quinta-feira, 8 de março de 2012

Estudos Economia Política

TEXTO#1 – HENRIQUE CANARY – Jornal Opinião Socialista – Data ?




O artigo de Henrique Canary tem como foco apresentar de forma didática como as crises financeiras são o resultado da própria lógica interna do capitalismo. Em outras palavras, as crises "financeiras" (reportadas particularmente pelos meios de comunicação, como uma espécie de “catástrofe natural”, equivalendo a "raios" e "furacões") são, na verdade, parte da própria irracionalidade do sistema capitalista.

Alguns destaques da leitura do artigo:

- PIB é o meio de medição de riqueza segundo os critérios da burguesia. O PIB mede não a quantidade de dinheiro em circulação mas a quantidade de bens e serviços produzidos: nesse sentido, é “revelador” que a burguesia utilize desta informação.

- Necessário desmistificar a ideia de que a tecnologia substitua o trabalho: “o robô produz a máquina, mas quem produz o robô é o trabalho humano”. O trabalho humano é o ponto de partida para a criação do valor.

- O que tem maior valor, uma Ferrari ou um fusca? Intuitivamente dizemos que é a Ferrari, por causa do custo/preço da mercadoria. Mas a Ferrari tem mais valor por contar com maior quantidade de trabalho humano para ser produzida. O tempo aqui é o critério para aferir qual mercadoria tem “dentro de si” maior quantidade de trabalho.

- Com o desenvolvimento da tecnologia (ex. uma máquina que produz celulares de forma mais rápida), os trabalhadores que tem jornada de 8 horas por dia passam a produzir mais celulares. Mas não há um aumento correspondente na taxa de lucros do Patrão-Burguês. (Afinal, com a máquina, valor-trabalho do celular diminui desde que os operários fazem mais celulares em menor parcela de tempo. Lembrando que o tempo é o critério que aufere a quantidade de trabalho necessário para produzir a mercadoria).

- A super-produção, nesse sentido, passa a ser uma tendência inata do capitalismo. Os marxistas explicam as crises econômicas justamente por meio desta percepção. Com o excesso de produção, os capitalistas passam a investir menos, além de reduzir custos (por meio de demissões ou aumento do ritmo de trabalho) gerando descontentamento social.

- Outro ponto a ser destacado para se entender as crises é o deslocamento de investimentos do capital, da produção para o setor financeiro.

- Bolhas especulativas – meio apenas de postergar a crise e não de se prevenir das mesma de forma eficiente.

- Mecanismos a partir dos quais os capitalistas visam “remediar” os efeitos das crises econômicas

1- Fechamento das plantas menos lucrativas
2- Diminuição dos custos de produção, incluindo diminuição de salários e benefícios, eventualmente com a conivência de “direções sindicais traidores”.
3- Invasões e Guerras – como meio de redinamizar a economia. Faltou aprofundar mais este tema no artigo.
4- Grandes falências – eventualmente orquestradas? Não ficou claro.

- Estes mecanismos são chamados de “queima de capital”, lembrando-se que o capitalismo opera sob a lógica da destruição-reconstrução – ranço irracionalista do capitalismo. Esta lógica implica na ideia das “crises cíclicas do capital”. “Um sistema que se afoga em riqueza enquanto muitos estão na miséria” – esta frase ilustra bem o aspecto irracionalista das crises. O autor coloca o socialismo como a alternativa para esta irracionalidade. Desde que o texto aparenta ser.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

"A Revolução de Outubro" - Leon Trotsky

Resenha #40 A Revolução de Outubro – Ed. Iskra e Ed. Boitempo



Leon Trotsky foi, junto com Lênin, dirigente político da Revolução Russa de 1917. Foi da direção do Soviet de Petrogrado e chefe do exército vermelho durante a guerra civil. Chefiou a comissão que negociaria a paz com a Alemanha em separado, conclamando, concomitantemente à sublevação do proletariado dos países da Europa Ocidental, particularmente os envolvidos na Guerra que expressava a disputa imperialista. Após a morte de Lênin e com a ascensão de Stálin e Zinoviev, é derrotado politicamente, perseguido e exilado no Caucásio. Conseguiu exílio do governo Mexicano – lembrado em memória de seu neto como um governo que verdadeiramente acolheu o revolucionário. Foi morto por agente de Stálin, já após uma tentativa não exitosa de assassinato.

A publicação das editoras Iskra e Boitempo referem-se ao livro, já lançado no Brasil pela Global Editora, chamado “Como fizemos a Revolução”. Trata-se de um relato dinâmico e bastante objetivo dos principais eventos políticos e suas implicações na composição das forças sociais durante o ano de 1917 na Rússia.

Trotsky lança uma leitura panorâmica dos eventos, relaciona os posicionamentos políticos dos partidos políticos (bolcheviques, socialistas revolucionários de esquerda, socialistas revolucionários de direita, cadetes) com suas respectivas composições de classe e orientações das classes sociais frente à crise e o desenvolvimento da revolução. Assim, os eventos de fevereiro (queda do Czar – fase “democrática” da revolução) a outubro (tomada do poder pelos bolcheviques – fase “socialista” da revolução) são narrados de forma a indicar a forma como – nos momentos revolucionários – a dinâmica dos acontecimentos faz com que cada fato (greves, tomada dos órgãos de poder, moral das tropas do exército, a posição vacilante da pequena burguesia/burocratas/funcionários públicos, eleições nos soviets, etc.) ganha repercussões maiores do que em tempos de paz – é como se na revolução houvesse uma aceleração da história.

“Como fizemos a Revolução” é uma obra acessível e ao mesmo tempo muito valiosa quanto às análises. Numa conjuntura de crise de civilização, “Como Fizemos a Revolução” desperta-nos para a incômoda noção de que a humanidade não caminha inexoravelmente ao socialismo, sendo fundamental a organização política e a capacidade do movimento dos trabalhadores colocarem-se como força hegemônica rumo à transformação socialista.


Citação Final

"Notava-se porém que os representantes da democracia ainda que orgulhosos dos seus ímpetos revolucionários, desconfiavam das aptidões e do valor das massas que os haviam escolhido. Titulando-se socialistas e acreditamdo-se como tais na realidade conservavam a sua atitude respeitadora ante a autoridade política dos liberais burgueses cuja sabedoria e método acatavam. Por isso tentaram obter, a toda a força, o concurso dos liberais para formar com eles uma aliança ou coligação".

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Trotsky Hoje (Org. Ovaldo Coggiola) - Ed. Ensaio

Resenha Livro #39 Trotsky Hoje (Org. Osvaldo Coggiola). Ed. Ensaio



Após 61 anos de sua morte, Leon Trotsky ainda hoje é fonte de controvérsia, mesmo dentro da esquerda revolucionária. Dirigente do partido Bolchevique, líder do exército vermelho, participou ativamente das revoluções de fevereiro e outubro de 1917. Após a morte de Lênin, deparou-se com embates, não só frente à contra-revolução e os assédios do imperialismo diante da primeira experiência exitosa de uma revolução socialista no mundo. Deparou-se igualmente com graves embates com setores políticos dentro do movimento revolucionário. Viveu e morreu denunciando o processo de burocratização do poder político em URSS, que levaria à degeneração do projeto socialista em detrimento de um modelo político caracterizado por alguns como “estado operário degenerado” e por outros como “capitalismo de estado”.

O fato é que não é possível fazer uma crítica séria da experiência socialista no século XX desconsiderando Trotsky, seja no sentido de endossar suas teses, seja no sentido de negá-lo em bloco.

Como teórico, elaborou a idéia da “teoria da revolução permanente”, em contraponto à proposta stalinista da construção do socialismo em um país só. (A teoria da revolução em Trosky é “permanente” do ponto de vista vertical e horizontal: a revolução em Rússia passaria por “transcrescimento”, superando as tarefas democráticas das revoluções burguesas apontando para o socialismo (sentido vertical); a revolução em Rússia (e aqui Trotsky em nada se diferencia de Lênin) só seria vitoriosa com a repercussão e generalização de revoluções pelo mundo – o sentido "internacionalista" da revolução remete ao seu caráter também horizontal).

“Trotsky hoje” é uma coletânea de ensaios, feitos por ocasião do “Simpósio Internacional ‘Trotsky: passado e presendo do Socialismo”, evento realizado pelo departamento de História da USP em 1990. Destacam-se do texto, aliás, algumas projeções de debates dentro da esquerda então em voga naquele momento: o problema do desmoronamento da URSS, do fim do "socialismo real" e da crise do movimento socialista – crise que repercute e assombra a esquerda ainda nos dias de hoje.

Assim, os conferencistas abordam em particular as denúncias de Trotsky ao papel contra-revolucionário que o stalinismo jogou, particularmente no sentido de conter processos revolucionários no leste europeu e em China, articulando as críticas de Trostky aos problemas de então.

Outro ponto polêmico, abordado por alguns ensaístas e ainda hoje em aberto, refere-se ao significado histórico da derrocada do socialismo real – a “restauração capitalista” para alguns, sinalizaria um retrocesso, desde que, mesmo se admitindo os desvios do projeto socialista na URSS, tratar-se-ia ainda de uma experiência pós-capitalista. Salta a vista aqui a importância da análise/interpretação histórica do movimento socialista internacional já que cada perspectiva terá desdobramentos práticos bastante concretos, particularmente num momento de turbulência e confusão dentro da esquerda, como deve ter sido os anos de 1990.

Dentre os articulistas, destacamos o trabalho de Isabel Maria Loureiro, estudiosa de Rosa Luxemburgo e que busca encontrar pontos comuns entre o pensamento da revolucionária alemã e Trotsky. Para o revolucionário russo, os Sovietes correspondem à “organização-tipo” da revolução, enquanto Rosa igualmente destaca o caráter central da auto-organização espontânea das massas, apontando para uma relação entre socialismo e democracia. Outros artigos igualmente importantes foram escritos por intelectuais diferentes entre si como Jacob Gorender ( ex-PCB, aborda o caráter da revolução/golpe de estado na Rússia de 1917), Florestan Fernandes, Michel Löwy (que escreve um interessante ensaio sobre o aspecto da “fé” na revolução) e Esteban Volkov Trotsky (neto de Trotsky e autor de um informativo relato pessoal da vida familiar e íntima de seu avô, das relações entre seu grupo e o governo do México, da tentativa de assassinato e do dia em que o dirigente foi morto por agente de Stálin).

Citação Final


“Trotsky não pode ser compreendido como historiador ascético. Se muitas de suas análises e previsões se mostraram acertadas também para as gerações que puderam ver o desenrolar sucessivo dos acontecimentos, outras não o foram. Mas nenhum sentido teria um balanço de acertos e erros. Trotsky deve ser visto como era e quis ser até que a picareta de Ramón Mercader parou aquele cérebro destacado. Como procuramos destacar, deve ser compreendido como dirigente político revolucionário. Como homem de aão, que queria organizar e educar militantes para agir”.
(Tullo Vigevani – Trotsky: sua análise da segunda guerra mundial).

Não poderia ser melhor dito. Para além da lógica do "fla-flu", Trotsky deve ser visto a partir da sua contribuição teórica e prática confrontada com os movimentos (avanços e retrocessos) do socialismo no mundo – tema pelo qual dedicou sua vida. Isto significa agregar ideias ainda hoje atuais (como a teoria da revolução permanente), não desconsiderando o fato de Trotsky, como um homem de um determinado momento histórico, também estar eivado de contradições. Como todos nós.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

"O Evangelho Segundo São Matheus" - Pier Paolo Pasolini

Resenha Filme #3 “O Evangelho Segundo São Matheus”. Pier Paolo Pasolini





Certamente, o espectador do Evangelho Segundo São Matheus (1964) tem grandes chances de se surpreender, positivamente ou negativamente. Afinal, não se trata de um filme de religião tradicional: o relato da vida de Cristo conforme os textos originais da bíblia poderia simplesmente significar mais uma obra que vai no sentido de exaltar Jesus, reverenciar o cristianismo, fazer proselitismo religioso, etc. O curioso é que, mesmo se valendo exclusivamente de citações do evangelho, o filme interessa menos por suas eventuais implicações religiosas e mais por suas possibilidades políticas, além de sua rara beleza plástica.

Um filme diferenciado acerca da religião não poderia deixar de ser o fruto de um cineasta que em nada parece ter afinidade com o tema que filma. Pasolini (1922-1975) foi homossexual assumido em vida, além de filiado ao Partido Comunista Italiano. Além de diretor de cinema, foi poeta, novelista e professor de literatura. Sua morte trágica em 1975, decorrente de assassinato por meio de atropelamento de carro doloso, até hoje é cercada de mistérios. Foi, finalmente, autor de outras películas importantes: Accatone! (1961, que aborda aspectos da vida do povo italiano, por meio de um herói oportunista que remete ao malandro brasileiro); Teorema (1968, baseado em novela do autor); adaptações no cinema de Medeia (1969) e Decameron (1971); entre outros.

O realismo poético

O Evangelho é todo estruturado de forma a fazer com que nenhuma fala dos personagens escape das passagens textuais da Bíblia. A combinação entre imagens em movimento e os enunciados/aforismos/revelações da Bíblia assumem, no filme, um tom poético: é como se as falas de cristo fossem metáforas que vão se combinando com a história narrada em imagens. Os textos originais nem sempre são ou podem ser percebidos como poesia. Mas a combinação entre as palavras e imagens com forte conteúdo semântico dão expressividade ao ponto de revelar as intencionalidades do diretor.

Assim, Jesus, ao contemplar a ostentação e riqueza desproporcional (fortemente ressaltadas por meio de destaques da câmera nas roupas e na postura de sacerdotes e da aristocracia como se o olhar do espectador fosse o olhar de Jesus) faz menção à ideia de ser mais fácil um camelo passar pela cabeça de uma agulha do que um rico atravessar o reino do céu. A combinação do texto oficial com toda a intencionalidade política das imagens (particularmente a crítica à Igreja, à ostentação das classes abastadas, do ceticismo dos ricos, etc.) tem como resultado um filme de rara beleza estética, que consegue conciliar o realismo do texto com imagens que dão expressividade e sentidos mais amplos a tudo que é falado. Tratar-se-ia, aqui, de uma espécie de realismo poético, ou seja, da possibilidade de tratar de temas religiosos de maneira a convertê-los em obra de arte, em fonte de beleza.

O realismo e a Política

Consta que a escolha dos atores do “Evangelho” foi feita sem participação de qualquer ator profissional. Assim, a personagem principal, um cristo sóbrio, de expressão não sem alguma melancolia, foi interpretada pelo caminhoneiro espanhol Enrique Irazoqui. Muito provavelmente, a escolha dos atores decorre especialmente de suas aparências físicas, da possibilidade de se expressarem visualmente conforme as intenções do diretor. Percebe-se que o filme tira proveito do silêncio, de maneira que as imagens aparecem, certas vezes, como uma sucessão de quadros ou mesmo de fotografias. Mais do que atores, em o “Evangelho” percebemos modelos que, sob a direção de Pasolini, aparecem no filme tal qual pessoas comuns de um documentário. Algumas passagens do filme em que a mãe de Jesus (interpretada pela mãe de Pasolini) assiste às cenas de crucificação têm tamanha carga de expressividade que substituem por completo as palavras.

O realismo de Pasolini diz igualmente respeito à fotografia em preto e branco, aos destaques às expressões faciais sem embelezamentos (mais uma vez, a escolha de não atores para os papeis também reforça o realismo) e a exposição de cenas chocantes e fiéis à violência que perpassa a trajetória de cristo.

Uma implicação importante do realismo em o Evangelho é a percepção de que os fatos narrados transcendem em muito a religião. Ao confrontar os magistrados de então acerca da morte de João Batista, Jesus aparece no filme como uma referência de setores populares que o acompanham, despertando já então os receios da classe dominante. As cenas igualmente realistas e chocantes de soldados assassinando os bebês retirados à força de suas mães igualmente vai além de discussões de tipo teológico, expressando desde já a velha violência oficial.

O fato é que o Evangelho, por ter sido filmado por alguém como Pasolini, é igualmente uma obra política que destaca – sem subterfúgios e por meio de uma linguagem realista e poética – aspectos dos conflitos de classe que perpassam o evangelho. Assim, mais do que implicações práticas dos enunciados religiosos, interessa notar a forma como os enunciados são igualmente o resultado de conflitos sociais entre pobres e ricos, classe dominante e classa dominada.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

"O Jovem Marx" - Celso Frederico

Resenha Livro #38 “O Jovem Marx” – Celso Frederico – Ed. Expressão Popular




A Editora Expressão Popular cumpre o importante papel de disseminar, por meio de livros baratos, publicações teóricas que viabilizam maior conhecimentos teóricos e oferecem relatos históricos das lutas sociais para a militância de esquerda no país.

Trabalhadores, estudantes e ativistas têm acesso não só a livros do marxismo clássico (Marx, Engels, Rosa, Lenin, Tróstsky, etc.), mas à produção intelectual de marxistas brasileiros, eventualmente esquecidos e/ou apenas discutidos no meio universitário. A opção por divulgar obras de Leandro Konder, Florestan Fernandes, Carlos Nelson Coutinho e Celso Frederico (autor de “O Jovem Marx”) é importante não só por contribuir para a difusão e reconhecimento do marxismo no Brasil, como também para incentivar novos trabalhos, novas pesquisas e novas interpretações sobre o legado do marxismo de maneira geral e, particularmente, a história das ideias marxistas do Brasil. (Tarefa encampada, entre outros, por Leandro Konder em seu “Derrota da Dialética”, também lançado pela editora).

Feito esta exposição inicial, caberia aqui uma pequena crítica ao livro publicado pela Expressão Popular: faltaram informações sobre autor e contexto em que o livro foi escrito para os menos familiarizados com a produção teórica marxista nacional. A possibilidade de associar o estudo das obras do jovem Marx com os anseios de toda uma geração de marxistas não dependentes da ortodoxia oficial do marxismo, as influências teóricas dos autores e o momento histórico em que o ensaio foi escrito criariam melhores condições para os leitores entenderem não só a orientação política e metodológica de Celso Frederico e demais, mas mesmo contribuir para a tarefa da reconstituição da história do marxismo no Brasil. Ou seja, perceber melhor as principais preocupações dos autores marxistas brasileiros ao longo do séc. XX, como eles dialogam entre si, as diferenças entre eles, etc.

“O Jovem Marx”

Celso Frederico é formado, pós-graduado e professor de Sociologia USP. Segundo informações do Currículo Lattes extraídas da internet, o professor trabalha temas da formação da consciência política e a consciência operária no Brasil. Tem trabalhos publicados sobre estética e o autor marxista húngaro G. Lukács.

Em “O Jovem Marx”, o autor investiga as ideias do filósofo alemão em sua juventude: para tanto, faz uma análise direta de textos originais, confrontando-os com os interlocutores de Marx naquele período histórico, além da própria evolução do pensamento filósofo frente aos acontecimentos mais importantes do séc. XIX e a vida pessoal de Karl Marx. Assim, àqueles que desejam melhor entender as ideias de Marx, torna-se necessário em primeiro lugar saber localizar os momentos em que cada obra foram escritos e em que ponto, em qual estágio se encontra o pensamento de Marx naquela conjuntura.

O jovem Marx é comumente associado ao grupo de jovens hegelianos de esquerda do qual fizeram parte Bruno Bauer (com quem Marx trava polêmica em “Questão Judaica”) e Ludwig Feuerbach (a quem Marx durante a juventude mantém admiração). E é a partir do que Frederico chama de “dissolução do Hegelianismo” , encampada pelos próprios Jovens hegelianos, que se localiza o ponto de partida da evolução intelectual de Marx.

As críticas à noção de Estado em Hegel (corroborando para a defesa da Monarquia e a consolidação da burocracia estatal) e a noção de uma dialética marcada por mediações de tipo conciliatório são opostas pelo Jovem Marx à exigência da confrontação dos esquemas teóricos com a realidade – preocupação que deriva da influencia empirista de Feuerbach.

Igualmente, a alienação e a crítica à religião são, gradualmente, transferidas do plano das ideias e da cultura para somar-se à atividade humana, à propriedade privada e ao trabalho estranhado. (E posteriormente, às relações de produção...).

Em outras palavras, Marx partindo da crítica da religião feita por Feuerbach, passa a discutir criticamente a sociedade civil (“Questão Judaica”, “Manuscritos de K.”), a propriedade, o trabalho e a atividade econômica (“Crítica da Filosofia de Direito de Hegel” e “Manuscritos Econômico-Filosóficos”,).

A dissolução do hegelianismo, sob outra perspectiva, sinaliza um momento histórico: momento em que as ideias de Hegel (correspondentes às ideias liberais burguesas do séc. XIX) abandonam seu caráter revolucionário para assumir um caráter conservador. Ou seja, a oposição já existente entre teses de Hegel e seus jovens críticos expressam num nível filosófico embates que colocariam em campos opostos o pensamento liberal e o pensamento socialista (marxista) num momento posterior. Daí a atualidade da afirmação do revolucionário russo V. Lênin: “é impossível entender Marx sem entender Hegel”.

Implicações do Jovem Marx na maturidade

Cumpre ressaltar que no período estudado, Marx ainda não havia lançado sua grande obra de maturidade, o Capital (1867). Mesmo o famoso Manifesto do Partido Comunista só foi escrito em 1848, não sendo analisado no ensaio. O autor concentra-se nos estudos de obras em que Marx, ainda ligado à tradição dos jovens hegelianos, trata de assuntos gerais e pontuais de filosofia e política (em geral artigos de jornais e polêmicas), eventualmente sem o uso de termos posteriormente utilizados, como “ideologia” e “práxis”.

Não é possível entender Marx sem levar em consideração as principais influências teóricas que marcaram sua juventude: e é no Jovem Marx que vemos a forma como, intervindo ativamente em discussões por meio de artigos de jornais e publicações, Marx vai gradualmente invertendo a dialética hegeliana, recolocar as tensões e os conflitos sistêmicos dentro de um projeto de transformação societário possível e concreto. A atenção ao que vai além dos enunciados lógico-formais em Marx expressaria em alguma medida inquietações decorrentes da aproximação do autor com o movimento operário em França, além das revoluções por que passa a Europa e a própria emergência do movimento operário. Igualmente, a análise da Economia Política, a centralidade das relações de produção e a descoberta da Mais Valia também são resultado das leituras e da experiência de vida de Marx.

Citação Final

Nesta resenha, buscamos destacar a forma como o pensamento de Marx não pode ser entendido como um todo homogêneo, mas como um processo que expressa, por um lado, as discussões filosóficas e embates do qual o Jovem Marx toma parte, e por outro lado, as próprias circunstâncias históricas e da vida de Marx. Destacamos também que a evolução do pensamento de Marx tem como ponto de partida o grupo dos jovens hegelianos de esquerda, particularmente preocupados com os problemas da ligação entre os enunciados teóricos de Hegel e a situação experimentada pelos homens em sua interação com os outros e com a natureza. Para fazer avançar o movimento socialista no âmbito da batalha das ideias, os textos de Marx na juventude contribuem para melhor entender o marxismo como um todo sem dogmatismo, ou seja, considerando o pensamento de Marx como um processo vivo e dinâmico, que deve igualmente ser analisado historica e criticamente.



"De 1843 a 1844, o fio vermelho da teoria revolucionária de Marx deslocou-se de uma posição basicamente feuerbachiana para um novo patamar, no qual as influências conflitantes de Feuerbach e Hegel coexistem ao lado da nova problemática aberta pelo contato com a Economia Política – a chave da anatomia da sociedade civil, apenas entrevista pelo jovem crítico. Em meio às rápidas mudanças em tão curto espaço de tempo, a teoria crítica do Marx jovem-hegeliano transformou-se numa ontologia materialista incipiente que orientou os posteriores estudos de Economia Política. O materialismo de Feuerbach e a dialética de Hegel passam por uma simbiose crítica, por um processo de síntese original, para servir de fundamento orientador às pesquisas marxianas".

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

"Em torno de Marx" - Leandro Konder

Resenha livro #37 “Em torno de Marx” – Leandro Konder. Ed. Boitempo.




Leandro Konder nasceu em 1935, formou-se em Direito em 1958 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e foi advogado trabalhista. Com o golpe militar de 1964, foi preso, torturado e exilou-se em 1972, na Alemanha e depois na França. É professor da PUC-RJ e um dos principais intelectuais marxistas do país: junto a Carlos Nelson Coutinho, contribuiu para divulgar as ideias do filósofo húngaro Gyorge Lukács no Brasil.

Tem particular importância seus estudos sobre a recepção das ideias marxistas no Brasil: a obra “A Derrota da Dialética” expõe as dificuldades que houveram na interpretação e generalização dos textos de Marx no Brasil, seja a partir de dificuldades técnicas de tradução, seja pelo pouco acesso a textos (alguns inéditos no Brasil) e seja pela forte presença do pensamento positivista, influência pela qual o marxismo Brasileiro não é imune (Konder chama atenção para o fato de as ideias marxistas terem encontrado melhor terreno na Argentina, já na passagem do séc. XIX para o XX, por meio de Juan Bautista Justo (1865-1965), tradutor pioneiro do primeiro volume do Capital para o Espanhol).

“Em torno de Marx” trata de algumas premissas básicas do marxismo (sua relação com moral, com a religião, a questão da dialética, etc.) para, depois, discutir como as ideias do filósofo alemão tomaram corpo ao longo do séc. XX. A partir da parte II, há uma coletânea de ensaios sobre alguns autores importantes ligados ao marxismo ocidental, como Theodor Adorno e Walter Benjamin. Os autores são apresentados em capítulos curtos e sintéticos, oferecendo ao leitor uma visão panorâmica das principais ideias e obras aqueles que estão “em torno de Marx”.

A escolha por relatar e discutir os legados de Lukács, Gramsci, Sartre, além dos autores da chamada escola de Frankfurt sinaliza uma certa perspectiva sobre o marxismo, presente em todas as demais obras de Leandro Konder.

O marxismo em Konder reivindica a dialética e procura se afastar da chamada “linha-justa”, de orientações metodológicos mecanicistas e ortodoxas. Mesmo o texto do ensaísta carioca flui de forma diferente de manuais ou abordagens dogmáticas e formalistas do marxismo. Os autores analisados possuem particularidades próprias e cada um é apresentado de forma analítica e histórica, buscando relacionar como suas vidas dialogam com suas ideias políticas, como a teoria e a prática política de cada autor se manifestam em torno de uma práxis particular: Lukács, por exemplo, foi um homem de partido, o que, somado aos seus densos estudos teóricos, criou dificuldades pessoais, exercícios reiterados de “auto-críticas”, além de variações em sua linha de pensamento. Já Adorno foi diretor do Instituto de Pesquisa Social ligado à Universidade de Frankfurt: quando o mesmo instituto foi ocupado por estudantes em meio às turbulências do maio de 1968, Adorno solicitou a presença policial para a retirada dos estudantes e foi duramente criticado por Marcuse.

Igualmente, as práticas políticas (analisadas a partir de dados biográficos, correspondências, relatos, etc.) e as ideias teóricas formam um todo a partir do qual é possível lançar luz sobre os demais autores ligados à tradição marxista, levando em consideração as potencialidades das obras, mas igualmente aspectos contraditórios e zonas indefinidas de cada contribuição: uma perspectiva crítica que não faze das ideias dogmas.

“Em torno de Marx”, oferece ainda um capítulo sobre o Marxismo no Brasil e um estudo bastante interessante tratando como a direita, já em fins do séc. XIX, toma partido e denuncia as ideias marxistas: muito provavelmente sem a leitura dos originais, conforme se observa por artigos e livros de padres e bacharéis da elite acerca do “marxismo”, “comunismo” e “bolchevismo russo”. A contribuição de Konder, neste ensaio, é a de oferecer, sempre de forma acessível, elementos gerais para a compreensão de Marx e a forma como o marxismo influenciou e influencia a história das ideias.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

"Lênin e a Revolução Russa" - Christopher Hill

Resenha Livro #36 “Lênin e a Revolução Russa” – Christopher Hill – Ed. Zahar




Como se sabe, Lênin foi um dos dirigentes da Revolução Russa, membro da direção do Partido Operário Social Democrata Russo (fundado em 1898) e, após a cisão ocorrida no seu segundo congresso em 1903, articulador/criador do Partido Bolchevique (Partido da “maioria”).

Os Bolcheviques defendiam, por meio da publicação Iskra (“faísca” em russo), a via revolucionária e a ditadura do proletariado com participação camponesa, enquanto os Mencheviques (“minoria” em russo) atuavam pela aliança com setores da burguesia e pelo desenvolvimento do capitalismo em Rússia, etapa necessária para o desencadear da revolução.

Na verdade, a Rússia, desde o final do séc. XIX, já fora palco de conflitos sociais e políticos de toda a sorte: já antes do século XX há ações de grupos terroristas como Rabocheye Dielo ou a agitação política feita pelo grupo revolucionário e camponês dos narodniks. Grupos políticos tensionavam as relações sociais e produtivas do campo. Nas cidades, a industrialização incipiente e em condições desfavoráveis ao trabalhador ampliavam o descontentamento social e favoreciam a disseminação do marxismo. O pensamento e a cultura da Rússia de fins do séc. XIX envolve desde setores apoiados nas relações feudais do campo, nas ideias da igreja católica ortodoxa e na defesa do czarismo e da tradição russa, até liberais e socialistas moderados e grupos revolucionário.

O irmão mais velho de Lênin participou do grupo Pervomartovtsi, tendo participado de tentativa assassinar o Czar. Foi condenado à morte em 1887, fato que impressionara e faria parte do pensamento político de Lênin. Referencias a romances de Tolstoi (feitas por Christopher Hill) e mesmo outros escritores como Dostoievsky e Tchekhov sinalizam o universo cultural da Rússia, a mística camponesa que envolve a cultura russa (camponeses que teriam participação decisiva na revolução) e as influencias de ideias liberais, socialistas revolucionárias e populistas. É sobre estas condições gerais que se desenvolve o pensamento político de Lênin.

Indivíduos e a História

O objetivo do ensaio de Christopher Hill (publicado em 1947 na Inglaterra e em meados dos anos 1960 no Brasil) não é o de fazer uma biografia de Lênin, nem o de relatar como se deu a Revolução Russa em suas diversas fases, desde os conflitos de 1905, passando por fevereiro e outubro de 1917. O livro de Hill pretende analisar e descrever a forma como as ideias de Lênin evoluem conforme os acontecimentos na Rússia e, por outro lado, a forma como os acontecimentos na Rússia (dentre diversas determinações causais) são influenciados pelas ideias políticas do líder revolucionário. Da relação dialética entre o indivíduo e a história, o autor enseja algumas discussões importantes, particularmente o papel do indivíduo na história, a relação entre direção política e revoluções, além da própria forma como o pensamento político de Lênin não pode ser entendido como um conjunto monolítico e linear de ideias, mas como uma evolução que mantém relações diretas com acontecimentos dos quais não é um expectador, mas alguém que atua, intervem, etc.

Não temos muitas informações sobre autor do livro. Numa rápida busca pela internet, há menção no Wikipédia de que o autor é um historiador britânico marxista cujas posições estão ligadas a outros autores como Eric Hobsbawm (cujo provável livro mais conhecido no país é “A Era dos Extremos”) e Thompson (responsável pelo importante estudo “A Formação da Classe Operária Inglesa”).

Crise Política e a Revolução.

Como se sabe, a Rússia, antes da Revolução, era um país predominantemente agrário, em incipiente processo de industrialização. No país estava vigente o regime feudal e no âmbito político o czarismo apresenta, desde fins do séc. XIX, sinais de degeneração.

Christopher Hill chama atenção para a figura sinistra e bizarra de Rasputim (uma espécie de guru intelectual da czarina Alexandra) como forma de ilustrar as origens de um descontentamento massivo que iria impulsionar a revolução: “Rasputin era notoriamente depravado, visivelmente corrupto, e ao menos provavelmente manobrado pelos agentes alemães. Não obstante, através da czarina, achava meios para fazer seus amigos bispos e arcebispos, e até para canonizar um santo inteiramente novo; por fim, era praticamente quem ditava a formação dos quadros do governo, influindo assim diretamente nos rumos da política e da guerra”.

Destaca-se, portanto, o ambiente de descontentamento político generalizado, ampliado pelo fiasco da guerra entre a Rússia e Japão (1904-1905), durante a qual uma rebelião de marinheiros do couraçado Potemkin já sinalizaria uma situação de revolta.

As enormes baixas da Rússia ao longo da I Guerra Mundial e o despertar da revolução durante o conflito revelam a força das ideias revolucionárias sobrepostas ao chauvinismo da guerra. São válidas as menções feitas por Hill às condições subjetivas e objetivas pelas quais a Rússia passou naqueles anos, de forma a melhor compreender como um país atrasado economicamente foi palco da primeira revolução socialista da história, levando-se em consideração particularmente as dimensões territoriais e as condições adversas daquela luta: cerco do imperialismo, guerra em nível mundial e guerra civil articulada por agentes estrangeiros e a elite econômica local.

Lênin afirmava que, frente às contradições explosivas colocadas na Rússia antes de 1917, seria, naquele país, mais fácil do que na Europa ocidental iniciar a revolução. Entretanto, as mesmas contradições e o atraso econômico do país corroborariam para tornar mais difícil a construção do socialismo na Rússia de forma isolada. Havia, então, a expectativa de que a revolução se generalizasse pela Europa e tomasse um sentido mundial.

Revoluções

O ensaio de Christopher Hill supera obras de biografia que eventualmente lançam excessiva importância aos indivíduos em detrimento do movimento de massas, da situação econômica, social e política de cada conjuntura, etc. Um indivíduo projeta-se na história também por sua liderança dentro de uma luta concreta, mas sua intervenção individual não substitui as reais condições subjetivas/organizativas e objetivas de cada realidade.

Seja como for, a leitura do ensaio ainda nos é útil para compreender o que são conjunturas revolucionárias: num momento de crise estrutural do capitalismo, a saída revolucionária, mesmo reiteradamente deslegitimada pela ideologia dominante, é não só atual mas necessária.