quinta-feira, 20 de novembro de 2014

“O Crime do Padre Amaro” – Eça de Queirós


Resenha Livro # 134– “O Crime do Padre Amaro” – Eça De Queirós - Ed. Ática




Antecedentes

Eça de Queirós é provavelmente o mais importante escritor português do séc. XIX. Foi fundador da escola realista/naturalista naquele país justamente a partir do romance “O Crime do Padre Amaro”, obra satírica que faz crítica sobre a conduta do clero, o problema do celibato e a hipocrisia da atrasada sociedade portuguesa.

Ainda dentro da perspectiva realista, voltada à crítica de costumes e à descrição da realidade de forma objetiva, em contraponto ao romantismo, Eça de Queirós escreveria “O Primo Basílio”, história de um triângulo amoroso em que a leitura daqueles romances românticos serviria de motivo para engendrar a traição desde a figura da leitora Luísa e os “Maias”, a última obra propriamente realista do escritor português.

Na verdade, é possível dividir a produção literária de Eça de Queirós em três momentos. Sua primeira fase corresponde ao período de sua juventude quando do início de sua jornada literária desde quando frequentava o tradicional curso de Direito em Coimbrã. Ainda influenciado pelo romantismo, publica versos e um livro de Contos (1902) ainda dentro dos parâmetros do romantismo, marcados pelo subjetivismo em contraponto ao objetivismo, pela concepção da arte pela arte (sem interesses de intervir na sociedade e transformá-la), pelo idealismo ao contrário do realismo.

A segunda fase é o momento realista/naturalista, inaugurado pelo “Crime do Padre Amaro” (1876), com “O Primo Basílio” (1878) e “Os Maias” (1888), correspondente ao período mais conhecido de Eça de Queirós.

Finalmente, temos a terceira fase, da qual “A Ilustre Casa de Ramires” (1900)  e “A Cidade e as Serras” (1901) expressam uma espécie de conciliação de Eça com o gênero humano, uma menor dose de ironia, de pessimismo e um maior humanismo no tratamento com as personagens – o que há de comum entre a 2ª e a 3ª fases é a beleza na forma com que descreve as paisagens e a forma poética que se aguça nos últimos romances, fruto de influências da escola do simbolismo.  

A juventude de Eça – a Descoberta do Realismo

Será todavia em Coimbrã  que Eça de Queirós conhecerá os acadêmicos Antero de Quental e Teófilo Braga. Ambos foram escritores que junto a Eça de Queirós revolucionaram a literatura portuguesa, pondo fim à hegemonia da escola romântica e, através das conferências, introduzindo as ideias do realismo. Teófilo Braga se tornaria posteriormente o primeiro presidente da República Portuguesa. Antero de Quental foi poeta realista e divulgador de ideias socialistas em Portugal.

Vale destacar algumas palavras sobre a vida pessoal de Eça de Queirós.

Diplomado aos 21 anos do curso de direito, Eça parte de Lisboa onde inicia uma carreira como advogado e jornalista, sem muito sucesso. Em 1869 presta concurso para serviço diplomático e é aprovado para nomeação no Egito. Um ano antes, exerce durante um ano na cidade de Leiria uma função de administrador do conselho do Estado. Leiria é uma cidade provinciana cheia de padrecos e beatas e é desde lá que Eça redige o seu “O Crime do Padre Amaro”, o seu romance mais ácido e que mais escandalizou as pessoas de seu tempo. E não poderia ser diferente.

Como dizíamos, desde Coimbrã, Eça teve contato com pensadores que influenciavam os pensadores realistas, desde o positivista Comte, até Taine, Darwin e Renan. Sua tese central desde o romance é a inviabilidade do celibato clerical e os malefícios sociais da hipocrisia religiosa, dos pressupostos bíblicos que vão contra a realidade da matéria, das exigências do meio e da natureza do homem.

O Crime do Padre Amaro

A narrativa refere-se à história de um Padre, o Padre Amaro. Criado por uma madrinha, sempre no meio de mulheres desde pequeno, desenvolve um temperamento lânguido, suscetível até a vida adulta às seduções femininas. Tornar-se-ia padre independente de sua vontade, em decorrência de uma promessa. Quando nomeado pároco para uma cidade provinciana (Leiria), Amaro desenvolve uma forte paixão por Amélia, a mulher mais bela da cidade e daí passa a frequentar a casa da pequena.

O amor é correspondido e aos poucos vai se criando todo o arranjo para encontros libidinosos, sempre sob os pretextos religiosos (ora preparar a menina para ser freira, ora encontros dentro da casa do Ferreiro e de sua filha doente para alfabetizá-la). Ao contrário dos romances românticos em que o amor é um fim sob o qual qualquer meio se justifica, no romance realista, inverte-se a relação – o amor é um pretexto ou um meio hipócrita pelo qual se evidencia a má conduta e personalidade do padre e da mulher que resvalam no trágico-cômico.

O elemento trágico revela-se ao final do romance, com o triste fim de Amélia, que na verdade parece ser a única a sentir culpa daquela relação – culpa perante os olhos de deus, o que é resultado de sua beatice e de sua criação junto à mãe também beata, à madrinha também beata e a sociedade também beata o que em última instância à levará (a beatice) à morte. O elemento cômico reside no Padre que deveria ser o guardião principal da alma da pobre Amélia e se revela desde sempre uma besta egoísta que em dado momento deseja a morte tanto da mulher quanto de sua criança grávida (pelo bem de “deus” – qual seja, de si próprio). Nada beato o Padre Amaro.

O capítulo final do Crime do Padre Amaro como que revela a intencionalidade geral do romance. Uma cena no centro de Lisboa demonstra pessoas observando jornaleiros dizendo as últimas notícias de Paris: tratava-se da repressão à Comuna de 1871, ao levante parisiense em que operários e populares sacudiram aquela cidade, tomaram de assalto os céus, expulsando o clero e os burgueses e auto-governando a capital francesa por 72 dias. Após a repressão da reação, encontram-se na rua o Padre Amaro e o Cônego Dias, a observar as ruas de Lisboa. 

Eça faz de maneira irônica o leitor refletir da seguinte forma: os portugueses com a sua sociedade decadente e sua Igreja pervertida a dominar a sua sociedade sentem-se superiores aos “republicanos” e socialistas franceses, sem observar que atrasados não são os franceses mas...Portugal.


Esta era a linha de raciocínio dos modernizadores conferencistas que queriam imprimir à literatura portuguesa como Eça de Queirós, Antero de Quental e outros. E quando, ao término do romance, o Padre encostava no busto de Camões, ficava apenas na memória do tempo em que Portugal fora de fato uma vanguarda para o mundo - a era das Grandes Navegações e uma sensação de nostalgia pelo passado grandioso do Império Português!

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

“Caio Prado Jr. E a Nacionalização do Marxismo no Brasil” – Bernardo Ricupero

“Caio Prado Jr. E a Nacionalização do Marxismo no Brasil” – Bernardo Ricupero



Resenha Livro #133 - “Caio Prado Jr. E a Nacionalização do Marxismo no Brasil” – Bernardo Ricupero – Editora 34

Caio Prado Jr. pertence a uma pioneira geração de pensadores que voltaram seus estudos para as origens do Brasil dentro de um esforço comum de se apontar para uma identidade nacional. De forma semelhante ao que na arte ocorrera com os pioneiros da Semana da Arte Moderna de 1922 que pela primeira vez pleiteavam criar uma forma artística não importada da Europa, aquela “Geração de 1930” buscava traçar as especificidades do Brasil num contexto histórico onde estava se forjando ao Brasil a sua nacionalidade – este seria um dos sentidos de longa duração da Revolução de 1930. 

São três os grandes expoentes da “Geração de 1930”, cada um dissertando sobre o Brasil através de pressupostos teóricos distintos. Gilberto Freire e seu “Casa Grande e Senzala” partia de uma interpretação culturalista do Brasil, podendo-se afirmar que o seu ponto de vista partia desde a Casa Grande, recolhendo os traços da língua, da música popular, da culinária, dos jogos e cantigas infantis, enfim, dos elementos mais cotidianos e miúdos da vida do Brasil colonial. Sérgio Buarque de Hollanda e seu “Raízes do Brasil” já oferecia uma visão sociológica desde um ponto de vista weberiano sobre o passado colonial, consagrando algumas categorias que ficariam para a posterioridade, como a do “Homem Cordial”.

E finalmente Caio Prado Jr. com seu "Formação do Brasil Contemporâneo", um estudo sobre o Brasil colônia desde um ponto de vista marxista que irá se diferenciar por sua originalidade na aplicação daquela corrente metodológica respeitando as especificidades e as características particulares em que se deram a colonização do Brasil – o sentido da nossa colonização correspondendo a atender às exigências econômicas da metrópole colonial, o escopo da colonização sendo uma vasta empresa comercial voltada à exploração dos recursos naturais de um território virgem, tudo sempre em proveito do comércio europeu.

 “Caio Prado Jr. e a Nacionalização do Marxismo no Brasil” é uma bela pesquisa do Departamento de Ciência Política da USP de autoria de Bernardo Ricupero. Seu objeto de estudo são o texto e o contexto da produção política do autor paulista, o que remete invariavelmente para sua produção não só como acadêmico mas como militante, papel eventualmente menos conhecido de Caio Prado.

De fato, Caio Prado Jr. foi militante do PCB , ainda que nunca tenha de fato exercido um papel de liderança no partido. Seu texto de característica mais notadamente político “A Revolução Brasileira”(1966) é um grande balanço acerca das razões da derrota da esquerda no processo que culminou no golpe militar de 1964, além de reiteração de críticas a interpretações equivocadas da esquerda sobre a realidade brasileira e a questão agrária.

Aliás, seria justamente as diferenças quanto às análises da realidade e do nosso passado o ponto que colocaria o intelectual na marginalidade do partido.

“Apesar de reconhecer que ‘o regime de capitanias foi em princípio caracteristicamente feudal’, Caio Prado Jr. Nota que ‘este ensaio de feudalismo não vingou’, não deixando ‘traço algum de relevo na formação histórica do Brasil”.

“É inclusive esse questionamento do pretenso passado feudal do Brasil um dos fatores que mais contribuiu para o isolamento de Caio Prado no partido ao qual dedicou os melhores anos de sua vida: o PCB. Caio, em compensação, deu provas, assim, de independência intelectual, além de mostrar que, diferentemente da maior parte de nossos comunistas, possuía a rara capacidade de saber ir além das aparências, captando realmente o que foi a essência da Colônia brasileira” (P.150)

Esta essência diz respeito ao empreendimento comercial do qual a colônia é inteiramente dependente e que desde início se vê montado enquanto um ente do tipo comercial, diferentemente de um regime feudal que, na sua origem medieval, relaciona-se às relações de suserania e vassalagem, à relação de dependência jurídico-política pessoal perante o senhor feudal, que detém o controle jurídico, militar e mesmo espiritual de suas dependências e daqueles que para ele laboram.

As nossas capitanias hereditárias remetiam ao feudalismo mais sua origem jurídica do que na realidade cotidiana: o sentido geral da colonização permanecia sendo um empreendimento comercial a serviço da metrópole. Esta caracterização colocava Caio Prado Jr. numa posição distinta de historiadores renomados do PCB como Nelson Werneck Sodré e Leôncio Basbaum que reconheciam um passado feudal no Brasil.  

Esta é uma de outras discussões abertas “no texto” e no “contexto” da obra de Caio Prado Jr. – sendo o texto a discussão de suas próprias ideias e o contexto reflexões sobre o pensamento marxista na América Latina (de onde emergem especialmente as figuras de Caio Prado Jr. e do peruano J. C. Mariátegui) e o itinerário marxista no Brasil. No que tange o texto, tem-se em vista a preocupação do pensador paulista – bem como de muitos que o sucederam – quanto ao desenvolvimento do Brasil, qual seja, a sua conformação de Colônia em Nação.  Finalmente, a pesquisa encerra-se com uma reflexão sobre a atualidade do pensamento de Caio Prado Jr. – e aqui, infelizmente, diante da inconclusa consolidação de um projeto de desenvolvimento nacional – que seria em particular desenvolvido por Caio em sua revista Civilização Brasileira - permanece inteiramente em aberto num país onde não há reforma agrária, não há reforma urbana e persiste um nível de desigualdade social assombroso.



De um certa maneira, o sentido da colonização nos assombra desde os tempos coloniais, pois se a independência política deu ao país a autonomia formal ou diversas constituições, sua economia segue dependente e periférica dentro do sistema mundial. 

sábado, 1 de novembro de 2014

“Helena” – Machado de Assis


Resenha Livro #132 “Helena” – Machado de Assis – Ed. Ática



                Helena corresponde ao terceiro romance publicado por Machado de Assis figurando dentre as obras reconhecidas como parte do conjunto de sua primeira fase como escritor.
Como se sabe, a crítica literária é praticamente consensual em dividir o conjunto da obra de Machado de Assis (romances e contos) em dois grandes períodos: a primeira fase de juventude em que a sua prosa tende à escola romântica, ou mais especificamente, à terceira fase do romantismo, a qual delinearemos a seguir, e a segunda fase, que tem como ruptura o marco inovador de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, inaugurando a fase propriamente realista do autor.
                Tal divisão, na verdade, tem algo de arbitrário desde que os romances da fase romântica de Machado de Assis podem ser considerados na verdade como obras em que o processo que o configurariam como a mais perspicaz escritor realista quanto à capacidade de análise crítica dos costumes da sociedade fluminense do segundo reinado bem como de uma profunda análise psicológica, jamais vista até então na literatura brasileira, estas qualidades das obras maduras já se vislumbram de forma embrionária nos romances da 1ª fase.
Em “Helena” (1876), o leitor entra em contato efetivamente com a realidade de uma família que se vê abalada pelo desenlace de uma série de fatalidades que tem como ponto de partida a morte do Conselheiro Vale e o seu testamento reconhecendo e indicando uma filha até então desconhecida pelos seus familiares, que deveria a partir de então ser agregada à família como se fosse legítima irmã do filho Estácio e da irmã do Conselheiro, D. Úrsula.
A história de “Helena” remete tipicamente ao que hoje seriam as novelas da televisão mas que antigamente eram os romances escritos nos jornais e lidos igualmente pelo público feminino. Com a diferença de que já em “Helena”, ainda que não se vislumbra ora as sacadas filosóficas e todos os arranjos experimentais de um romance revolucionário que foi“Memórias Póstumas de Brás Cubas”, nem tão pouco se constata ainda os traços da escola realista, como uma aguda e profunda análise psicológica dos personagens, o esforço em desmascarar os “interesses” que estão por de trás das relações sociais – aqui, sendo um romance ainda com os pés dentro do romantismo, o amor ainda é reconhecido como elemento legítimo e não como um interesse associado a questões de ordem pecuniária, por ex.
O Romantismo no Brasil pode ser dividido em três fases – a primeira fase nacionalista da qual José de Alencar e seu“O Guarani” são uma expressão comumente lembrada. A segunda fase byronista da qual Álvares de Azevedo e seu “Lyra dos Vinte Anos” costuma ser mais comentado e finalmente a terceira fase que seria propriamente uma transição entre o romantismo e o realismo, da qual “Helena” é um típico exemplo, bem como todos os demais romances da fase jovem de Machado de Assis: “Ressurreição” (1872); “A Mão e a Luva” (1874) e “Iaiá Garcia” (1878). Trata-se de um período em que o idealismo romântico vai se convertendo em objetividade e falta de envolvimento sentimental, o que já se constata de uma certa forma no estilo da narrativa de Helena, feita em terceira pessoa.
Já na terceira fase do romantismo constata-se uma representação mais fiel da realidade com um esforço de se descrever os ambientes e uma narrativa mais minuciosa e detalhista das paisagens de forma a situar o leitor de forma mais objetiva onde se dão as cenas, o que mais uma vez remete à ideia de objetividade, em contraponto ao subjetivismo romântico.
Importante contextualizar que do ponto de vista histórico a escola realista e depois o naturalismo de fins do séc. XIX estão articulados com uma série de ideias em voga na Europa relacionadas ao determinismo social – segundo o qual o homem é fruto e depende de maneira incondicional de seu meio, para além de teorias racistas que justificariam a intervenção imperialista tardia dos estados europeus em África e Ásia – darwinismo social, determinismo, conceito de direito penal do autor a partir de Lombroso, positivismo. Era um tempo em que se podia falar em “apogeu da razão”, havendo por toda a parte defensores da ideia de que através da ciência, do conhecimento e da razão fosse possível promover o progresso sem qualquer impeditivos.
Do ponto de vista literário a terceira fase do romantismo, sua transição para o realismo correspondendo à era de expansão do capital em nível mundial. Dava conta de um momento de otimismo da burguesia que expressava a sua visão social de mundo em seus romances desde aqueles gêneros literários.

Machado de Assis que curiosamente foi neto de escravos, vendedor de doces e, numa rara exceção para o Brasil do 2º Império, ascendeu socialmente em vida, tornou-se reconhecido como grande escritor e foi fundador da Academia Brasileira de Letras. Apresenta na sua literatura documentos valiosos acerca da visão social de mundo da burguesia social nascente do Brasil. Mais do que o mero prazer de se desfrutar a arte, sua literatura é importante para se realmente conhecer e entrar em contato com fontes históricas preciosas, particularmente quanto à historia citadina fluminense do II Império.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

“O Pensamento de Mao Tsé Tung” – José Ricardo Carneiro Moderno (Org.)

Resenha Livro #131 “O Pensamento de Mao Tsé Tung” – José Ricardo Carneiro Moderno (Org.) – Ed. Paz e Terra



                A Revolução Chinesa possui uma peculiaridade histórica que a diferencia de muitas revoluções da história contemporânea: a sua longa duração. Enquanto a Revolução Russa perdura de fevereiro a outubro de 1917, decorrendo da caída do regime absolutista à tomada do poder pelos comunistas, a Revolução Chinesa correspondeu a uma longa luta que durou décadas, podendo ser dividida em diferentes momentos/fases.
                A primeira fase nacionalista corresponde à derrubada da dinastia Manchu e à proclamação da república em 1911. Neste momento, a ação revolucionária é dirigida pelo partido nacionalista Koumintang  e seu líder Sun Yan Set.
                A Revolução Russa de 1917 influenciou os chineses e estes fundaram o seu respectivo partido comunista, tendo como um de seus fundadores Mao Tse Tung.
                O período que vai de 1924 a 1927 é marcado pela cooperação entre o partido nacionalista e o partido comunista. Com a morte de Sun Yan Set ascende no partido nacionalista uma ala direitista representada pela figura de Chiang Kai-shek e em abril de 1927 o mesmo ordena o massacre de comunistas em Xangai e outras cidades com o intuito de conter a influência do PCC.  “O PCC dessa forma fazia guerra civil com a burguesia contra os senhores de guerra (1924-1927) ou contra os latifundiários e a burguesia compradora (1927-1936) com apoio da pequena burguesia urbana e do campesinato”. (p. 12 João Ricardo Moderno)
Diante do massacre de 300 comunistas e do rompimento entre os partidos, em agosto de 1927 forma-se o Exército Vermelho Chinês. O período entre 1936-1945 é marcado pela invasão japonesa – e os textos do volume são justamente deste momento. Trata-se de uma situação em que o PCC se unia a todas as classes contra o inimigo imperialista diante da guerra de resistência. Apenas com o fim da guerra imperialista ao término da Segunda Guerra Mundial pode-se vislumbrar a conclusão daquela longa revolução, com a etapa propriamente comunista em 1946-1949.
Após a derrota do Japão na II Guerra Mundial, Chiang Kai-shek, com o apoio bélico dos Estados Unidos, lançaram uma ofensiva contra os comunistas, reiniciando, então, o conflito armado. A luta perdurou de 1946 até outubro de 1949, com a vitória dos vermelhos, quando foi proclamada a República Popular da China.
“Sobre a Contradição” (agosto de 1937) e “Sobre a Prática” (Julho de 1937) foram apresentados na forma de conferências na Escola Militar e Política Anti-japonesa de Yenan. São basicamente duas palestras sobre filosofia marxista ou, nas palavras de Mao, marxista-leninista.
A contradição é a base filosófica da tradição marxista, em contraponto à escola metafísica.  

“A metafísica, ou o evolucionismo vulgar, considera todas as coisas do mundo como isoladas, em estado de repouso, unilateralmente. Uma tal concepção de mundo nos leva a olhar todas as coisas, todos os fenômenos do mundo, suas formas e categorias como isoladas eternamente umas das outras, sempre imutáveis”.
Já o ponto de vista reivindicado pelos marxistas, o da contradição, percebe as coisas e os fenômenos sempre eivados pelas suas contradições internas.  

“A universalidade ou o caráter absoluto da  contradição tem uma dupla significação: a primeira, é que as contradições existem no processo de desenvolvimento de toda coisa e de todo fenômeno; a segunda, que, no processo de desenvolvimento  de cada coisa, o movimento contraditório existe do início ao fim”.
Trata-se aqui portanto de duas perspectivas distintas de mundo. Desde o ponto de vista dialético, busca ver o mundo pelo prisma das suas relações processuais, que engendram contradições internas provocando uma dinâmica/movimento que deve ser estudada nunca desde um ponto de vista unilateral, mas sempre levando em consideração as antinomias, os opostos e mesmo aquilo que dá “identidade” aos opostos: por exemplo, para existir a vida, existe a morte, o belo, o feio, etc. Quando se trata de analisar a história e a sociedade tal ponto de vista terá como prioridade os conflitos sociais decorrentes da luta de classes.
O terceiro e último texto é “Intervenção aos Debates sobre Arte e Literatura”, em que Mao discute quais são as principais finalidades da literatura revolucionária, que para ele é a popularização das ideias e a elevação do nível das massas. Mao discute o caráter de classe dos autores, no caso para qual classe social e outros setores a arte deve estar voltada, no caso para o proletariado, os camponeses e soldados, e quais são os critérios para aferir a qualidade da arte: a intenção do artista e os resultados práticos de sua arte.
De forma geral, é possível observar uma simplicidade na forma de se comunicar por parte de Mao Tse Tung que não se confunde com superficialidade. O grande dirigente da revolução chinesa tem consciência de que sua intervenção deverá servir de guia para muitos líderes do partido eventualmente analfabetos, simples e rústicos e por isso consegue tratar de temas bastante complexos como filosofia marxista e crítica literária sempre de forma acessível.
O estudo de seu pensamento engrandece aqueles que buscam conhecimentos não só sobre o problema da revolução na China mas sobre a teoria marxista como um todo.  

domingo, 19 de outubro de 2014

“Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico” – Friedrich Engels


Resenha Livro #130 - “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico” – Friedrich Engels – Coleção Teoria – Editorial Estampa Lisboa




                “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico” corresponde a um folheto retirado de um livro maior, mais extenso, de F. Engels, grande parceiro intelectual e militante de Karl Marx, denominado “O Anti Dühring”.

Talvez muitos pensem que o socialismo, a concepção política do socialismo tenha surgido a partir das ideias políticas de Karl Marx e Engels, principalmente a partir do Manifesto Comunista de 1848. Na verdade, já a partir da revolução francesa foi-se desenvolvendo ideias de reformas sociais que assinalaram a concepção de socialismo, isso especialmente na França e na Alemanha.

                Dr. Eugen Dühring, esclarece Engels no prefácio da edição inglesa da brochura “Do Socialismo”, foi professor da Universidade de Berlin, “(que) anunciou de súbito e com bastante alarido a sua conversão ao socialismo e apresentou-se ao público alemão com uma teoria socialista minuciosamente elaborada, e um plano completo e prático para a reorganização da sociedade. Lançou-se, naturalmente, contra os seus predecessores, distinguiu em especial Marx, sobre quem derramou a sua cólera”.

                Ou seja, “O Anti-Dühring” é uma longa resposta ao polemista professor alemão, levando-se em consideração o próprio papel de Engels após a morte de Marx como divulgador de suas ideias bem como executando a tarefa de esclarecer distorções do pensamento marxiano.

Engels nestes três capítulos discute a evolução histórica do socialismo utópico ao socialismo científico no séc. XIX e desde já fica assinalado algo que remete a algo caro da teoria marxista, o materialismo histórico, o fato das ideias serem sempre uma projeção das condições materiais e nunca o contrário. Dito isso, o que se observa é que a o utopia dos socialistas como Saint-Simon e outros corresponde justamente ao não desenvolvimento completo das próprias contradições do capitalismo, dos antagonismos de classe, do desenvolvimento das forças produtiva - o socialismo utópico é reflexo de uma etapa ainda embrionária do desenvolvimento da classe operária bem como do próprio capitalismo. 

Os socialistas utópicos franceses sintomaticamente vivenciaram um período histórico de transição, onde a revolução industrial ainda não era uma realidade conclusa e desta maneira eles só podiam ver o fenômeno do capitalismo e sua evolução histórica parcialmente – logo a resposta/solução para os dilemas dos embrionários conflitos de classe também eram parciais. Os socialistas utópicos projetavam uma sociedade a partir de uma concepção individual.  Nascia ali o cooperativismo e havia experimentações que não logravam êxito.

De toda forma, esta correspondência dentre uma gradual evolução do pensamento socialista e o desenvolvimento do capitalismo também se refere, analisa Engels, à ascensão da burguesia como nova classe dominante: por isso seu ponto de partida da análise é a Revolução Francesa (1789) e de certa maneira o seu “fracasso” em equacionar a questão social, as visíveis contradições entre suas palavras de ordem igualitárias e a realidade dura dos primeiros centros industriais europeus de meados do XIX repleto de trabalho infantil e feminino, enormes exércitos de reservas, crises econômicas cíclicas, miséria e pobreza, provocou muitos a pensar e discutir soluções para a questão social.

Esta é basicamente a origem do socialismo, como dito, inicialmente numa linha utópica.   O termo utópico deriva dos marxistas, ou seja, é em Marx e por meio do marxismo que se chega à conclusão de que aqueles socialistas eram utópicos.(u + topos = não lugar, lugar que não existe).

É importante frisar que o utópico não diz respeito por exemplo à falta de pragmatismo e objetividade de um Robert Owen, em que aparentemente temos o exato oposto de um “utópico”, especialmente na primeira fase de seus experimentos. Os socialistas utópicos buscavam como Owen criar sociedades igualitárias modelos e havia toda uma engenharia social e técnica que deu especificamente a este industrial inglês num primeiro momento bastante credibilidade entre os capitalistas e até mesmo a nobreza inglesa. Diz, porém, Engels, “Contudo, a partir do momento em que (Owen) formulou suas teorias comunistas tudo mudou. Existiam três obstáculos, segundo Owen, que lhe impediam o caminho da reforma social: a propriedade privada, a religião e a forma atual do casamento. Não ignorava o que lhe estava reservado se os atacasse. Seria por todos expulso da sociedade oficial e perderia a sua posição social”.

Via de regra, os socialistas utópicos não falam em Revolução, mas pensam na implantação de uma sociedade igualitária de forma pacífica e gradual, sendo possível produzir experiências igualitárias de tipo laboratoriais como as fábricas de Owen. Estas de qualquer forma foram importantes na história como referência e forma de conquista de direitos trabalhistas na Inglaterra – Owen concedia educação plena aos filhos dos seus empregados e consta que nos períodos de crise era o único que mandava os empregados para casa e eles ainda continuavam recebendo salário.

 Será pois a partir da evolução das forças produtivas, do desenvolvimento e generalização da revolução industrial, do alargamento da classe proletárias e com ela o conflito entre as forças produtivas (trabalhadores e meios de produção) e o regime de produção (apropriação privada dos meios de produção, capitalismo) que engendrará as bases econômicas para o pensamento do socialismo científico. Neste momento evidencia-se por exemplo os antagonismos de classe e o sujeito revolucionário corporifica-se (enquanto, como vimos no socialismo utópico, existe uma colaboração de classes do tipo filantrópica como plano para redução das desigualdades). 

Karl Marx e Engels são os fundadores do socialismo científico, como se sabe. Encerraremos a resenha com uma passagem em que se expressa como o elemento científico está realmente presente, não só em palavras, mas enquanto projeto político, o que parece, neste tempos de hegemonia pós-moderna, algo perdido no marxismo.     

Ela representa já o que o socialismo científico busca, qual o seu escopo: uma organização não mais anárquica na produção e o fim da sociedade cingida em classes sociais.  É preciso resgatar esta bandeira que Engels apresenta, não como Utopia, mas como uma necessidade urgente, diante dos riscos que o capitalismo representa para o futuro.

“As forças ativas da sociedade, enquanto não as conhecemos e não as dominamos, atuam como as forças da natureza: de modo cego, violento e destruidor. Mas uma vez conhecidas, logo que se saiba compreender a sua ação, suas tendências e efeitos, está em nosso poder submetê-las cada vez mais à nossa vontade, e através delas, atingir os nossos fins. É o que ocorre, em especial, com as gigantescas forças modernas da produção. Enquanto houve resistência obstinada à compreensão do seu caráter – e a essa compreensão opõem-se tenazmente o modo de produção capitalista e os seus defensores – essas forças atuarão, apesar de tudo, contra nós, como expusemos minuciosamente. Mas uma vez apreendidas na sua natureza, essas forças converter-se-ão de senhoras demoníacas que eram, em servas submissas. É a mesma diferença que existe entre o poder maléfico da eletricidade nos relâmpagos e o pode benéfico da força elétrica dominada no telégrafo e no arco elétrico; a diferença entre o fogo destruidor e o fogo posto a serviço do homem. “ Friedrich Engels

Livro 2º    

                 

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

"Escritos de Marighella no PCB" - Milton Pinheiro e Muniz Ferreira (ORG)

"Escritos de Marighella no PCB” – Milton Pinheiro e Muniz Ferreira (ORG)
Resenha Livro #129 - “Escritos de Marighella no PCB” – Milton Pinheiro e Muniz Ferreira (ORG) – Coleção Biblioteca Comunista – Fundação Dinarco Reis

                Coube ao Partido Comunista Brasileiro, por meio da sua Fundação Dinarco Reis, lançar este conjunto de escritos políticos do militante comunista Carlos Marighella. Justa homenagem desde que o inimigo número um da ditadura militar dedicou boa parte de sua vida militante ao partido, ainda que seja mais frequentemente lembrado como dirigente da guerrilha urbana, após o rompimento com o PCB que, como se sabe, não optou por esta via tática durante a ditadura militar.
Carlos Marighella iniciou sua militância na juventude comunista quando estudante de engenharia na Bahia, Salvador, no ano de 1933 – na verdade, um ano antes já havia sido preso numa manifestação de rua contra a intervenção getulista na Bahia.

Os textos selecionados são praticamente todos do período em que esteve no PCB.

“Da  Assembleia Constituinte e O Partido Comunista” de 1946 discute a constituinte que deveria fazer uma nova constituição após o fim do estado novo com a consequente dissolução da carta constitucional fascista de 1934.  Fato pouco comentado nos livros de história é que os comunistas tiveram participação com deputados nesta assembleia constituintes, sendo Carlos Marighella um de seus representantes – o chefe da bancada foi Luiz Carlos Prestes.

Um dos textos mais preciosos desta coletânea corresponde justamente ao discurso pronunciado por Marighella em nome da bancada comunista em 04 de Junho de 1946 cujo título é “A Religião, o Estado, A Família”. Temos aqui uma oportunidade interessante de observar como os comunistas brasileiros de meados do séc. XX já defendiam bandeiras progressistas àquela época, diante de temáticas que ensejam até hoje perigosos retrocessos diante de bancadas parlamentares religiosas/conservadoras.

Os comunistas defendiam a separação entre Igreja e Estado apontando um dado curioso: a constituição de 1891 feita pelos militares republicanos fortemente influenciados pelo positivismo acabava sendo mais progressista que a carta constitucional de 1934. Isso se observa quanto à exigência do ensino leigo (1891) enquanto posteriormente passa-se a reconhecer o ensino religioso (1934) pelo estado. Ambiguidades semelhantes se observam quanto ao casamento civil e religioso. 

O que devemos destacar ademais é como os comunistas destrinchavam os assuntos não só do ponto de vista teórico (marxismo-leninismo), mas do ponto de vista jurídico, disputando desde a tribuna de debates da constituinte cada possibilidade/brecha legal possível. Até a bíblia foi citada no discurso!

Neste pronunciamento os comunistas defendem ainda o direito ao divórcio (sendo aqui discutida a evolução histórica da família), a liberdade de todos os credos religiosos e o ingresso da mulher na vida econômica (“É necessário pois colocarmos a mulher no verdadeiro papel digno que lhe compete não somente dentro da família mas também a fazendo participar da produção social”).

Da leitura dos textos de Marighella, pode-se extrair igualmente algumas linhas gerais da orientação tática e estratégica e algumas nuanças/mudanças tanto do PCB quanto do próprio Marighella entre meados dos 1940 com o fim do estado novo e 1966, com a Carta de Desligamento da Comissão Executiva do Partido Comunista Brasileiro.

De uma forma Geral, a política do PCB nos anos do governo Dutra é de combate àquele que ficou para história como um dos governos mais entreguistas e pró-imperialistas do país – talvez até mais do que os governos neoliberais de Fernando Henrique Cardoso.

Há de se lembrar que o período histórico em nível mundial é o do pós- II Guerra Mundial e a eleição de Dutra significa um alinhamento incondicional ao campo imperialista norte-americano em contraponto ao campo soviético dentro dos primórdios da Guerra Fria. Não é à toa que seria este mesmo governo que colocaria posteriormente o PCB na ilegalidade sob o pretexto de não ser um partido nacional mas uma legenda estrangeira soviética.

A orientação política principal do PCB é a luta anti-imperialista traçada contra o inimigo principal, os Estados Unidos e os seus prepostos aqui no Brasil. Tratava-se de uma luta pela paz e pela democracia contra a guerra e contra o imperialismo; contra o latifúndio sendo a todo momento por Marighella reiterada a necessidade de se organizar a aliança operário-camponesa; pela conformação de uma frente ampla, de massas que inicialmente as organize para lutar por suas reivindicações mais imediatas (“Comitês de Panela”, luta pela terra, esgoto, saúde, etc).

Ademais, a luta do PCB é uma luta de libertação nacional e por isso deve reunir os setores nacionalistas em campanhas contra a espoliação dos recursos naturais ou contra o envio de soldados brasileiros às guerras imperialistas (Coréia).

Posteriormente, com o golpe militar de 1964, Marighella em sua carta de desligamento da direção do partido observa diversos desvios importantes dentre os quais se destaca o reboquismo dos comunistas e do proletariado a uma burguesia vacilante representada por Goulart que não reagiria ao golpe de estado; à uma confiança equivocada no dispositivo militar diante de uma não compreensão marxista do que significa as forças armadas nos quadros do estado burguês; finalmente, ilusões de classe que levaram o partido a deformações importantes, como o apoio eleitoral à líderes burgueses como Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e (Pasmem!) o populista direitista Adhemar de Barros.

Estas auto críticas prenunciariam a ruptura de Marighella com o PCB (1966)– após sua viagem à Cuba que em 1959 assistira a uma revolução popular triunfar e ascendera os ânimos dos revolucionários por toda América Latina, Marighella defende a tática da luta armada contra a ditadura.

A tese da luta armada tinha a sua razão de ser e é explicitada na sua carta de desligamento: de fato uma luta pacífica aos moldes do pré-1964 como defendia o PCB não faria cair a ditadura militar pelo motivo evidente da participação direta do imperialismo da queda de Jango: os EUA que já atuavam no Vietnã e viam o Brasil como um aliado estratégico não permitiriam uma nova cuba no coração da América Latina de forma pacífica de forma que necessariamente a derrubada da ditadura se desenrolaria num conflito armado. Certamente, esta tese de Marighella estava correta: o problema estava na análise da co-relação de forças, não observando as peculiaridades do Brasil e buscando adequar a exitosa revolução cubana (que se dá numa Ilha numa conjuntura política em que os próprios EUA apoiavam a deposição de Batista num dado momento) com a situação brasileira - quando o imperialismo enviou navios de guerra para dar suporte militar para a queda de Goulart, contando com prévio dispositivo militar, treinamento de forças paramilitares de direita. etc.

Marighella foi morto em 4 de Novembro de 1969 pela repressão. Deve ser saudado sempre por todos os comunistas brasileiros não só por sua coragem e ação, mas também pela sua intervenção política, desde a tribuna como deputado, até como dirigente do PCB nas publicações do partido. Daí a importância dos “Escritos” publicados pela Biblioteca Comunista do Partido Comunista Brasileiro.
Livro 1º

sábado, 11 de outubro de 2014

“Casa de Pensão” – Aluísio de Azevedo

Resenha Livro # 128- “Casa de Pensão” – Aluísio de Azevedo – Editora Escala



“Casa de Pensão” foi livro publicado em 1884, correspondendo a um dos mais conhecidos romances do escritor naturalista Aluísio de Azevedo, junto a “O Mulato” (1881) e “O Cortiço” (1890).  O escritor maranhense, nascido em 1857, é provavelmente o mais importante expoente daquela escola literária no Brasil, que teve origem na frança a partir dos romances de E. Zola.
Basicamente, o naturalismo tem como ponto de partida as ideias cientificistas muito em voga na Europa e no Brasil em fins do séc. XIX. Na literatura estas ideias fazem contraponto ao subjetivismo da escola romântica e buscam sempre explicar a conduta das personagens a partir das orientações dos instintos, dos traços biológicos ou mesmos de caracteres raciais ou ambientais. Há nos romances de Aluízio de Azevedo o determinismo, que significa basicamente a ideia de que o homem não está capacitado a agir pelo livre arbítrio mas está sempre sujeito de forma incondicional às forças do meio, dos instintos sexuais e de impulsos de certa forma incontroláveis.
Há de se constatar que será justamente em fins do séc. XIX que uma série de acontecimentos históricos coincidem com esta projeção no âmbito da história das ideias.
O recrudescimento do imperialismo europeu e a partilha da Ásia e da África por países de unificação tardia como Alemanha e Itália em fins do XIX e início do XX (fenômenos que iriam posteriormente engendrar a 1ª Guerra Mundial) seriam ideologicamente justificados por teorias racistas, como as ideias de Spencer e seu darwinismo social. Enquanto o Darwinismo advoga a seleção natural e a sobrevivência da espécie mais forte, o Darwinismo social faz uma analogia com as “raças” apontando os brancos como os mais adaptados e assim como autorizados a dominar negros, asiáticos, etc. Aluísio de Azevedo não demonstra um racismo tão explícito, todavia, tal visão social de mundo racista está bastante presente em fins do séc. XIX e, vale destacar, é uma decorrência da ligação entre a biologia e ciências sociais.
Esta coincidência entre as ideias da ciência e da biologia e da vida social seriam também observadas de uma certa forma nos romances naturalistas, não necessariamente num viés escancaradamente racista, mas definitivamente caracterizada pela: (i) objetividade na descrição dos personagens; (ii) pelo determinismo, ou seja, pelo homem condicionado pelo meio e muitas vezes vítima de seu próprio instinto; (iii) pela temática da crítica social e dos costumes, o que já vinha sendo prenunciado pela 3ª fase do Romantismo (a 1ª fase trata do nacionalismo e do indianismo, e a 2ª fase refere-se ao byronismo e especificamente à temática amorosa).
No que se refere à linguagem ou à forma descritiva, Aluísio de Azevedo assimila um tom objetivo procurando repercutir de forma fiel os diálogos das personagens, incluindo as interjeições (“arres”, “ixes”, etc), remetendo a narrativa naturalista a uma fonte histórica preciosa para aqueles que desejam conhecer a sociedade, a cultura, o universo estudantil e boêmio do Rio de Janeiro de fins do séc. XIX. Em outras palavras, por se pautar pela objetividade, o romance naturalista tanto corresponde à peça literária quanto à uma fonte histórica, ainda que baseada em ficção.
A história da "Casa de Pensão" refere-se à história de Amâncio de Vasconscelos, maranhense, filho de comerciantes ricos, que vem à corte (Rio de Janeiro) estudar medicina e aqui, pela primeira vez, aos vinte anos, longe da disciplina familiar, viria a buscar pela primeira vez uma vida de liberdade. A sua expectativa na corte está muito longe de avançar nos seus estudos – esta é a última das preocupações de Amâncio, ainda que consiga com muito esforço ser aprovado no primeiro ano de curso. O jovem estudante vivera uma infância marcada pela rígido controle disciplinar e falta de afeto do pai, apenas compensado pelos cuidados da mãe.
Amâncio chegou ao Rio de Janeiro, provavelmente como muitos outros jovens, muito mais interessado nos bailes, nos passeios públicos, na boemia e especialmente nas formosas damas da corte. E assim a narrativa se desenvolve, com o estudante se instalando primeiro na casa do comerciante Campos, amigo de seu pai, o velho Vasconcelos, e posteriormente, na pensão de Coqueiros.
As aventuras e desaventuras amorosas de Amâncio e seu trágico fim ficam por conta do leitor. Por suposto esta resenha não detalhará o enredo da história para cativar a leitura de “Casa de Pensão”. Terá uma boa oportunidade de conhecer particularidades da sociedade carioca de fins do séc. XIX que passam despercebidas dos livros de história mais tradicionais por não se referirem aos denominados “grandes eventos” (fatos políticos) mas à história do cotidiano – o dia a dia na casa de pensão, os almoços e jantares familiares, os relacionamentos amorosos bem como as traições conjugais, as pandegas dos estudantes, os processos judiciais e suas repercussões nos pasquins e jornais populares, e um longo etc.