terça-feira, 14 de março de 2017

“Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá” – Lima Barreto

“Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá” – Lima Barreto



Resenha Livro - “Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá” – Lima Barreto – Ed. Brasiliense São Paulo 1956

“ ‘Iria subir, iria remontar os ares, transmontar cordilheiras, alçar-se longe do solo, viver algum tempo quase fora da fatalidade da terra, inebriar-se de azul e de sonhos celestes, nas altas camadas rarefeitas...

A experiência seria de manhã e, à noite toda, não dormiu como se, no dia seguinte, fosse se encontrar com o amor que sonhou e, para realizá-lo agora, tinha aguardado muitos anos de angústia e de esperança.

Veio a aurora e ele a viu, pela primeira vez, com um interessado olhar de paixão e encantamento. Deu a última demão, acionou manivelas, fez funcionar o motor, tomou o lugar próprio...Esperou...A máquina não subiu’.

Eis o que havia na folha amarelecida de almaço encontrada por mim, no ano passado, entre os papeis que Gonzaga de Sá me deixou.

Não compreendi imediatamente a significação dessa fantasia; mas referindo a este e aquele aspecto de sua vida entendi bem que ele queria dizer que o Acaso, mais do que qualquer Deus, é capaz de perturbar os mais sábios planos que tenhamos traçado e zombar da nossa ciência e da nossa vontade. E o Acaso não tem predileções”.

*

A passagem supracitada sugere alguns traços mais peculiares deste pouco conhecido romance (em termos de biografia) do misantropo Gonzaga de Sá, comparado por alguns críticos ao Conselheiro Aires de Machado de Assis.

Gonzaga de Sá é personagem que antes de tudo dignifica os baixos estratos sociais e singulariza uma narrativa cujas láureas não se destinam a chefes de estado, heróis de guerra e/ou aos donos do poder, como é o habitual, mas ao simples amanuense de uma certa repartição denominada “secretaria dos cultos”.  Esta é uma das grandes inovações literárias do escritor Lima Barreto: uma nova centralidade ou mesmo dignidade a personagens do subúrbio, desde o funcionário público com baixos estipêndios até a paisagem privilegiada de novos horizontes da cidade carioca para além da Rua do Ouvidor, dos Teatros de Gala e do Parque Botânico: o próprio Gonzaga mostra-se o conhecedor incomum da cidade e de sua história, igualmente deslocando aquele foco mesmo no que tange aos ambientes e paisagens, desde os bondes, até os subúrbios: na periferia da cidade, contempla-se os transeuntes trabalhadores, mulheres de vida fácil estrangeiras e as feições de pequeno burgueses, contemplando-se um universo popular e de certa forma antecedendo os romances regionalistas do modernismo em sua segunda fase.

É assim em “Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá”  em que o narrador Augusto Machado elege um amanuense como alguém digno de ser biografado: um personagem com cogitações filosóficas e uma certa empatia pelos fracos ao ponto de sugerir que seria melhor que morressem de molde a suprimir a dor em face da sociedade que engendra todo tipo de opressão e injustiças – uma empatia relativa, já que a compaixão pela dor é interpretada também por suposta “burrice” dos mais humildes em acatar sua situação e particularmente os abusos dos ricos e poderosos da República Velha; é assim também nos contos ora em “O único assassinato de Cazuza” em que o protagonista é um “derrotado pela vida”; ora em outro conto  em que o foco narrativo se dá pela mulher casada antes obediente ao pai e agora obediente ao marido; e de maneira geral, ao subúrbio em detrimento das zonas nobres da cidade do Rio de Janeiro.

Seria possível admitir que a literatura nacional de uma certa forma já iniciara a contemplar os marginalizados a partir da literatura do tipo naturalista, a se lembrar do “Cortiço” de Aluísio Azevedo ou mesmo ainda no século XIX a abordar o que hoje se fala em minoria, quando se referimos ao amor homossexual em “O Bom Crioulo” do escritor cearense Adolfo Caminha, para citar dois exemplos. Mas há entre estes escritores e Lima Barretos pelo menos duas diferenças substanciais: (i) na literatura do tipo naturalista, o procedimento literário torna os objetos da narrativa como “O Cortiço” ou “O Mulato” (e o problema racial na provinciana maranhão do séc. XIX) a serem descritos com a objetividade e temperos do mesmo procedimento das ciências naturais. Isto implica transformar o cortiço e particularmente toda sorte de suas personagens antes em objeto do que em agentes, em sujeitos e protagonistas de sua própria história. Em Lima Barreto, em outro contexto literário, o do 1900’s literário, um eventual Cortiço seria menos um mosaico de forças regidas por impulsos deterministas do meio social, e mais um subúrbio com figuras concretas, personagens uti sininguli, dotados de especificidades e humanidade particular; (ii) em conexão com (i), Lima Barreto não estava motivado por um conjunto bastante específico de pensadores que informam a literatura naturalista, como o positivismo que engendra a ideia de que o conhecimento poderia ser deduzido de preceitos científicos; o darwinismo, o evolucionismo e o determinismo social, havendo pouco espaço para o livre arbítrio dentre os personagens. O comportamento humano estaria condicionado pelos fatores hereditários, pelos fatores do ambiente físico e social.

Sabe-se que quando estudou sem concluir a escola Politécnica Lima Barreto teve contato com a filosofia positivista. Este contato serviu antes para aguçar no jovem leitor/escritor um interesse precoce por um estudo autodidata de filosofia. Consta que Lima Barreto leu Comte, Spencer, Kant e em “Gonzaga de Sá” vemos citações de Dostoievsky, Tolstói, Rousseau e Schopenhauer. Segundo o biógrafo Francisco de Assis Barbosa, foi entretanto Descartes e sua filosofia ancorada no princípio da dúvida a que mais motivou Lima Barreto – se por um lado sua literatura se destaca por descortinar o fundo da alma do povo carioca, por outro foi através da crítica avassaladora de quase todos os aspectos da vida social do Brasil da Velha República que Lima Barreto se torna provavelmente o mais importante intérprete do país dos 1900 literários. Caiu-lhe bem um espírito crítico que adveio em termos filosóficos de uma tendência ao ceticismo e à crítica.

O interessante é que os dois aspectos – a centralidade do subúrbio e dos tipos populares e a cerrada crítica social em face dos diplomados com conhecimento rasteiro; dos tipos medíocres que granjeiam projeção social e literária com base em bajulação e nepotismo; e do racismo que grassa a vida social inviabilizando a ascensão de vivas inteligências que se embotam no mar de imbecilidade reinante, tal qual Isaías Caminha – estes dois polos estão no que podemos colocar já como o ponto de partida da produção literária de Lima Barreto. “Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá” foi iniciado antes de seu livro de estreia e no entanto foi apenas o 4º livro publicado por Lima Barreto. O autor preferiu lançar de início o “Recordações do Escrivão Isaías Caminhas” (1909) e em carta a Gonzaga Duque revela que optava aparecer com “escândalo”: certamente era o caso desta espécie de memória amarga de um mulato que busca ascender socialmente no Rio de Janeiro e lá se depara com todo o tipo de vícios, pessoais e institucionais, que engendram, desde a crítica, uma narrativa insurgente em face do Brasil daquele contexto. Desde a crítica se constata as promíscuas relações entre os jornais e os poderes, a mediocridade do mundo dito “letrado”, o baixo nível (num sentido literal) dos políticos, a ser retratado em tom de galhofa até sessão parlamentar em que quando muito um deputado presta atenção nas pernas de uma bela moça em detrimento do discurso de seu colega. As críticas se estendem desde os críticos literários que são ignorantes quanto à arte e bajulam em troca de interesses pessoais até o racismo vivenciado na pele do protagonista nos primeiros momentos em que pisa no RJ – passagens que sugerem teor autobiográfico da história.  

Como iniciamos, “Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá” nas palavras de Lima Barreto é uma narrativa “cerebrina”, com passagens de filosofia a partir das cogitações de Sá e diálogo entre o narrador e seu biografado. Mas ainda se trata de um momento de maturação do processo criativo de Lima Barreto: não tem a mesma força imaginativa de um país que é a caricatura do Brasil, “Bruzundangas”; parece ser uma história um pouco sem vida, bucólica, não à altura de “Policarpo Quaresma” e “Clara dos Anjos” em que o leitor é atraído também em razão do enredo vivo e dinâmico. Estamos diante dos primeiros escritos de Lima Barreto e aqui temos contato com uma personagem que nos leva a conhecer algo sobre concepções de filosofia que em Lima Barreto tem um tom ora de pessimismo ora amargura, mas que nem por isso se extrapola no desespero. Antes toma um sentido oposto, uma espécie de humor triste que lembra algumas passagens do velho Machado de Assis.

“É verdade que sempre o conheci triste; mas de uma tristeza, por assim dizer, filosófica, geral, essa tristeza de sentir profundamente a mesquinhez da nossa condição humana, em luta sempre com o imenso dos nossos desmarcados sonhos e desejos. Porém, agora, a sua tristeza era mais atual, mais terra-a-terra. Dir-se-ia que a presença do Aleixo Manuel, o afilhado, tinha levantado do fundo da pessoa do meu amigo lembranças dolorosas que sepultara para sempre; lembranças essas que eram o seu segredo e das quais nunca me falou e não encontrei o mínimo indício para descobri-las nos papeis que ele me legou, por testamento, juntamente com uma centena de livros. Lembro-me, ao escrever estas linhas, que um dia ele me dissera:

- Já tiveste algum amor?

- Nunca.

- Olha que falo de amor! Hein?

- Compreendo.


- É preciso tê-lo.... Tenho te dito sempre que os antigos afirmavam que Vênus é uma deusa vingativa... Não perdoa e tu sofrerás se não lhe prestares culto...”.

segunda-feira, 6 de março de 2017

“O Pequeno Príncipe” – Antoine de Saint-Exupéry

“O Pequeno Príncipe” – Antoine de Saint-Exupéry

(Imagem ilustrativa. Resenha feita a partir do texto original de Saint-Exupéry. Tradução Bruno A. Matangrano - USP)

Resenha livro - “O Pequeno Príncipe” – Antoine de Saint-Exupéry – Ed. Pé da Letra

“Levantei o balde até os seus lábios. Ele bebeu, com os olhos fechados. Era doce como uma festa. Aquela água era bem mais do que um alimento. Ela havia nascido da caminhada sob as estrelas, do canto da roldana, do esforço de meus braços. Era boa para o coração, como um presente. Quando eu era menininho, a luz da árvore de Natal, a música da missa da meia- noite, a doçura dos sorrisos davam todo encanto do presente de Natal que eu ganhava.

- Os Homens de sua terra cultivam cinco mil rosas em um mesmo jardim .... – disse o pequeno príncipe – E eles não acham o que estão procurando.

- Eles não encontram – respondi.

- E, no entanto, o que procuram poderia ser encontrado em uma única rosa ou em um pouco d’água”.

Há diferentes interfaces entre a literatura e a infância. Podemos falar sobre uma literatura acerca da infância e temos como uma boa referência aqui o “Capitães de Areia” (1937) obra de uma primeira fase mais politizada e engajada de Jorge Amado. O enredo trata de um grupo de meninos que vivem num trapiche à beira mar no Salvador dos primeiros anos do séc. XX, retratando as graves desigualdades sociais da cidade alta (os ricos) e baixa (os pobres): os “Capitães” são crianças que vivem de pequenos roubos, furtos e bem articulados e executados planos de ilícitas engambelações, sendo todavia erigidos à condição de heróis em face de uma sociedade pouco atenta para uma explícita e cruel contradição envolvendo crianças morando nas ruas, tendo de buscar a cada dia seu sustento através do crime, sem lar e família. Por outro lado, crianças usufruindo da liberdade plena das ruas, de uma vida externa ao poder familiar e driblando os encalços da polícia. Há de se constatar como esta vida peculiar abre uma certa situação de ambiguidade quanto à condição infantil daquele grupo: de certa maneira os Capitães de Areia têm sua infância roubada e as exigências da vida fazem com que um personagem como o “Gato” atine com a vaidade e busque nos colos de um amor conjugal uma provável ausência de carinhos maternos; o personagem “Sem-Pernas” é deficiente físico, é humilhado por policiais numa delegacia e desenvolve algumas tendências de isolamento, de amargura, ressentimento, ódio e tristeza que não parecem coadunar com as cogitações e sentimentos de um menino; e Pedro Bala, líder do grupo, ao entrar em contato com histórias de seu pai que nunca conheceu e que fora liderança sindical seria ele mesmo no futuro um dirigente político.

Todavia, o que há de traço distintivo da infância? Há uma espécie de percepção do mundo associada ao encanto e fantasia, eventualmente com as coisas mais triviais: e a infância dos Capitães de Areia não se revela de toda roubada quando se observa os efeitos que um singelo carrossel itinerante ainda produz no grupo. A ambiguidade de crianças que derrubam negrinhas na praia para o ato sexual e brincam e se encantam com os efeitos de luzes e som de um velho carrossel se revela aqui.

Dentre as interfaces entre literatura e infância, predomina certamente a literatura destinada ao público infantil. E aqui é possível fazer uma diferenciação.  Há a literatura infantil que teria um interesse mais exclusivo ao público infantil: desde os gibis da Turma da Mônica até as histórias do Sítio do Pica Pau Amarelo de Monteiro Lobato, ou se quisermos extrapolar para outros meios, poderíamos citar os desenhos animados que encantam predominantemente as crianças, de Tom e Jerry à Pica Pau. Não se trata aqui de tripudiar todos estes exemplos: se os gibis de autoria de Maurício de Souza ficaram na memória de muitos, é porque souberam dialogar junto ao público infantil o que envolve uma capacidade de vencer uma certa tendência de dispersão das crianças, fruto de uma mente comumente imaginativa e inquieta.

Todavia há a literatura infantil que poderíamos classificar como uma espécie particular: são histórias que possuem vivo interesse também para adultos. Histórias aparentemente destinadas para crianças mas que costumam oferecer enunciados pedagógicos, adágios morais ou reflexões filosóficas que por um lado marcam num primeiro momento o leitor infanto-juvenil e posteriormente possibilitam novas possibilidades de interpretação ao leitor adulto, às “pessoas grandes” nos termos do presente livro. É exemplo da segunda espécie este “Pequeno Príncipe” do francês Saint-Exupéry, um livro notável pelas qualidades literárias em que se conjuga a simplicidade da narrativa e uma riqueza de temas que vão do amor (personificado tanto numa rosa quanto na ideia da criação de laços dentro de uma feliz opção de tradução de “domesticar” contendo a ideia de “criar vínculos”), da solidão, do valor do trabalho e da diligência (que criou “uma urgência” para o narrador abordar o tema do Baobá), da morte e até mesmo de Deus e das opções religiosas.

Sobre a Obra

O enredo é contado na forma de um realismo mágico, com palavras simples e acessíveis, conforme a proposta da obra - dedicada ao público infantil. Um Aviador que antes havia sido desencorajado a desenhar revela desde o início a ideia de oposição entre o universo adulto e infantil:  ao longo da narrativa afere-se que o os conselhos das pessoas grandes implicaram ao narrador no abandono da criança  que poderia viver dentro de si, para o posterior reencontro deste universo infantil através da aparição do pequeno príncipe em sua vida.

O Aviador cai no deserto do Saara. Com o avião quebrado, sem água e sem recursos para sobreviver, o adulto teme a morte, até a aparição mágica do protagonista que sucessivamente vai descrevendo sua vida no planeta asteroide B612, os cuidados diários com a planta daninha ressaltando o valor do trabalho e os perigos da preguiça, suas viagens sucessivas em diversos planetas, cada qual associado a vícios particulares de pessoas adultas como a vaidade, a culpa e o vício, ou a compulsão pela posse: o sentido do amor personificado na figura da flor e na domesticação proposta pela raposa, passagens prenhes de sentidos os mais diversos e que só ressaltam os méritos literários e aquele segundo aspecto ressaltado: o fato do livro ter vivo interesse aos adultos.

Parece-nos que a flor e a domesticação são dois problemas-chave para se desvendar o universo deste pequeno livro - pouco mais de 100 páginas.

Propomos a interpretação segundo a qual a flor invoca o amor conjugal: quando o pequeno príncipe faz menção ao tema pela primeira vez ao aviador e este, pouco atento à conversa e preocupado em ajustar seus equipamentos, provoca pela primeira vez o choro no pequeno príncipe. É como se os adultos não se importassem com a relevância do problema tão central quanto o do amor. Em sua aparição, a flor é orgulhosa e se recusa a chorar na frente do pequeno príncipe; ela forja uma gripe pois deseja que o herói construa uma proteção especial para ela - a presença feminina e um contrato social segundo o qual cabe ao parceiro masculino um papel de proteção; o pequeno príncipe percebe, todavia, a manipulação e em razão da flor o protagonista deixa o seu planeta, mantendo por ela, todavia, fidelidade.

“Assim, o pequeno príncipe, apesar da boa vontade de seu amor, logo passou a duvidar da flor. Levara a sério palavras sem importância, e tornou-se muito infeliz.

- Eu não deveria tê-la escutado- confidenciou-me um dia – Nunca se deve escutar as flores. Deve-se apenas olhá-las e cheirá-las. A minha perfumava meu planeta, mas eu não conseguia mais me alegrar com isso. Aquela histórias de garras que tanto me aborreceu deveria ter me comovido....”

Como se vê é uma passagem que sugere o tema da frustração amorosa, sugerindo como a história infantil, aqui, trabalha o problema da resiliência, pincelando não apenas o que é cândido e puro, mas o que é real e concreto, as frustrações e tristezas que as crianças se depararão na vida futura. E o livro segue e evolui com problemas ainda mais delicados como a morte e o sentido da vida, o mistério do que há para além das estrelas, possibilitando tanto risadas quanto o choro.

Seja como for, parece-nos que o “Pequeno Príncipe” também oferece uma importante lição aos adultos e que se expressa como uma expectativa final do aviador na passagem final da narrativa. O encontro entre os dois personagens (aviador e pequeno príncipe) envolve a possibilidade e a pertinência de manter dentro do aviador dali em diante uma viva criança dentro de si ao olhar o céu à noite. Isto envolve estar atento às passagens dos planetas do Rei, donde a solidão se associa ao vício da soberba. Ao Planeta do vaidoso, donde o ego precisa ser domesticado e não dominador. Pelo Planeta do alcoólatra, donde se expõe os riscos da culpa e do vício. E a lição da criança que poderia ser mantida viva dentro do adulto, em termos genéricos, envolvendo desde a noção de ver a vida com encanto – como o pequeno príncipe observa todas as noites as estrelas – até “não levar a vida tão a sério”, “desenvolver a habilidade de rir de si próprio”, “aprender que na vida o importante não é vencer, mas ser feliz”.

À guisa de conclusão, deixamos uma passagem que perfeitamente poderia ser trabalhada numa aula de filosofia para alunos do ensino fundamental ou médio. Parece-nos que o “Pequeno Príncipe” poderia ser melhor aproveitado no mínimo como fonte de reflexão em detrimento de outras leituras que se tornam obrigatórias nos bancos escolares exclusivamente em razão das provas dos vestibulares – livros este sim de “adulto” ou “pessoas grandes” que criam o risco de afastar os menores do interesse pela leitura. Sobre o excerto, sugerimos uma interpretação associada à ideia da religião e de deus, envolvendo uma lição geral de tolerância (deus está calado em face das distintas narrativas religiosas):

“- As pessoas não têm as mesmas estrelas. Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, que são sábios, são problemas. Para meu empresário, elas eram ouro. Mas todas aquelas estrelas se calam.”
     


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

“Recordações do Escrivão Isaías Caminha” – Lima Barreto

“Recordações do Escrivão Isaías Caminha” – Lima Barreto



Resenha Livro - “Recordações do Escrivão Isaías Caminha” – Lima Barreto – Editora Brasiliense – São Paulo – 1961

“Verifiquei que até ao curso secundário as minhas manifestações, quaisquer, de inteligência e trabalho, de desejos e ambições, tinham sido recebidas senão com aplauso ou aprovação, ao menos como cousa justa e do meu direito; e que daí por diante, desde que me dispus a tomar na vida o lugar que parecia ser de meu dever ocupar, não sei que hostilidade encontrei, não sei que estúpida má vontade me veio ao encontro, que me fui abatendo, decaindo de mim mesmo, sentindo fugir-me toda aquela soma de ideias e crenças que me alentaram na adolescência e puerícia.

Cri-me fora de minha sociedade, fora do agrupamento a que tacitamente eu concedia alguma cousa e que em troca me dava também alguma cousa” ISAÍAS CAMINHA
                
É recorrente a opinião segundo a qual este (que é o primeiro romance publicado por Lima Barreto) ser uma espécie de memória de conteúdo autobiográfico. É necessário desde aqui fazer algumas ressalvas. Em que pese alguns traços autobiográficos, a obra não deveria ser interpretada como uma expressão de recalque que prenuncia a marginalidade do escritor.

Primeiro, é certo que todos os trabalhos de Lima Barreto possuem algo de autobiográfico: o problema do racismo, sentido na pele pelo escritor, é tema central em “Clara dos Anjos”; e a sátira acerca da miséria intelectual de doutores, bacharéis e políticos é tema corrente desde o “Triste Fim de Policarpo Quaresma” à obra póstuma “Bruzundanga”.

Segundo, em termos literais há diferenças entre Isaías Caminha e Lima Barreto: o primeiro é proveniente do interior e o segundo advém do Rio de Janeiro – a descoberta do Rio de Janeiro evolverá as mudanças espirituais de Isaías; o primeiro granjeia os dons da inteligência de um pai erudito e leitor de livros de história enquanto o pai de Lima Barreto foi ao que consta um simples madeireiro português casado com uma professora de primeiras letras; Isaías ao cabo da história junta-se com uma mulher e consta que Lima Barreto não constituiu família e mal foi visto com  mulheres durante a vida; e, mais importante, Isaías de certa forma capitula junto àquela sociedade baseada na mediocridade intelectual ao se associar ao chefe de jornal e abandonar seus sonhos e seu orgulho, coisa distinta de Lima Barreto, que propugna um ideal artístico e literário que o move no sentido de uma narrativa de sátira, de uma arte panfletária e de insurgência.

Outrossim, o próprio Lima Barreto em carta discorre sobre a finalidade da presente obra: “(Pretendi) mostrar um rapaz nas condições do Isaías, com todas as disposições, pode falhar, não em virtude de suas qualidades intrínsecas, mas batido, esmagado, prensado pelo preconceito”. “Se lá pus certas figuras e o jornal, foi para escandalizar e provocar atenção para a minha brochura. Não sei se o processo é decente, mas foi aquele que me surgiu para lutar contra a indiferença, a má vontade dos nossos mandarins literários”.

Muito se pôde descobrir acerca da vida do escritor Lima Barreto, especialmente por pesquisadores que levaram a cabo um trabalho de publicação de obras inéditas após a morte do escritor. Consta que um grande volume de documentos, cartas e papeis estavam encostados/abandonados num imóvel de familiares do artista e só em meados do séc. XX pesquisadores tiveram contato com este material (recuperaram cerca de 70% dos papeis segundo Francisco de Assis Barbosa). Promoveram a maior repaginação editorial da obra de Lima Barreto até então. Tal empreendimento foi feito duas gerações após a morte do escritor, pela editora Brasiliense, então dirigida pelo historiador e comunista Caio Prado Jr., contando com apoio técnico de Antônio Houaiss e M. Cavalcanti Proença.

Como se sabe, o escritor fluminense e sua obra estão situados no 1900 literários e ficaram marcados pelo signo da inadequação junto ao círculos literários oficiais.  Até aquele período não se cogita falar em escritor como um “ofício”, algo muito mais recente na história, espécie de conquista tardia do modernismo em sua 2ª Fase. Os “escritores” em geral em 1900 ou antes exercem outras profissões. Bernardo Guimarães, o romântico autor de “Escrava Isaura”, é magistrado. José de Alencar é deputado federal pelo Ceará. Joaquim Manuel de Macedo foi além de escritor, médico, político e professor. Em geral havia até escritores e poetas de ofício, mas tal carreira estava associada ao periodismo, e o jornalismo igualmente era uma profissão meio boêmia, sem grandes foros de respeitabilidade, ao menos em face de um pequeno grupo de escritores consagrados e, claro, da elite política do país.

Esta inadequação envolvendo Lima Barreto e seu tempo se revela no problema das publicações. “Recordações do Escrivão Isaías Caminha” foi publicado em sua parte inicial por uma revista editada pelo próprio Lima Barreto (Floreal) em 1907. “Clara dos Anjos” é livro concluído em 1922 e só publicado em 1948. “Cemitério dos Vivos” foi redigido entre 1919-20 e só lançado em 1956. E sua obra mais conhecida, o “O Triste Fim de Policarpo Quaresma” foi publicado em 1917 bancado com recursos do escritor. Sabe-se que Lima Barreto tentou duas vezes sem sucesso um reconhecido lugar na Academia Brasileira de Letras.

Importa ponderar as razões pelas quais Lima Barreto não obteve reconhecimento literário no seu tempo. O problema do racismo e a origem suburbana– que é um dos aspectos impeditivos da apreciação da imaginação, do estilo, do valor estético e da inteligência numa sociedade que em termos de próprio Lima Barreto apenas se valoriza “Diplomados”, donde grassa a mediocridade do bacharelismo, da prevalência da forma sobre o conteúdo, de um jornalismo de favores ou “canalha” na atual acepção de José Arbex Jr.  – é parte da explicação. Todavia poderíamos propor como uma reflexão (ainda que reiterada e um pouco batida pela crítica) do problema de Machado de Assis, ele também advindo do subúrbio, que inicia sua carreira literária como tipógrafo de jornal, e mulato, todavia, diferentemente de Lima Barreto, galgando apreciação literária e reconhecimento daquele pequeno círculo de “doutores”.

Certamente há diferenças quanto ao brilho literário de ambos os autores: e, ademais, Machado de Assis fundou o realismo literário dentro da literatura brasileira, criando uma relativa inovação formal. Todavia, parece-nos que o que mais contribuiu para a marginalidade de Lima Barreto, diante de uma sociedade ainda pouco condescendente com literatos sem seu respectivo diploma de bacharel e sua respectivas boas indicações (a lembrar que o próprio Machado de Assis iniciou sua carreira como protegido por Manuel Antônio de Almeida) foi o veio satírico dos romances, crônicas e narrativas. Lima Barreto teria poucas chances de adentrar a um seleto clube de aristocratas escritores ao eleger uma narrativa de combate em face de instituições como os jornais, os críticos literários, os deputados, os militares e até mesmo os ativistas revolucionários (que são ridicularizados como massa de manobra do jornal O GLOBO em, “Recordações”).  Lima Barreto literalmente “atira para todos os lados”.  O escritor é nos termos de seus críticos um “revoltado em conflito permanente com o meio em que vivia” e ao que parece sua sátira vai se tornando cada vez mais ácida conforme seu amor pelo país não vai sendo correspondido. Mantém todavia seu orgulho e em suas palestras em Mirassol ao final da vida parece eleger a “arte” como uma espécie de refúgio ou quase religião para dar vazão  às frustrações que igualmente levaram-no ao abuso do álcool, às passagens de depressão, às internações no manicômio e a uma morte prematura.

Filosofia e Literatura

Em 1897 Lima Barreto ingressou na escola Politécnica onde teve contatos com o positivismo de Texeira Mendes. Mais importante que o positivismo foi o despertar para a leitura de demais obras filosóficas – consta que leu Descartes, Kant e Spencer. Do primeiro retiraria um princípio que levaria para sua produção literária, o princípio da dúvida. Princípio  que se extrai na percepção crítica com que observou o Brasil da República Velha. Este é o ponto alto de sua literatura e neste movimento ele merece uma nova classificação, distinta de um certo guarda chuva de “pré-modernismo” com que se costuma embalá-lo.

O signo da ousadia formal e a conformação da identidade nacional exigiram do movimento modernista um olhar crítico sobre o passado: como um movimento revolucionário, fizeram uma espécie de tábua rasa a partir da qual criaram algo de novo. Senão vejamos qual é a base filosófica da obra de Lima Barreto nas suas palavras:

“A Dúvida metódica, senão sistemática, a tábua-rasa preliminar, para se chegar à certeza”. “O romancista é de alguma forma um descobridor – diria certa feita – e o melhor tratado de estética, nesse sentido, ainda é o Discurso do Método, de Descartes”.

“As Recordações do Escrivão Isaías Caminha” é a história do embotamento de uma inteligência viva advinda da “tristeza, da compreensão e da desigualdade do nível mental do seio familiar”. Circunstâncias específicas fizeram com que o pequeno Isaías adquirisse um gosto vasto pelos estudos e leituras. Desde o interior de onde nutria sonhos de engrandecer ainda mais o conhecimento parte para o RJ e nutre expectativas patéticas envolvendo as instituições do Brasil, o parlamento, os jornais e os jornalistas, os políticos, os artistas e mesmo a própria cidade. Em pouco tempo enfrenta a dura realidade, do preconceito de cor, da opressão decorrente de uma vida de privações financeiras, observa a mediocridade intelectual dos pasquins e jornais, a má vontade e corrupção de agentes públicos, o pouco caso das mulheres,  frustrações que vão gradualmente embotando a inteligência de Isaías que vai se submetendo, quedando-lhe o orgulho (não sem lamentar), como se de tanto levar chicotadas fosse uma vela que se apagasse. Ao final é chamado de tonto pelo diretor R. L. por ter perdido uma oportunidade de se aproveitar de mulher italiana que o solicitava em seus aposentos para fins sexuais – um fim trágico cômico ao escrivão que retornaria ao interior.

Uma boa crítica literária não se passa apenas com elogios – um texto para apologia é próximo do inútil e fora da tradição crítica. A parte alta deste romance/memória são as descrições vivas de um período histórico do Brasil: o Rio de Janeiro da República Velha, as relações pouco escrupulosas entre políticos e jornalistas, estes últimos não primando pela imparcialidade, sempre escrevendo em troca de cargos públicos, prestígio e  dinheiro,  e de uma maneira geral uma sociedade corrompida e atravessada por vícios, donde jornalistas, poetas e literatos se assemelham a prostitutas, ganhando relevo a personagem Viscondessa de V. , metade meretriz, metade poetiza.

Interessante que insurreições ocorrem. Mas o sujeito operário tem presença residual. A ausência deste protagonista faz das explosões atividades desorganizadas e espontâneas num momento de incipiente urbanização e de nascimento do proletariado no Brasil: são movimentos sem organização e direção. O PCB seria fundado em 1922. Uma greve geral (1917) ocorrera no país com presença marcante do movimento anarquista e chegou a parar São Paulo por 30 dias. Observar que os insurgentes respondiam os policiais “à bala” no romance de Lima Barreto:

“Na Rua do Ouvidor armava-se barricadas, cobria-se o pavimento de rolhas para impedir as cargas de cavalaria. As forças eram recebidas à bala e respondiam. Plinio de Andrade, com quem há muito não me encontrava, veio a morrer num desses combates. Da sacada do jornal eu pude ver os amotinados. Havia a poeira de garotos e moleques; havia o vagabundo, o desordeiro profissional, o pequeno burguês, empregado, caixeiro e estudante; havia emissários de políticos descontentes. Todos se misturavam, afrontavam as balas, unidos pela mesma irritação e pelo mesmo ódio à polícia, onde uns viam seu inimigo natural e outros o Estado, que não dava a felicidade e a abundância”

O estilo literário de Lima Barreto é coloquial, baseado em períodos curtos e que remete à linguagem do jornalista. Mas há alguns erros de construção que sugerem falta de revisão, repetição de palavras, vírgulas, etc. Foi o provável pretexto para ataques de inimigos que se sentiram afetados com a literatura satírica da Lima Barreto – seria o mesmo um mal escritor? Aqui o estilo não tem o brilho de um Machado de Assis mas surge como detalhe que está muito longe de desmerecer a obra.

Lima Barreto quebra no meio uma tradição literária secular que se baseava num certo ufanismo e que criou as condições para a crítica social do modernismo. É um escritor plenamente moderno, ainda que anterior à Semana de 22. Fez de certo ponto na Literatura o que Paulo Prado e seu “Retrato do Brasil” fizera para a historiografia do Brasil. Paulo Prado contrariou o senso comum (para quem o brasileiro é um povo carnavalesco) e, em um ensaio histórico poderoso, concluiu que o brasileiro é um povo triste. Seu livro não foi bem aceito mas abria uma crítica e um precedente para os modernistas da historiografia. E que triste fim é o de Lima Barreto, confirmando a tristeza brasileira de Paulo Prado.  

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

“O Noviço” – Martins Pena

“O Noviço” – Martins Pena



Resenha livro – “O Noviço / O Judas em Sábado de Aleluia” – Martins Pena – Editora Ática

Resenha Livro – “O Noviço / O Juiz de Paz na Roça” – Martins Pena – Editora Sol Objetivo

“Se se perdessem todas as leis, escritos, memórias da história brasileira dos primeiros cinquenta anos desde século XIX e nos ficassem somente as comédias de (Martins) Pena, era possível reconstruir por elas a fisionomia moral desta época”. Sílvio Romero (1851 – 1914) – Crítico Literário
         
O enunciado acerca da obra deste precursor da dramaturgia no Brasil não esgota as novidades e a importância geral das peças acerca dos costumes da corte ou mesmo do interior do Brasil das primeiras décadas do século XIX.

Martins Pena se sobressai de fato como introdutor do teatro de costumes no Brasil e ao fazê-lo retratou a sociedade de seu tempo ensejando um importante interesse histórico: desde as relações sociais e conjugais, até os abusos do poder dos juízes de paz, da corrupção com a falsificação de moedas[1], até o paternalismo envolvendo funcionários públicos,  muitos dos impasses de outrora continuam. 

O que há de se constatar é uma certa atualidade, como veremos, em muitas das passagens das peças, e aqui reside um ponto que parece dizer tanto à perspicácia do artista que retrata o seu tempo quanto ao contexto histórico especial que perpassa um processo histórico de longa duração desde 1808 com a vinda da Família Real portuguesa e a instalação da sede da corte no Rio de Janeiro[2], a elevação do Brasil a condição de Reino Unido de Portugal Brasil e Algaveres em 1815, a Revolução do Porto em 1820 com objetivos de aniquilar com o Antigo Regime, restituir/reestabelecer Portugal no interior do Império português o que foi interpretado por deputados brasileiros como um movimento no sentido de reecolonização do Brasil, dando impulso ao movimento de independência, que teria prosseguimento com o dia do Fico em 9 de Janeiro de 1822, o 7 de Setembro (cujo significado concreto é de pouca relevância tendo sido o grito do Ipiranga sequer repercutido nos jornais da época com uma única exceção[3]), até a aclamação de D. Pedro como Imperador.

Este panorama deve nos orientar no sentido de que o contexto em que Martins Pena escreveu suas peças é um momento decisivo para o país, fase da independência, da consolidação inicial da nacionalidade, mas de um país ainda eivado pela escravidão, pelo patrimonialismo, pela corrupção que engessa o serviço público, pelo compadrio, pela força do poder local associada ao modelo jurídico institucional português do Antigo Regime. E no “privado” pelas relações conjugais eivadas por interesses pecuniários, algo se não distinto dos dias de hoje, diferente na forma, havendo na comédia de costumes, sempre uma orientação moralista que em “O Noviço” revela o crime da bigamia, a condenação um tanto velada da viúva que não se ressente do falecido e busca um novo amante (por quem acaba enganada) e um cruel destino da jovem namoradeira (Maricota) em contraponto ao modelo de jovem “recatada e do lar” (Chiquinha) – peça “O Judas em Sábado de Aleluia”.

O que queremos indicar aqui é que ao retratar os costumes de uma conjuntura histórica que dizia respeito à fase do advento da nacionalidade, ou talvez, em face do peso ou fardo do nosso passado ou herança de vícios com a nação em nascimento, Martins Pena acabou se tornando algo profético ou atual. Assim diz um de seus personagens que “as leis criminais fizeram-se para os pobres” (fala então Ambrósio em “O Noviço”) ou práticas de corrupção em entes públicos como o suborno para a não convocação à Guarda Nacional (“O Judas em Sábado de Aleluia”) ou a arbitrariedade judicial (“O Juiz de Paz na Roça”). Todos revelam uma atualidade incrível das peças.

Autor e Obras

Luís Carlos Martins Pena nasceu no Rio de Janeiro em 05.01.1815. Ficou órfão de pai quando tinha um ano e de mãe quando tinha 10 anos, tendo sido educado pelo tio materno. Embora não tivesse vocação para o comércio, foi obrigado a estudar contabilidade e leis de comércio de 1832 e 1835. Tal fato pode sugerir algo de auto-biográfico quanto ao personagem central Carlos, do Noviço, garoto matreiro e apaixonado pela prima, porém internado num convento por um tio mal intencionado que intentava desfazer o casamento para, com os votos de pobreza do sobrinho, tirar de vista um herdeiro da herança da rica cônjuge e tia do noviço. Carlos descobre os movimentos sinuosos e mal intencionados do tio, bem como revela a sua não inclinação pela vida monástica, foge do convento e causa enorme tribulias junto aos frades:

“CARLOS- E que culpa tenho eu, se tenho a cabeça esquentada? Para que querem violentar minhas inclinações? Não nasci para frade, não tenho jeito nenhum para estar horas inteiras no coro a rezar com os braços encruzados. Não me vai o jejuar: tenho, pelo menos três vezes ao dia uma fome de todos os diabos. Militares é o que quisera ser; para aí chama-se a inclinação. Bordoadas, espadeiradas, rusgas é que me regalam; esse é o meu gênio. Gosto de teatro, e de lá ninguém vai ao teatro, à exceção de Frei Maurício, que frequenta a plateia de casaca e cabeleira, para esconder a coroa”.

No limite um Padre Mestre dos Noviços e outros figurantes da igreja vivenciaram momentos cômicos, de rebuliço e confusão em função das brejeirices do Noviço mais rebelde do convento – a maior delas quando se veste de mulher e envia suas vestes à pobre Rosa, causando um “tumulto público”. Fora os risos, a Igreja e a religião não são objeto de crítica: dentre as falas, fica-se claro que é a ganância de Ambrósio e a inocência de Florência (sua segunda mulher) que é uma viúva rica e se deixa seduzir pelo oportunista, os responsáveis por fazer com que Carlos, jovem sem qualquer inclinação para a vida no monastério, para lá seja enviado. Diferente portando das ponderações de “O Seminarista” (1872) de Bernardo de Guimarães, uma tragédia romântica cujo mote é justamente os efeitos deletérios da falta de inclinação e a vida forçada no seminário.

Todavia, é importante ressaltar: o teatro de costumes se desenvolve em Martins Pena a partir de uma narrativa moralista, com uma intencionalidade clara de instrumentalizar a arte como forma de educar ou intervir na sociedade. Certamente estamos aqui nos albores da narrativa nacional e não se observa uma sondagem das cogitações psicológicas/internas das personagens, de suas contradições com uma depuração que as inovações do realismo literário a partir de Machado de Assis e especificamente Eça de Queirós desde Portugal (que em sua fase realista, também assinalava um sentido reformador) alcançaram. Aqui se observa ainda um tom moralista e maniqueísta que se adéqua formalmente a um teatro de estilo de comédia, voltado a entreter, arte acessível a um público em sua maioria iletrado, e como não poderia deixar de ser, dadas as circunstâncias históricas, com certa superficialidade na tintura dos traços psicológicos. Nesta forma que combina um discurso moral e o gracejo, cada personagem agrega características pontuais, uns são bons, outros são maus, uns são fortes, outros são fracos, uns são honestos, outros são desonestos – a contradição e a complexidade do indivíduo no teatro, encontraríamos muito depois, podendo suscitar 1940 com “Vestido de Noiva” de Nelson Rodrigues e 1950 com o “Pagador de Promessas” de Dias Gomes.
Infelizmente atual

“O Juiz de Paz na Roça” foi a primeira peça escrita por Martins Pena – redigida em 1837 e encenada no teatro São Pedro em 10.08.1839. Desde o ponto de vista histórico, retrata a vida difícil dos lavradores (pequenos proprietários, categoria comumente negligenciada pela historiadores) no interior do Brasil. Costumam viver em pequenas propriedades como é o caso de Manuel João, têm pouca monta de capital e de escravos e naquela conjuntura de leis restritivas de abolição do tráfico[4], encontram enormes dificuldades de subsistência – na história falta carne seca para família e para o escravo só sobra laranja com farinha. A história retrata o recrutamento de ofício pelo Juiz de Paz de cidadãos como Manuel João para a Guarda Nacional.

Certamente dentre as críticas atuais que perpassam a obra do “O Juiz de Paz na Roça”, nenhuma delas parece cair melhor do que a arbitrariedade do poder jurisdicional, ainda que aqui se deva evitar o anacronismo – ler desejos pessoais ou aspectos do presente do passado conferindo um erro de cronologia. Os Juízes Togados de hoje eram distintos do modelo dos juízes de paz, em geral juízes leigos em direito (fato aliás reiterado na peça com efeitos cômicos), com ampla jurisdição (poderíamos dizer competência mais propriamente, tratando de assuntos judiciais, administrativos, eleitorais e de polícia) e, importante, eram juízes eleitos, ainda que por um reduzido eleitorado proprietário. O Juiz de Paz mais do que tudo era parte de uma articulação do Poder Local que remete a uma estrutura de poder do Antigo Regime que, num Império Continental como o Português que envolvia possessões em África e Ásia, dependia de relações bastante específicas de imbricação de poder baseadas na concessão de honras e mercês, na ampliação do poder local em troca da obediência ao Poder Régio – uma mútua relação de dependência, legitimação e concessão de poder. De outro modo não é de se estranhar que uma herança com relação aos abusos de poder, especificamente envolvendo magistrados, não tenham vínculos com esta conformação tradicional de poder local, desnudada de forma irônica e engraçada na figura de um Juiz Glutão que concilia duas partes que litigam em torno de um Porco propondo que o suíno seja remetido ao....Juiz, preferencialmente cozinhado com ervilhas. Vejamos:

“JUIZ – Não posso deferir por estar muito atravancado com um roçado; portanto, requeira ao suplente, que é meu compadre Pantaleão.
MANUEL ANDRÉ – Mas, Sr. Juiz, ele também está ocupado com uma plantação.
JUIZ- Você Replica? Olhe que o mando para cadeia.
MANUEL ANDRE – Vossa Senhoria não pode prender-me à toa; a Constituição não manda.
JUIZ- A Constituição! Está Bem! Eu, o Juiz de Paz, hei por bem derrogar a Constituição! Sr. Escrivão, tome termo que a Constituição está derrogada, e mande-me prender este homem.
MANUEL ANDRÉ – Isto é uma injustiça!
JUIZ – Ainda Fala? Suspendo-lhe as garantias...”

Está em curso a operação Lava Jato que em termos jurídicos já tem levado à sociedade propostas como a relativização da vedação do uso de provas ilícitas no processo e efetivou a repercussão em rede nacional de interceptação telefônica resguardada por segredo de justiça que de acordo com o art. 10 da lei 9296 deveria levar o Juiz Sérgio Moro a ter cometido crime pela supracitada lei com pena de reclusão de 2 a 4 anos e multa[5]. A operação Lava Jato é a peça jurídica central do golpe de estado que está em curso no Brasil com ativa participação do poder judiciário. Não se trata do mesmo poder judiciário dos poderes provinciais baseados no poder local do Brasil dos primeiros anos do séc. XIX – mas a mesma arbitrariedade ridicularizada por Martins Pena está amplamente divulgada na internet nas audiências da Lava Jato dirigidas pelo Juiz Sérgio Moro, neste momento, um dos principais inimigos da esquerda, dos democratas e dos patriotas do país. Que o humor deixe de ser combatido pelas “minorias” da esquerda pós moderna (feministas, LGBTS, etc.) e volte a ser uma nova e potente ferramenta para desmascarar pequenos déspotas como o Juiz da Operação Lava Jato. Novas peças aos moldes de Martins Pena são necessárias.
  
   




[1] Fato histórico que ocorreu após a fundação do Banco do Brasil nos anos seguintes à independência.  
[2] A própria vinda da corte ao Rio de Janeiro promoveu importantes mudanças na cidade e no país, com o desenvolvimento do mercado interno com o crescimento urbano, a fundação da imprensa régia, fundação da Academia Real Militar, do Museu Real, do Jardim Botânico, Missão de Artistas e de Naturalistas e criação da Casa da Agricultura na Bahia. E particularmente ao que nos interessa, a construção do Real Teatro São João inaugurado em 1813 com a ópera O Juramento dos Numes.
[3] Trata-se do jornal fluminense "O Espelho", datado de 20 de setembro
[4] O Brasil assina um Tratado de Cessação do Tráfico de escravos Brasil-Inglaterra (1826), mas além de resistência quanto à vigência da norma no país, o Brasil é negligente na aplicação da lei, em que pese importantes pressões britânicas – longe de ser humanitária, a cessão do tráfico para Inglaterra era parte de um projeto que envolvia uma nova orientação de regime de trabalho assalariado em seus domínios, que tivesse condão de criar um mercado consumidor para seus produtos em face de suas distintas etapas da Revolução Industrial. Depois de pressão, apreensão de navios e ameaças diplomáticas, a abolição definitiva no Brasil ocorre em 1850.  
[5] Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

“O Brasil Imperial (Volume I – 1808 – 1831)” – Keila Grinsberg e Ricardo Salles (org.)

“O Brasil Imperial  (Volume I – 1808 – 1831)” – Keila Grinsberg e Ricardo Salles (org.)




Resenha Livro - “O Brasil Imperial  (Volume I – 1808 – 1831)” – Keila Grinsberg e Ricardo Salles (org.) – Ed. Civilização Brasileira

José Bonifácio e o Tráfico de Escravos (1823)
“Estamos totalmente convencidos da inadequação do tráfico de escravos (...) mas devo frisar candidamente que a abolição não pode ser imediata, e eu explicarei as duas principais considerações que nos levam a essa determinação. Uma é de ordem econômica e a outra é de ordem política. A primeira se baseia na absoluta necessidade de tomarmos medidas para garantir um aumento da população branca antes da abolição, para que as lavouras do país continuem produzindo. (....) A segunda consideração diz respeito à conveniência política (....) poderíamos enfrentar a crise e a oposição daqueles que se dedicam ao tráfico, mas não podemos, sem um grau de risco que nenhum homem em sã consciência possa pensar em correr, tentar no presente momento uma medida que iria indispor a totalidade da população do interior (...) Se a abolição viesse para eles antes que estivessem preparados, todo o país entraria em convulsão, de uma ponta a outra, e não há como calcular as consequências para o governo ou para o próprio país”.
                
A publicação desta Coleção do Brasil Imperial deve ser saudada como mais uma iniciativa que intenta aproximar o público comum de trabalhos de pesquisa que costumam estar adstritos às publicações ou revistas especializados, especialmente no âmbito de programas de pós graduação das Universidades Públicas do País. Esta coleção dirigida por Keila Grinberg e Ricardo Salles[1] ou a Coleção Brasil Colonial[2] organizada por João Fragoso e Maria Fátima Gouvêa se assemelham ao reunir pesquisadores de universidade de todo país que perquiram temas tradicionais ou candentes a partir das mais recentes descobertas da historiografia.

E trata-se aqui de um exercício notável de diálogo entre a academia e o público leigo: sabe-se que as pesquisas em nível de pós graduação primam pela especialização ou às vezes por certa ultra especialização[3], que podem ganhar em profundidade, mas perder em envergadura, impossibilitando aferir os sentidos da história. Nesse aspecto, os artigos publicados ao grande público são contextualizados. E mais: revelam como as pesquisas e os debates mais recentes da historiografia colocam por terra muitas de algumas noções consolidadas (às vezes em livros didáticos), seja por novas fontes e documentos disponíveis, seja criticando interpretações anacrônicas, estas, por sinal, bastante recorrentes no período do presente volume.

O 1808 demarca a vinda da Família Real Portuguesa e 07 de Abril de 1831 data da abdicação de D. Pedro. Alguns eventos da história, segundo alguns historiadores, podem ser analisados por uma ótica de longa duração. É o caso da nossa Independência em face de Portugal – celebrizada formalmente ao 7 de Setembro quando D. Pedro dá o grito de Ipiranga.

Antes de se reduzir a independência a um fato cronológico, hoje se discute a independência como um processo de dimensões revolucionárias e como projeção histórica de longa duração, perdurando para alguns desde a vinda de D. João, até a Aclamação de D. Pedro e para outros, processo que se concluí com a abdicação.

De qualquer forma, alguns cuidados são essenciais quando se discute o problema da independência: ao se analisar as fontes, já no séc. XIX, com as tendências republicanas em voga, história é passada por um filtro que tende a desmerecer o período em questão: a imagem de um rei glutão e submisso (D. João VI) e uma não melhor opinião acerca da família real criaram narrativas muito enviesadas do processo em curso; outro desacerto é o do anacronismo, o erro de cronologia na análise da independência do Brasil, que envolve tomar o marco da independência política como o do nascimento, após longa gestação da nação brasileira. O que havia eram várias possibilidades em jogo, bastando lembrar (1) A questão Cisplatina que estava em aberto. A Província Cisplatina (atual Uruguai) ao tempo da Independência pertencia ao Brasil. No tempo de D. Pedro I há um conflito no Rio da Prata que daria a Independência ao Uruguai; (ii) Confederação do Equador, movimento de caráter republicano e separatista, também revela a contingência da independência e possíveis desdobramentos.   

O fato é que a independência brasileira foi um processo bem sucedido desde o ponto de vista da conservação dos interesses gerais das elites econômicas e políticas desde o Brasil  - com a vinda da família real em 1808, mudanças importantes ocorreram, como a abertura dos portos ao comércio com os países amigos, pondo fim ao exclusivismo comercial, favorecendo em primeiro lugar os comerciantes e de maneira geral os proprietários de capital. A própria vinda da corte ao Rio de Janeiro promoveu importantes mudanças na cidade e no país, com o desenvolvimento do mercado interno com o crescimento urbano, a fundação da imprensa régia, fundação da Academia Real Militar, do Museu Real, do Jardim Botânico, Missão de Artistas e de Naturalistas, criação da Casa da Agricultura na Bahia e a elevação do Brasil a categoria Reino Unido de Portugal Brasil e Algaveres em 1815, um reconhecimento formal do fim da condição colonial brasileira.

A convocação das cortes de Lisboa ocorre 30 de maio de 1820. As cortes propõem o fim do Antigo Regime, a elaboração de nova constituição e o reestabelecimento de Portugal  no interior do Império Luso Português. No Brasil houve uma relativa margem de participação (para os moldes da época) para eleição das Cortes de Lisboa. Excluídos do voto: pobres, escravos, serventes domésticos, gente sem ocupação fixa e mulheres. Com direito de voto: grandes proprietários, caixeiros, artesãos, lavradores, rendeiros, foreiros, empregados públicos. Dentre os historiadores desta coleção parece não haver opinião unívoca quanto a real intenção recolonizadora das cortes – mas esta foi a forma como o entenderam os deputados brasileiros em Portugal. De volta ao Brasil consolida-se sentimento de que há pretensão de Portugal em reverter estatuto do Brasil num sentido de recolonização.

A decisão de D. Pedro não ceder às pressões das cortes naquele que ficou conhecido como o dia do Fico (9 de janeiro de 1822) precederia a data oficial da Revolução da Independência. A solução monárquica indica uma alternativa das elites para se evitar a guerra civil – vozes como a de Frei Caneca já propugnavam as ideias da revolução francesa e da independência americana provavelmente desde 1817. E numa rápida comparação com os resultados em face da América Espanhola, tais temores não eram infundados: do Brasil, 18 Capitanias Gerais da Colônia existentes em 1820 formaram um país (Excluindo a República da Cisplatina). Da América Espanhola, 4 vice Reinados e 4 Capitanias gerais dão origem  a 17 países.

Como mencionado no início da resenha, José Bonifácio manifesta medo da abolição do tráfico de escravos. Há o temor tanto dos efeitos do fim do tráfico quanto da abolição e o medo da insurreição africana: uma constante – a maior rebelião no séc. XIX foi a dos malês na Bahia.

O Brasil assina um Tratado de Cessação do Tráfico de escravos Brasil-Inglaterra (1826), mas além de resistência quanto à vigência da norma no país, o Brasil é negligente na aplicação da lei, em que pese importantes pressões britânicas – longe de ser humanitária, a cessão do tráfico para Inglaterra era parte de um projeto que envolvia uma nova orientação de regime de trabalho assalariado em seus domínios, que tivesse condão de criar um mercado consumidor para seus produtos em face de suas distintas etapas da Revolução Industrial. Depois de pressão, apreensão de navios e ameaças diplomáticas, a abolição definitiva no Brasil ocorre em 1850.  

A partir de 1830 o aumento no custo do escravo com tratados e leis de combate ao tráfico repercute nos custos de produção e no aumento do valor das mercadorias – há mesmo o encarecimento e o afunilamento das alforrias e detecta-se maiores movimentos de rebelião de escravos no Brasil. Importante rebelião atingiu a família de grande Deputado - Rebelião de Carrancas (ver abaixo). Além do temido Levante em São Domingos (Haiti), houve levante de escravos em Guadalupe (1793), Curaçao (1795) e Santa Lucia (1795).

O estudo do período Joanino e do primeiro Reinado tem importante significado pela abrangência de temas e pelo ponto de partido que 1808/1831 envolve para a história do Brasil – o início da nacionalidade. Esta coleção trata desde discussões tradicionais, como a emancipação política, a vinda da corte em 1808 e a Revolução dos Portos, até questões novas, que carecem de maiores pesquisas, como a política indigenista no séc. XIX, as rebeliões escravas do período e a Igreja no Brasil e sua relação com os poderes seculares e com Roma nos primeiros anos do séc. XIX.

Ademais, é com a Independência que surge pela primeira vez o problema da nação, certamente de modo distinto que a questão é tratada pelos modernistas de 1930. O Brasil naquele período ainda é um mosaico de províncias, não havendo uma unidade cultural ou identidade brasileira que precedesse a constituição do estado, tal qual ocorre nos países europeus de unificação nacional tardia como Itália e Alemanha. Mas já há algo relacionado ao brasileiro, que diz respeito jus soli e às fronteiras nacionais. A missão artística desde o Rio de Janeiro inicia trabalhos de retrato de paisagens e costumes, enquanto espaços como o Jardim Botânico ou mesmo o início da imprensa régio também ensejam os primeiros passos de um país-nação. Trata-se portando o 1808-1831 de momento decisivo da história nacional: o fim formal da colônia e o início de longo caminho na consolidação do que se entende por Brasil e brasileiro.


VISTA DO RIO DE JANEIRO - THOMAS ENDER - pintor austríaco - Brasil Joanino - Séc. XIX

Revolta de Carrancas - MG - 1833 - Fazenda Campo Alegre - Propriedade do Barão de Alfenas - Deputado Gabriel Francisco Junqueira (Curato de São Thomé das Letras freguesia de Carrancas)
"No dia 13 de maio de 1833, o filho do deputado Junqueira, que tomava conta da propriedade, foi surpreendido e morto a pauladas por alguns escravos, liderados pelo africano Ventura Mina, enquanto fazia ronda na fazenda. Outros cativos da roça juntaram-se a Ventura e dirigiram-se à sede da propriedade. Percebendo-a guarnecida, rumaram para a Fazenda Bela Cruz. Com a adesão de escravos locais, cercaram e assassinaram todos os familiares do proprietário que lá se encontravam, no total de oito pessoas.
(....)
Depois de batidos, os sobreviventes (insurrectos) foram rapidamente julgados: 16 foram enforcados pelo crime de insurreição escrava, previsto no art. 107 do Código Criminal; seis sofreram penas de açoite e ferros de dois anos de galé". GINSBERG, K. BORGES, M. SALLES, R. "Rebeliões escravas antes da extinção do tráfico".

O Grito do Ipiranga - Pedro Américo - 1888 - "Na realidade, quando o príncipe regente proclamou - se é que o fez - o célebre Grito do Ipiranga, em 7 de setembro, que hoje se comemora como data nacional do Brasil, para a maioria dos contemporâneos a separação, ainda que parcial, já estava consumada. Esse episódio, aliás, não teve significado especial, não sendo sequer noticiado pela imprensa da época, exceto por breve comentário do jornal fluminense "O Espelho", datado de 20 de setembro. Tornava-se necessário oficializá-la, com a aclamação de d. Pedro como imperador constitucional do Brasil, ocorrida em 12 de Outubro, e a coroação, de 1º de dezembro - eventos, que iriam buscar estabelecer, em sentidos diferentes, os fundamentos do novo império". NEVES, Lúcia M. Bastos. "Estado e Política na Independência".





[1] Ambos Doutores em Historia Social pela UFF e Professores da UNIRIO.
[3] O que não deixa de implicar, tal recorte, numa opção teórico metodológica.