Francês), a renúncia à violência revolucionária em troca de acordos com a burguesia, até a exótica tese de que houve certo desenvolvimento das forças produtivas nos países do capitalismo central engendrando mudanças que por si só seriam capazes de conduzir os rumos da história ao socialismo: reformas parlamentares sem lutas e mobilização permanente.

Obviamente é possível encontrar diferentes formas de revisionismo/ecletismo/reformismo na experiência da luta de classes no Brasil. Pode-se supor que o “no eurocomunismo” no Brasil se revela de forma mais intensa no fim dos anos 1980 com a aniquilação do Partido Comunista Brasileiro ou teses muito em voga no contexto já do neoliberalismo (1990) acerca do fim do protagonismo da classe trabalhadora como sujeito revolucionária, renúncia ao modelo de partido de vanguarda em detrimento dos “novos movimentos sociais e identitários[3]” com lutas pontuais contra opressão sobre a mulher e o negro de forma dissociada de uma estratégia anticapitalista, revolucionária e socialista.
Partidos reformistas e oportunistas como  PSOL e PCdoB na prática não se constituem como ferramentas para a Revolução Brasileira. Assim, a tarefa da construção de um partido revolucionário marxista leninista no Brasil ainda é uma tarefa pendente.



[1] Neste caso uma caracterização bastante questionável feita por Hoxha face à grandiloquência da Revolução Chinesa.
[2] O exército vermelho russo destruiu militarmente o nazismo. Cerca de 20 milhões de russos morreram na II Guerra Mundial.
[3] Teses em voga nas diferentes edições dos Fóruns Sociais Mundiais em Brasil.

domingo, 18 de março de 2018

“História Econômica do Brasil” – Caio Prado Jr.


“História Econômica do Brasil” – Caio Prado Jr.



Resenha Livro - “História Econômica do Brasil” – Caio Prado Jr. – Ed. Brasiliense 1970

Caio Prado Jr. nasceu em São Paulo em 1907. Pertenceu à tradicional/aristocrática família Silva Prado que desde terras paulistas chegou a conduzir a maior lavoura de café do país, além de colecionar importantes representantes do pensamento social brasileiro como Eduardo Prado e o historiador e propugnador da Semana de Arte Moderna de 1922, Paulo Prado.

Caio estudou no colégio São Luís e formou-se em 1928 na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

Consta que em 1956 obteve aprovação como professor, através de concurso, naquela faculdade, com pesquisa acerca das diretrizes para uma política econômica brasileira[1].
Todavia, diante da pregressa orientação política e teórico metodológica marxista bem como sua militância no Partido Comunista Brasileiro, Caio não foi aceito como discente de uma tradicional escola de Direito[2] o que parece ser compreensível. Estamos no ano de 1956 pouco após a interdição do PCB pelo governo Dutra e em plena vigência dos lances mais duros da Guerra Fria.

Esta “História Econômica” envolve a análise dos processos econômicos do descobrimento até o período do milagre econômico já na ditadura militar, bem como a reconstituição dos eventos históricos que estão por de trás desses processos. 

Trata-se de uma história bastante distinta de certa historiografia mais tradicional que remete a Francisco Adolfo de Varnhagen ou mesmo Capistrano de Abreu – enquanto tal orientação positivista produza uma história dos grandes eventos, com ênfase e protagonismo dos chefes de estado, da história estritamente político administrativa com um largo peso da ação dos indivíduos na evolução dos acontecimentos, o método de Caio Prado Jr. é o do materialismo histórico que irá mais a fundo nas explicações causais do progresso histórico brasileiro, dando ênfase às bases estruturantes da economia, das disposições geográficas e demográficas, dos regimes de trabalho, seja servil seja o livre, incluindo os salários mediante retenção por dívidas envolvendo os imigrantes.

Observa-se como há uma espécie de sentido ou reiteração histórica dos acontecimentos que na obra anterior, “Formação Histórica do Brasil Contemporâneo” (1942) já é enunciada. Tal orientação denomina-se os sentidos da colonização:

“No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais complexa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro o sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no social como no econômico, da formação e evolução histórica dos trópicos americanos”.

Trata-se de uma história impessoal cujos protagonistas não são dados indivíduos à frente dos órgãos de poder, mas da base social e econômica desta mesma evolução que envolverá os interesses de classe, desde os barões dos engenhos de açúcar até a massa de trabalho escravo predominantemente negra mas também indígena, esta última especialmente no início da colonização e no extrativismo vegetal da região norte. E o que se constata é de fato uma reiteração da história em que a atividade agrícola de monocultura e voltada para exportação, portanto economia dependente das contingências e vicissitudes do comércio internacional, esta reiteração cria ciclos de expansão e posterior declínio acentuado, a partir do Pau Brasil (região litorânea com participação decisiva dos índios remunerados com bugigangas); do açúcar (maior parte da história produzido majoritariamente em Pernambuco e Bahia e mais recentemente em São Paulo); do algodão ( vinculado à expansão da indústria têxtil inglesa e decaindo em razão da concorrência norte americana); da borracha e do cacau (maior produção no recôncavo baiano).

Um paralelo interessante que revela diferentes caminhos percorridos pela experiência histórica norte americana e brasileira é suscitada a partir da noção de colônia de exportação (porção meridional da América) e colônia de povoamento (porção setentrional do continente).

A ocupação da América do Norte está relacionada com conflitos religiosos no continente europeu, envolvendo huguenotes franceses Quaker ingleses (protestantes) e outros. O clima temperado em face do calor torrencial dos trópicos faria com que colonos também se dirigissem aos povoamentos do norte.

Preleciona Caio Prado Jr. : “Procuram então uma terra ao abrigo das transformações da Europa, de que são vítimas, para refazerem nela sua  existência comprometida. O que resultará deste povoamento, realizado com tal espírito e num meio físico muito aproximado da Europa será naturalmente uma sociedade que embora com caracteres próprios, terá semelhança pronunciada com o continente de onde se origina. Será pouco mais que um simples prolongamento dele”.

Realidade inteiramente distinta ocorrerá com a colonização portuguesa. Calcula-se que ao tempo do descobrimento brasileiro Portugal contava com 1.5 milhões de habitantes em face de um vasto Império Ultramarino envolvendo a Costa Leste da África, as Índias e o vasto território brasileiro. Portugal não possuía reserva populacional sequer para plena ocupação de seu próprio território fazendo com que a colonização no Brasil se moldasse em outros termos. O colonizador é movido pelas possibilidades de expansão agrícola em larga escala, suprindo o mercado europeu de açúcar e demais produtos tropicais, sob o regime  da monocultura e sob a base do trabalho escravo. Uma economia que por cerca de 400 anos está voltada para fora enquanto as colônias de povoamento, com pequenas unidades produtivas e o trabalho livre criam as condições para a formação de um mercado interno e uma economia verdadeiramente nacional.

Este modelo agroexportador do Brasil, rigidamente vinculado às demandas externas perpetuam-se na nossa história econômica até a etapa imperialista do capitalismo (fins séc. XIX),  a partir do financiamento e endividamento externo e parco controle estatal sobre moedas e inversões de capitais.
Este livro foi escrito em 1970 quando a população brasileira era de 95 milhões de habitantes com uma parcela ainda importante residindo no campo. O forte êxodo rural e o incremento da tecnologia da agricultura desde o agronegócio reitera de certa forma aquela repetição da história ou mesmo herança colonial agroexportadora. Inclusive no mundo do trabalho em que o agronegócio e as modernas tecnologias aplicadas à terra convivem com a super exploração do trabalho; é o que se constata ora nos canaviais de Ribeirão Preto até frentes pioneiras de trabalho ao norte onde são recorrentes denúncias de escravidão.

O desafio caiopradiano da conformação de uma economia nacional em face do imperialismo que conspira para manter o arcaico modelo exportador brasileiro – tal desafio continua depois de 40 anos inconcluso.     


[1] Tema reiterado em suas obras, em especial “A Revolução Brasileira” (1966)
[2]  Mais antiga do país ao lado da Escola de Direito de Recife (1827)

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

“A Vida de D. Pedro I – Tomo 1º” – Otávio Tarquínio de Souza


“A Vida de D. Pedro I – Tomo 1º” – Otávio Tarquínio de Souza


1830 – D. Pedro I – Óleo sobre Tela de Simplício Rodrigues de Sá (1785-1839). Acervo do Museu Imperial


Resenha Livro “História dos Fundadores do Império Volume II – A Vida de D. Pedro I – Tomo 1º” – Otávio Tarquínio de Souza.
                
As biografias podem ser consideradas um gênero particular da história com diferentes espécies. Há as biografias de caráter enciclopédico, de teor mais informativo, frequentemente vinculadas a alguma coleção. Pode-se citar as autobiografias ou biografias consentidas que tendem a trazer à luz a percepção pessoal do biografado acerca dos acontecimentos. E há biografias com propósitos mais amplos, livros de história em que a narrativa sobre o indivíduo revela e se confunde com um vasto panorama das condições históricas da época.
              
Fora de dúvida que a biografia de D. Pedro I de Otávio Tarquínio de Souza é antes de tudo um livro de História do Brasil que desce às minúcias ao contexto histórico (e especialmente político-administrativo)  que envolve o período desde o nascimento de D. Pedro em 1789 até o ano de 1821, numa conjuntura marcantemente revolucionária em face do processo político que culminaria com a emancipação política do Brasil em 1822. Para sermos mais exatos, os acontecimentos políticos decisivos vivenciados por D. Pedro neste 1º Tomo envolvem: a fuga em retirada da Família Real de Portugal ante as tropas napoleônicas, quando o biografado chega ao Brasil aos 9 anos de idade;  as medidas administrativas que dariam o início do processo de emancipação com a abertura dos portos e o fim do exclusivismo comercial que informa as relações entre metrópole e colônia; a elevação do Brasil à condição de Reino Unido à Portugal e Algaveres; criação do Banco do Brasil, reformas nos portos, vinda da missão artística francesa, permissão para criação de fábricas no Brasil, entre outros.

Na sequência o evento decisivo e eventualmente negligenciado pela sua repercussão histórica no Brasil foi a Revolução na cidade do Porto e o estabelecimento das Cortes Constitucionais. Por um lado disseminam na América a ideia do constitucionalismo e exige em Portugal o fim da monarquia absolutista e sua conversão em monarquia constitucional – posteriormente decretos da corte de Lisboa provocariam revolta e resistência dos brasileiros, como: declaração hostil proibindo a importação de munições militares e navais ao Brasil; a proposta de restituir Montevidéu à Buenos Aires; e especialmente  a competência de Lisboa para a partir de então cuidar de todos os negócios gerais da monarquia no Brasil, despachos dos empregos civis e militares, vencimentos,  etc.

Aqui é importante fazer uma pausa. Uma das propostas e qualidades mesmo desta obra é a de esmiuçar traços psicológicos e de personalidade dos grandes sujeitos históricos e propor relações entre o temperamento, a personalidade, e cada escolha política tomada com as suas consequências. O que é notório é que D. João VI foi um homem muito diferente de D. Pedro I, em que pese a relação afetuosa entre os dois[1]. D. João VI era pusilânime, indeciso, dependente de seus conselheiros pessoais para tomar decisões. Esta hesitação e tendência ao procurar sair-se das crises com uma prudência que resvala na covardia explica a demora na tomada de posição diante da Guerra Napoleônica ao ponto de se retardar a fuga para o Brasil com as tropas napoleônicas já em terras portuguesas. Vejamos como o historiador descreve a triste e patética figura de D. João VI:

“O Bragança, filho de sobrinha com tio, era desajeitado, grosso, balofo, barrigudo, molerão, sem hábitos de asseio para não dizer sujo, descuidado no vestuário, e medroso, acanhado, perplexo, sonso, apurando em manha o que lhe minguava em autoridade, disfarçando em paciência a cogênita irresolução.”

D. Pedro I desde menino em terras brasileiras passava o maior tempo do dia na porção central da cidade e no palácio de São Cristóvão[2].  Na juventude teve muitas mulheres conquanto casado com D. Leopoldina, e consta que teve filhos fora do casamento a quem cuidava nas medidas de seus esforços. 

Era um rapaz valente, com temperamento autoritário, mas ao mesmo tempo capaz de se adequar às tendências políticas do seu tempo, reivindicando o constitucionalismo, e já em 1820-1, assessorado pelo José Bonifácio, se colocando como agente central no processo da emancipação política.
Diante dos acontecimentos decisivos que informam o processo revolucionário de independência do Brasil, D. Pedro diligenciou pessoalmente até aa província de Minas Gerais (com propósitos separatistas) e granjeou a legitimidade para garantir a unidade territorial do futuro Império. D. João VI se curvou à autoridade das Cortes de Lisboa antes mesmo destas estarem prontas. D. Pedro coloca-se ao lado do constitucionalismo num primeiro momento advogando a unidade entre Portugal e Brasil e posteriormente já em 1821 se referindo a si mesmo como “brasileiro” nas missivas e apoiando a ideia de total rejeição das cortes de Lisboa e a criação de uma constituinte brasileira.  

A reflexão que pode surgir aqui é o do papel do indivíduo na história. De que forma os traços de personalidade daqueles que estão à frente dos acontecimentos resultam em determinada variante histórica.

Marx no 18 de Brumário[3] inicia seu livro de história política da seguinte forma:

“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”.

Certamente, um rei absolutista e um regente numa monarquia e posteriormente no Império detém enorme influência a partir de suas decisões pessoais. Mas o fundo dos acontecimentos, as tendências mais gerais da história dão-se prioritariamente a partir das forças sócio econômicas e das classes sociais em luta. Talvez seja sintomático que num tomo de 355 sobre parte da vida de D. Pedro pouco se fale da escravidão e do mundo do trabalho que sustenta a opulência e poder desfrutados pela família real, por toda corte de ministros e deputados, bem como a classe senhorial rural – esta sim a classe dirigente que impulsionava os acontecimentos desde os rincões do Brasil e que admitia àquele momento a solução da emancipação política e da  monarquia constitucional convivendo por décadas com a escravidão.



[1] D. Pedro  I manteria uma relação mais distante com sua mãe Carlota Joaquina.
[2] D. João VI e Carlota Joaquina não viveram juntos e ao longo do casamento (feito conforte estritos interesses de estado) foram se tornando mais avessos até inimigos.
[3] “Desde o ponto de vista do materialismo histórico-dialético, a história é determinada pelo desenvolvimento da luta de classes, pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas e pelo modo de produção correspondente.  Se o processo histórico desenvolve-se por meio do conflito de classes, as condições gerais da economia e das relações de produção, quando estas entram em contradição com o grau de desenvolvimento das forças produtivas, geram rupturas políticas e institucionais. Abre-se um período de mudanças históricas e nestes marcos projetam-se indivíduos que, forjados em seu tempo, são capazes de exercer liderança e alterar o rumo da história, ao menos a curto e médio prazo. Entretanto, afirma Plekhanov, é pouco provável que a morte prematura de Napoleão teria implicado em rumos tão diferentes na história da França e da Europa do séc. XIX: muitos outros oficiais do exército francês (o mais poderoso da Europa de então) poderia estar a frente dos eventos e à altura dos desafios históricos. O que resta assinalar é que Marx coloca que as grandes questões, os grandes problemas apenas surgem na sociedade quando há a possibilidade de resolvê-los. O que se constata é que o homem faz a história, mas a faz nas condições históricas colocadas, independente da sua vontade. Ademais, a projeção de indivíduos que ganham destaque na história diz respeito às personalidades e inteligências capazes não só de situar o desenvolvimento e o curso/sentido da história, como acertar nas projeções de futuro. A história exige da ação humana consciente uma força para a sua transformação: relações de produção não caem de podre, apenas desmoronam tanto por leis objetivas da história quanto por movimentos subjetivos, associados à intervenção do homem e, mais importante, das classes sociais na história”. http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2013/05/o-papel-do-individuo-na-historia-g-v.html


sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

“V. I. Lênin – Textos Selecionados” – V. I. Lênin

“V. I. Lênin – Textos Selecionados” – V. I. Lênin



Resenha – “V. I. Lênin – Textos Selecionados” – Edições Avante - Obras Escolhidas/ Editorial Vitória

“Não basta ser revolucionário e partidário do socialismo ou comunista em geral. É necessário saber encontrar em cada momento particular o elo particular da cadeia a que temos de nos agarrar com todas as forças para reter toda a cadeia e preparar solidamente a passagem para o elo seguinte; a ordem dos elos, a sua forma, o seu encadeamento, a diferença entre uns e outros na cadeia histórica dos acontecimentos não são tão simples nem tão rudimentares como uma cadeia vulgar feita pelo ferreiro”.

A passagem supracitada refere-se à obra “As Tarefas Imediatas do Poder Soviético” (1918), fruto de manuscrito em forma de teses de autoria de Lênin. O documento foi dirigido à reunião do CC do Partido Comunista Russo em 26 de Abril de 1918. Tal artigo ilustra aspectos de continuidade que informam as obras, artigos e polêmicas suscitados pelo dirigente da Revolução Russa. Desde o período de militância clandestina dos “discípulos” do marxismo russo ainda no séc. XIX, passando pelas polêmicas no movimento operário internacional decorrentes da I Grande Guerra Mundial, até o movimento revolucionário de 1917: flexibilidade tática e intransigência quanto aos princípios e ao horizonte estratégico.

De modo que percorrer as manifestações públicas de Lênin implica ir se situando acerca do próprio desenvolvimento da fração mais decidida e fiel à ortodoxia marxista na Rússia desde os anos de luta contra os populistas (“A Que Herança Renunciamos?” 1898), passando pelas agitações e greves associadas ao ensaio da revolução em 1905, os anos de reação culminando com as etapas democráticas e socialistas da Revolução Russa (respectivamente fevereiro e outubro). Chega-se em fim às novas tarefas suscitadas pelo triunfo da Revolução, a exigência de sua consolidação. O mesmo realismo com que Lênin em 1889 explicita o caráter pequeno burguês e reacionário dos populistas em sua luta inglória contra a marcha inevitável do desenvolvimento capitalista na Rússia; até a mesma firmeza de princípios associada à flexibilidade tática com que demonstra as exigências imediatas do novo poder operário, incluindo mesmo alguns recuos táticos como o pagamento de salários superiores aos especialistas e cientistas que devem colocar seu conhecimento técnico à serviço revolução, até a instituição de uma disciplina de estilo militar nas frentes de trabalho, sendo certo que para Lênin tal disciplina nas fábricas envolve por um lado a luta contra sabotadores mais ou menos associados à burguesia alijada do poder e por outro lado a exigência do aumento da produtividade do trabalho. O socialismo, afirma Lênin, deve se servir da infra estrutura e em particular dos trustes e monopólios herdados pelo capitalismo e submetê-los ao controle operário-popular de modo a ampliar a produção em face da etapa anterior.

Chega aqui a ser risível a ignorância de certos elementos de direita que vulgarizam o termo “socialismo de i-phone” como se o socialismo, na sua luta contra o capital e a sociedade de mercadorias, fosse uma apologia à pobreza e ao desenvolvimento. Como se sabe, Lênin, sempre dentro de uma orientação científica do marxismo, propugnou a instalação do Sistema Taylor das indústrias soviéticas, o que havia de mais avançado então no que tange às formas de organização do trabalho/produção – falava-se em princípios “científicos” de organização.

O texto de 1922 (“As Tarefas Imediatas da Revolução”) é particularmente instrutivo para oferecer o que há de continuidade em Lênin, por exemplo em face do “Estado e Revolução” de 1917, um livro de aspecto mais teórico que polemiza com as concepções reformistas e anarquizantes do estado. No “Estado e Revolução” o eixo da intervenção de Lênin é o que fazer – os comunistas (marxistas) lutam pela tomada violenta do poder do estado contra os capitalistas mas não se furtam a utilizar a mesma máquina de estado (entendida em termos marxistas como instrumento de dominação de uma classe pela outra) para esmagar a reação burguesa e imperialista. Não se trata de abolição pura e simples do estado, mas da sua extinção e do seu definhamento conforme a consolidação da ditadura do proletariado e o esmagamento definitivo do capital.

Já no texto de 1922 trata-se do “como fazer”, das questões práticas que surgiam para uma experiência inédita na história: os operários e camponeses colocados na posição de administrar a Rússia.

Realismo, ortodoxia-marxista, forte vínculo entre os problemas teóricos e os problemas práticos da revolução russa. Esta mesma solução de continuidade será observada com os bolcheviques já no poder quando se instaura pela primeira vez na história o problema não só da tomada do poder, mas consequentemente, do problema da administração socialista.

A propósito, muitos trotskystas por desengano ou má fé buscam insistentemente encontrar uma solução de continuidade entre Lênin e o liquidacionista menchevique. A este propósito os textos e a própria história revelam que os bolcheviques, com Lênin à frente, sabendo que a política e a guerra são interfaces da mesma moeda, sabem que um exército deve saber avançar e deve saber recuar organizadamente – e a teoria da revolução permanente em Trotsky esteve longe da posição efetiva de Lênin de fortalecer o estado soviético, incluindo passos atrás como uma paz em separado em adversas condições com a Alemanha (Tratado de Brest-Litovski - 1918).

Polemizando com os socialistas da Alemanha que denunciavam que uma paz em separado da Rússia Soviética, fortaleceria o imperialismo e comprometeria a revolução no ocidente, Lênin diz:

“Por outras palavras: o princípio que deve agora estar na base da nossa tática não é o de qual dos dois imperialismos é mais vantajoso ajudar agora, mas o princípio de como melhor e mais seguramente assegurar à Revolução Socialista a possibilidade de se reforçar, ou pelo menos, de se manter num país até que outros países se lhe juntem”. (20 de Janeiro de 1918)

Em termos práticos, a continuação da Rússia na Guerra, contra a opinião da maioria da população que já apoiava os bolcheviques, implicaria no contexto da mais provável derrubada dos comunistas do poder, além da completa impossibilidade dos bolcheviques defenderem a costa de Riga a Ravel, o que dá ao inimigo imperialista uma oportunidade certíssima de tomar Petrogrado.

A paz com a Alemanha não se tratou de uma capitulação de princípio – como se pronunciou Trótsky amparado em suas ideias “internacionalistas” agravando, como representante soviético, a situação das negociações ao rompê-las sem endosso de Lênin[1]. Os operários e camponeses no poder precisavam de tempo para consolidar o socialismo na Rússia, restaurar a economia e sociedade diante do caos criado pela Guerra Mundial e pela Guerra Civil, além de organizar o exército vermelho.

É recomendável a leitura de alguns artigos de Lênin não muito citados, que por outro lado têm uma incrível atualidade. O problema da “Questão Operária e a Questão Nacional” (1913) trata do complexo tema do patriotismo que pode tanto servir à orientações chauvinistas-reacionárias (e aqui desnecessário recordar o apoio dos partidos da II Internacional à Guerra Imperialista e suas respectivas burguesias) quanto a propósitos revolucionários.

No passado a burguesia lutava pela liberdade junto com as classes exploradas, que cumpriam um papel negativo de destruição do mediavalismo, do feudalismo, enquanto a minoria burguesa ocupa papel positivo exercendo o poder político. A partir de 1848 a burguesia torna-se reacionária e receia mais a guerra civil revolucionária de classes do que as guerras inter-imperialistas através das quais conquistam a interdição dos movimentos de esquerda, a censura e a construção de uma ideologia de paz entre as classes.

A partir deste momento a luta pela questão nacional envolve a defesa das nações oprimidas e subjulgadas pelo imperialismo. A efetiva liberdade das nações só se dará com a consolidação da democracia operária em nível mundial:

“Para que diferentes nações livres e pacificamente vivam em conjunto ou se separem (quando isto lhes for mais conveniente), constituindo Estados diferentes, para isso é necessária a completa democracia defendida pela classe operária. Nenhum privilégio para nenhuma nação, nenhuma língua! Nem a mínima perseguição, nem a mínima injustiça para com a minoria nacional! – tais são os princípios da democracia operária”. (1913)

Artigos que recomendamos a leitura por sua atualidade: “Sobre a Atitude do Partido Operário em relação à Religião” – onde é cientificamente colocado os termos do debate sobre a religião no marxismo, o que não envolve uma luta abstrata contra deus e pelo ateísmo, mas por outro lado não considera em absoluto a religião como um assunto privado, mas assunto privado em face apenas do estado. “A Classe Operária e a Questão Nacional” (1913) e “Sobre as Tarefas do Proletariado na Presente Revolução” (1917) – redigido provavelmente nos trens com que clandestinamente Lênin regressou do exílio para dirigir a revolução de outubro – são também materiais obrigatórios para a formação de todo marxista-leninista.

Lênin acertou muito nos seus prognósticos mas também errou. Talvez o mais importante erro foi sua expectativa frustrada de que uma revolução no ocidente e particularmente na Alemanha tirasse o novo estado soviético da defensiva. A revolução na Alemanha foi derrotada. Uma nova condição política se coloca e Joseph Stálin seguindo as diretrizes de Lênin que informam a concepção do socialismo num só país dá uma solução de continuidade ao leninsmo.


“Uma situação extraordinariamente dura, difícil e perigosa no aspecto internacional; necessidade de manobrar e de recuar; um período de espera de novas explosões da revolução, que amadurece com penosa lentidão no Ocidente; dentro do país um período de construção lenta e de «apertar» implacavelmente, de luta prolongada e tenaz da severa disciplina proletária contra os elementos ameaçadores do desleixo e da anarquia pequeno-burguesa — tais são, em poucas palavras, os traços distintivos da fase particular da revolução socialista que atravessamos. Tal é o elo da cadeia histórica dos acontecimentos a que temos de nos agarrar agora com todas as forças para nos mostrarmos à altura da tarefa até ao momento de passarmos ao elo seguinte, que nos atrai pelo seu particular brilho, pelo brilho das vitórias da revolução proletária internacional”. Lênin - 1918




[1] Posteriormente, os soviéticos foram obrigados a propor uma nova paz aos alemães desta vez em condições muito piores.