segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O Mundo do Socialismo - Caio Prado Jr.



Resenha Livro #6 - Caio Prado Júniro - O Mundo do Socialismo Ed. Brasiliense


Entre a Utopia e a História

O Mundo do Socialismo é obra pouco comentada e debatida do autor de Formação do Brasil Contemporâneo (1943) e História Econômica do Brasil (1945). O Ensaio foi lançado em 1962 e corresponde a uma síntese da experiência de Caio Prado Júnior em viagem de dois anos pela URSS e China Popular. Uma razão para o ostracismo do livro pode ser o seu relativo perecimento frente aos acontecimentos que, a partir do final dos anos 60, foram sinalizando de maneira mais evidente contradições do mundo do socialismo: o autoritarismo político viabilizado pela não ocorrência plena da socialização produtiva; o processo de burocratização; a restauração gradual do capitalismo de mercado – Glasnost e Perestroika (1985) e colapso formal da URRS (1991).

Identificamos em algumas passagens certa previsão de futuro (implícita em todo livro) que não se concretizou: a generalização do socialismo em nível mundial. Assim, os países do mundo socialista vão sendo apresentados como parte de uma marcha histórica inevitável pós-capitalista.

Um leitor apressado poderia desde já ir descartando as teses de Caio Prado ao não levar em consideração o universo de escolhas e informações daquele escritor naquele momento da história. E mais: as previsões partem da convicção de um intelectual e ativista marxista num contexto de batalha de ideias (Guerra Fria) e dentro de um momento em que ainda há, o âmbito de expressiva parcela do movimento socialista internacional, a percepção de que o que se passava na URSS sinalizava de fato um futuro pós-capitalista, a construção de um novo mundo, sob novas bases econômicas, políticas e culturais.

Pois é dentro deste quadro de enfrentamento e disputa de ideias que a obra pode ser interpretada e resgatada para atualidade. O Mundo do Socialismo é diferente de um memorial de viagens. A intenção do autor – já sinalizada logo no início do prefácio – é descrever de forma panorâmica como os países do mundo socialista vão encontrando soluções concretas para os problemas da liberdade, da igualdade social, da democracia e da marcha ao comunismo. Para isto, Caio Prado Jr. vai se servindo daquilo que vê para, de maneira comparativa, estabelecer em que aspectos o socialismo vai encaminhando uma nova sociedade em contraponto ao capitalismo.

A tônica anticapitalista do ensaio tem bastante atualidade: o significado do direito, estado e liberdade no âmbito do capitalismo são desconstruídos, assim como as teses (também atuais) que procuram isolar a alternativa socialista: sua "ineficácia prática", seu lado supostamente contrário à “natureza humana”, seu aspecto "autoritário", etc. No que se refere às experiências do socialismo, a sua defesa teórica perpassa a obra e vai além da experiência soviética: o objetivo não é o do julgamento histórica daquela experiência, mas de uma proposta de interpretação do mundo do socialismo, sem qualquer ilusão de neutralidade e levando em consideração prática políticas testemunhadas pelo autor.

Liberdade e Igualdade

A liberdade e igualdade no capitalismo surgem como uma peça de ficção e, através da confrontação da liberdade e igualdade praticadas no mundo do socialismo, Caio Prado Jr. vai dialogando e debatendo com os argumentos anti-soviéticos. No capitalismo, a liberdade é formal e se conforma no sentido de viabilizar a livre negociação de compra e venda da força de trabalho. A liberdade é individual e se encerra na liberdade alheia: ocorre que, numa sociedade desigual e dividida entre patrões e trabalhadores, a liberdade de cada um vai variar de acordo com a situação do indivíduo frente aos meios de produção. De modo análogo, a igualdade também é, no capitalismo, apenas formal, incide sobre uma personalidade abstrata e não vinculada às condições concretas da vida.

As saídas para o problema da liberdade e da igualdade no mundo do socialismo partem da diferenciação teórica dos dois modos de produção: a propriedade dos meios de produção. A socialização implica em um novo tipo de liberdade, em que os indivíduos deixam de se confrontar uns aos outros, para (a liberdade) se afirmar pela vontade geral: é condição para a plena liberdade a ocorrência da igualdade e o interesse coletivo vai sendo confundido com os interesses individuais conforme se processam a socialização da economia e da política, mudança de valores e culturas, etc. Finalmente, o trabalho assume um papel central na consolidação da nova sociedade igualitária: perde seu aspecto de mercadoria e assume um caráter ético, é destinado a interesses da coletividade da qual cada indivíduo participa e aufere todas vantagens da vida.

Evidentemente, Caio Prado Jr. não funda teorias da liberdade e igualdade no livro. O resgate destes temas pelo autor, de maneira didática, pareceu-nos ser um dos pontos altos do livro. A reconstrução de utopias e novos tipos de sociedade parte deste confronto de idéias, que não só vai desideologizando as premissas do capitalismo, como sinalizando, ainda que parcialmente e de forma limitada às condições históricas, a forma como se daria o socialismo e a utopia comunista. Trata-se de uma tarefa central na luta contra-hegemônica atual: a reconstrução do sonho de sociedades pós-capitalistas que superem tudo o que aparenta ser "naturalizado" e sem história.

Contrapartida

Evidentemente, uma análise mais detalhada de um Mundo do Socialismo não pode furtar-se a uma crítica radical do stalinismo e do ocultamento pelo autor (não sabemos se consciente ou não e em que medida) de contradições referentes às perseguições políticas dentro do campo socialista, ao personalismo político, ao problema da heterogestão dos meios de produção, ao fortalecimento e centralização do aparato estatal em detrimento do poder local (tese não reconhecida pelo autor, que, pelo contrário, vê sinais do definhamento estatal), etc. Esta dupla dimensão - da utopia socialista em sentido mais geral e da história da revolução russa, com todas as contradições que escapam ao juízo de Caio Prado Jr. – é inevitável quando se lê textos de personagens engajados na história. Procuramos aqui apenas propor a leitura da obra chamando atenção para aquilo que ela tem de atual e sinalizando um justo acerto de contas não só com o Mundo Do Socialismo mas com todo o pensamento caio pradiano.

Sínteses

Caio Prado Jr. escreve seu livro na condição de um viajante que procura enfrentar a mistificação promovida pela direita em torno do mundo do. Talvez, o fato do olhar partir de um viajante, alguém exterior àquele processo, possa ter contribuído para o que se pode chamar de “erros da análise”, “excesso de otimismo”, “ingenuidade”, etc. Ainda, a firmeza com que defende a experiência daquele processo e a forma como procura debater direta e francamente com os adversários do socialismo – a narrativa remete mesmo a uma peça de argumentação de um advogado de defesa do socialismo – faz do Mundo do Socialismo ainda uma boa ferramenta de luta. Por um lado por sua atual denúncia do capitalismo. Por outro como boa descrição e análise das linhas gerais do socialismo e do resgate de utopias. Já viria em boa hora uma nova edição desta obra e a sua redescoberta.

Uma passagem final

“Não se justifica assim qualquer atitude de prevenção e hostilidade de princípio contra o mundo do socialismo, de cuja rica experiência histórica nos devemos necessariamente valer. Não para servilmente a copiar, e sim para aproveitá-la convenientemente. Tanto mais que entre as grandes lições dessa experiência estão aquelas que nos permitirão evitar os escolhos em que esbarraram, como tinham de esbarrar, os pioneiros e a vanguarda do socialismo, obrigados como foram a desbravar um terreno ainda indevassado e virgem. (...) É nesse sentido que orientei minha viagem pelo mundo do socialismo. Penso que se todos aqueles que julgam necessária a transformação do mundo em que vivemos, e a instauração de novas formas de vida social e de convivência humana libertas das mazelas do capitalismo, adotasse o critério de procurar no mundo do socialismo uma fonte de experiências a fim de as adaptar convenientemente aos lugares onde vivem e atuam, as questões hoje pendentes e que tão gravemente afetam a vida de quase toda a humanidade incluída no mundo capitalista, encontrariam soluções muito mais fáceis, seguras e rápidas”
Caio Prado Jr. – O Mundo do Socialismo

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

“O Que Fazer?" V. I. Lênin





Resenha #5 - "O que Fazer" - Lênin - Ed. Expressão Popular

Obra e Autor

Discutir Lênin significa avaliar tanto os aspectos teóricos de seus textos quanto o significado histórico de seu ativismo político. Necessariamente, os dois aspectos não aparecem de forma isolada: na verdade, a teoria em Lênin vai sinalizando as tarefas dos socialistas russos nas diversas etapas da luta e da revolução: nos embates contra a autocracia tzarista, na disputa teórica dentro do POSDR, na luta mais geral pela revolução e na direção política da construção do socialismo. Há ainda outro aspecto complicador: teoria e prática acabam necessariamente sendo avaliadas – hoje – levando-se em consideração os resultados da revolução russa, em especial o problema da burocratização, ausência de socialização eficaz da gestão econômica, o autoritarismo e repressão política. Neste sentido, discutir uma obra de Lênin (pela esquerda) é sempre dialogar com vertentes mais ou menos vinculadas às tradições daquela experiência histórica ou não. Também significa pensar sobre em que aspectos as formas de organização política dadas pelo leninismo contemplam hoje as formas de luta anticapitalista: o que ainda subsiste na teoria e na prática política dos socialistas em Lênin.

Este aspecto mais prático e ativista do pensamento de Lênin é bastante expressivo em “O que Fazer”. Nesta obra, escrita entre 1901-1902 em pleno regime Czarista autocrático na Rússia, Lênin trava embate dentro do Partido Social Democrático reivindicando uma intervenção qualificada, menos artesanal e mais profissional do partido, com um programa socialista e revolucionário para toda a Rússia, a organização de um jornal amplo, a politização de todas as lutas e a conformação de direções políticas competentes. A Crise da Social Democracia na Rússia decorre da ausência de bons quadros e de teoria revolucionária: há, a partir daqui, as críticas ao espontaneísmo e às vertentes terroristas representadas pelo jornal “Svoboda” e pelo “economicismo” ou “trade-unismo” de grupos como “Rabotchie Dielo”.
“O que Fazer” é obra da fase ainda jovem de Lênin, com apontamentos de tarefas gerais que, segundo Florestan Fernandes, significaram transformar, pela primeira vez, “o marxismo em processo revolucionário real”.

Duas questões aparecem como ponto de partida para uma discussão sobre o significado da obra. A primeira e mais óbvia tarefa é circunscrever os limites do texto ao contexto histórico em que foi escrito, sem atualizações mecânicas e, principalmente, sem considerar os apontamentos de Lênin como um “livro de receitas” de organização política. Não se pode falar em uma técnica política leninista, mas, antes, em exemplos práticos de como o marxismo vai se manifestando enquanto prática política pela intervenção de Lênin.

O segundo problema é, ao contrário, ir buscando o que há de atual e universal nas teses políticas “d’O que fazer”, o que, entendemos, significa menos as teses por elas próprias e mais o seu sentido naquelas circunstâncias, ao aspecto mais emblemático e exemplar das teses. Assim como Lênin em seu tampo, cabe aos socialistas da América Latina formular uma teoria revolucionária de seu tempo, “propagar o socialismo revolucionário nesses setores da sociedade (trabalhadores e povo) e, com o amadurecimento da experiência política, tentar-se o equacionamento do “por onde começar”. (Florestan Fernandes).

As críticas ao economicismo e ao espontaneísmo

Economicismo (ou trade-unismo) e espontaneísmo referem-se às tendências internas do POSDR que se diferenciam do grupo Iskra (do qual Lênin é o porta-voz) por sua intervenção centrada ora na luta econômica ora no trabalho artesanal, sem um horizonte claro e cotidiano de afirmação do socialismo e de uma profissionalização militante. A centralidade das greves e das lutas por melhorias econômicas por elas próprias não surtirão efeitos sem uma politização externa ao movimento correspondente ao partido social democrático. Neste ponto as críticas também se direcionam ao chamado espontaneísmo, a idéia de que lutas independentes são capazes de se generalizar num sentido revolucionário sem coordenação geral. Neste aspecto Lênin é enfático: da consciência em si (reforma) para a consciência para si (revolução), o movimento necessariamente precisará de teoria e de uma organização fortemente preparada, centralizada e que conte com confiança política (sem “falsos democratismos”) para incutir neste movimento uma luta geral contra a ordem. A linha de raciocínio de Lênin é a de que o socialismo enquanto teoria é exterior à classe operária russa daquele momento.

A contundência com que Lênin vai debatendo com as variações economicistas e espontaneístas do movimento revela sua confiança na viabilidade da revolução (mesmo numa conjuntura em que isto parecia pouco provável, daí sua famosa afirmação de que “é preciso sonhar”.) Revela também a caracterização dessas vertentes como oportunistas.

A crítica ao trade-unismo já remete ao que será a linha política social democrática da 2ª Internacional. Lênin defende que toda e qualquer manifestação de opressão e violência (dentro e fora da esfera do trabalho local) devam ser objetos de politização. A Luta econômica em Lênin deve estar subordinada à luta pelo socialismo, ao contrário do entendimento de que a luta econômica é uma “etapa” para a luta política, ou que as lutas econômicas por elas próprias generalizam-se em luta revolucionária.

Alguns aspectos reivindicados pelas organizações revolucionárias do espontaneísmo pecam por não levar em consideração a difícil correlação de forças frente ao Estado autocrático: não se pode intervir a nível geral com formas de trabalho militante “artesanal”. Sem preparo teórico e forte organização, os socialistas seriam presas fáceis da repressão do Estado. O mesmo vale com algumas discussões entendidas como “principistas” – o falso democratismo de eleições para cada execução de cada tarefa dentro do partido não deve sobrepor-se a uma relação de confiança e solidariedade política, dentro, mais uma vez, de um quadro de intervenção política ilegal, dentro de um regime autocrático em que qualquer vacilação ou erro significam prisão e morte. Muito resumidamente, estas são algumas das críticas de Lênin dirigidas aos demais setores do Partido.

Uma provocação

Algo que vai sendo mais ou menos permanente nas discussões do movimento socialista daquele período é a relação entre consciência e organização política – as chamadas condições subjetivas e objetivas da revolução e as tarefas do partido revolucionário. Se por um lado reconhecemos ainda hoje a importância da teoria como forma de direcionar as organizações e fazer com que elas incidam sobre os problemas gerais dos trabalhadores e do povo, politizando-os, não entendemos ser a teoria nem construída nem difundida de forma exterior à classe ou mesmo introjetada de fora para dentro.

Em Lênin há a necessidade da teoria e de um trabalho intelectual “externo” ao movimento operário, que é incapaz de espontaneamente conduzir a luta. Num novo contexto do capitalismo em que há a maior qualificação e complexidade do trabalho no âmbito do toyotismo, passa a ser necessário discutir a real atualidade desta tese. Aliás, as novas formas de organização do trabalho foram apropriando e reproduzindo exatamente formas de resistência autônomas dos trabalhadores num contexto de lutas anticapitalistas (greves, tomadas de fábricas, movimentos sociais e estudantis, etc.) dentro de ciclos de mais valia relativa (João Bernardo). Se em Lênin nós percebemos uma forte ênfase da teoria à prática revolucionária, passamos também a reconhecer a importância da prática à teoria revolucionária, levando em consideração as formas independentes de resistência, o saber e as práticas populares, etc. Conciliar o trabalho de base com radicalidade política e capacidade de incidência geral e organizada sem implicar nas vertentes economicistas/reformistas é o desafio inconcluso.

Ainda assim...

Porém, contemplando Lênin, é necessário desmistificar o trade-unismo que se serve, ainda hoje, do eixo político “democrático-popular” para, conscientemente ou não, desenvolver a política de reformar o capitalismo.

“É Preciso Sonhar”

Responde Lênin àqueles que, julgando-se marxistas fiéis, não reconhecem possibilidades de construção do socialismo na Rússia naquelas condições históricas. A ocorrência do místico e da utopia também está presente no pensamento do autor, ainda que muitas vezes vão prevalecendo os aspectos mais “duros” da sua narrativa (a denúncia, os embates, a ironia, etc.). Reproduzimos uma passagem longa, mas bastante expressiva, em que Lênin vai descrevendo a situação de seu pequeno grupo de revolucionários frente à fragilidade do movimento e à conjuntura difícil, ainda assim resistindo e lutando.


“Marchamos em pequeno e unido grupo por um caminho escarpado e difícil, de mãos dadas firmemente. Estamos rodeados por todas as partes de inimigos e temos que marchar quase sempre debaixo de seu fogo. Estamos unidos por uma decisão livremente tomada, precisamente para lutar contra inimigos e não cair, com passos em falso, no pântano vizinho, cujos moradores nos censuram desde o início por nos separarmos num grupo à parte e por escolhermos o caminho da luta e não o da conciliação. De imediato alguns dos nossos começam a gritar: “Vamos para o pântano!, E quando se tenta envergonhá-los, replicam: “que gente tão atrasada vocês são! Como é que não se envergonham de nos negar a liberdade de convidar-vos a escolher um caminho melhor”!. Sim, senhores, sois livres não só de nos convidar, senão de ir aonde melhor vos aparecer. (....) Neste caso, soltai as nossas mãos, não nos agarrai, nem manchai a grande palavra liberdade, porque nós também somos “livres” para ir aonde nos convier, livres para lutar não só contra o pântano, como também contra os que se desviam para ele”!

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

São Paulo - Sociedade Anônima

Resenha Filme #2 - São Paulo Sociedade Anônima - Direção: Luís Sérgio Person - São Paulo - 1965





O Filme de Luís Sérgio Person retrata a São Paulo de meados do séc. XX e aspectos de nossa modernidade inconclusa. O elenco conta com Walmor Chagas e Eva Wilma

SINOPSE

Carlos é um jovem Paulistano de classe média e protagonista da história. Vive numa cidade em que se nota consolidação do ritmo industrial, com a instalação de montadoras de automóveis, incremento da oferta de emprego e crescimento da população. Sua vida pessoal divide-se entre o envolvimento com mulheres diferentes e o trabalho na indústria de carros: inicialmente como fiscal e posteriormente como gestor.

Certa insatisfação permanente é perceptível em Carlos, mesmo depois de casado, com filhos e estabilidade familiar. Na verdade, a insatisfação cresce e é produto de sonhos frustrados, de expectativas que remetem ao senso comum de um homem de sucesso dos anos 1960. No trabalho, Carlos atua em parceria com empresário que super-explora seus funcionários, sonega impostos e corrompe fiscais do trabalho. O sucesso profissional e financeiro da classe média viabiliza-se pela espoliação de trabalhadores em conluio envolvendo empresários e Estado. A família e o casamento também vão sendo desconstruídos, seja pelo seu aspecto de rotina maçante seja através da traição.

A contradição decorrente das expectativas ou dos sonhos de uma sociedade de consumo e sua experiência prática levam Carlos à fuga: outros personagens reagem às contradições com o suicídio, a corrupção ou a resignação. Se o ideal do American Way Of Life é o horizonte da classe média paulistana, este mesmo ideal vai levando o protagonista ao abismo. O sociedade de consumo vai ruindo como um castelo de areias.

Destacamos a bela fotografia do filme, com boas imagens da São Paulo dos anos 60. Podemos ver o comércio nas regiões do centro (muito parecido com hoje em dia), a corrida de São Silvestre realizada durante a noite de ano novo, o trânsito de carros e pessoas no Viaduto do Chá, exposição das regiões ocupadas pelas montadores ao longo das rodovias de acesso à cidade (áreas, até então, sem adensamento urbano). Surgem as festas e as músicas cantadas nas festas de ano novo e o uso do lança perfume no carnaval.


São Paulo S/A e possibilidades de Análise Histórica

A obra data de 1965 e retrata ou narra a vida de personagens que têm suas experiências mediadas por aquele contexto histórico: a São Paulo do desenvolvimento industrial, o advento de novas tecnologias, industrialização, mudanças no campo da cultura e do comportamento.

Identificamos aqui um duplo sentido de análise histórica: trata-se em primeiro lugar de refletir sobre o que são e o que significam as mudanças decorrentes da modernização capitalista tardia brasileira (o que significa atentar-se para as imagens da cidade, as tecnologias de comunicação e transporte, as diferenças de gênero, a estrutura da família,etc.); trata-se em segundo lugar de analisar/refletir sobre a percepção que o diretor Luís Sérgio Person tem daquela conjuntura: como, naquele tempo de transformações, o filme retrata seu respectivo momento histórico (o que significa buscar compreender qual é o sentido que em meados do séc. XX se dava à consolidação do capitalismo industrial e à sociedade de consumo, o que parece ser, aliás, uma intenção importante do autor). Em síntese, assistir filmes como São Paulo S/A significa tanto reflexão sobre a história da São Paulo dos anos 1960 quanto sobre a forma como nos anos 1960 São Paulo interpretava a si. Daí o seu sentido especial, 50 anos depois.


Novas Tecnologias e Modernidade Aparente

Em todo filme, há a preocupação do diretor em retratar São Paulo levando em consideração as mudanças pelas quais a cidade passa com o desenvolvimento industrial. Os carros, os viadutos, o fluxo intenso de pessoas, o telefone, a televisão e o comércio vão sinalizando uma cidade em vias de desenvolvimento econômico, com os respectivos impactos no mundo da cultura e da sociedade.

Como todo período de transformação, identificamos elementos de progresso e atraso convivendo e estabelecendo contradições a partir das quais a narrativa se serve para descrever os limites da modernidade brasileira, ou, em particular, paulistana. Por exemplo, se a indústria de carros gera o desenvolvimento econômico que impulsiona uma sociedade de consumo, por outro lado, subsiste a super precarização do trabalho – retratada de forma simbólica numa montadora em que trabalhadores não registrados são escondidos da fiscalização no banheiro.

Podemos, neste sentido, falar em Modernidade Aparente ou inconclusa levando em consideração que o desenvolvimentismo e o progresso tecnológico retratados no filme não são acompanhados de mudanças estruturais que incidissem sobre o problema da igualdade social. A modernização capitalista brasileira é bastante conservadora (mesmo em relação à Europa, onde há revoluções burguesas) e mantém, lado-a-lado, elementos do progresso e do atraso: o acesso ao consumo por parte da Classe Média e a espoliação dos trabalhadores; a afirmação de leis trabalhistas, fiscalização do Estado nas relações de trabalho e a sobrevivência da corrupção, do conluio entre capitalistas e os fiscais públicos; mudanças no papel da mulher com sua maior participação no mercado de trabalho e a manutenção da centralidade do homem nas relações de família; a formação de uma classe média liberal e a sobrevivência do racismo e do machismo em suas mais diversas manifestações.

Neste ponto, entendemos serem as mudanças históricas retratadas por Luís Sérgio Person referentes à espécie de reestruturação produtiva do capitalismo, que promove transformações aparentes sem implicar em mudanças estruturais, que carrega, em cada período histórico e de forma dialética, elementos do passado e os germes ou as condições para mudanças futuras dentro do presente. E se falamos aqui em modernidade inconclusa, não entendemos nem por um lado a existência atual de "pós-modernidade" (como falar em "pós" algo não concluso?) nem por outro lado à possibilidade de encerramento da modernidade no âmbito do capitalismo.


Algumas idéias sobre trabalho, alienação e São Paulo S/A

São Paulo S/A fala do desenvolvimento industrial do Brasil dos anos 1950-60. A super-exploração do trabalho a partir de conluio entre empresas e Estado (que admite o não registro dos operários e a sonegação de impostos) viabilizaram o enriquecimento de uma nova classe de gestores que usufrui do desenvolvimento, enriquece e promove uma sociedade de consumo. O desenvolvimento do consumo decorrente da expansão industrial encerra a cadeia produtiva, implicando na criação de mais capital e na consolidação de novos mercados de trabalho alienado.

Ocorre que São Paulo S/A volta-se antes para as reações da classe média paulistana (gestores e empresários) às mudanças decorrentes da reestruturação produtiva do capitalismo. O que podemos identificar aqui é uma certa crise de sentidos, dificuldade de conciliar a plena satisfação da vida frente às contradições decorrentes de um mundo em transformação. As promessas de uma vida de felicidade absoluta enunciadas por anúncios de propaganda e pela importação do american way of life confrontam-se com a insatisfação da vida familiar e profissional.

Neste aspectos, vamos sentindo como se a questão da alienação assumisse um caráter mais universal, como se estivesse vinculada à experiência necessariamente frustrante de uma sociedade baseada numa relação fetichista com relação às mercadorias e carente de sentidos humanos. Se pensarmos que hoje, o consumo de drogas ilícitas e antidepressivos atinge emblematicamente EUA e Europa Ocidental, percebemos que, neste sentido em que abordamos a idéia de alienação, São Paulo S/A possui grande atualidade...

Recomeçar, recomeçar de novo...

A importância de São Paulo S/A reside na preocupação do diretor em identificar transformações, mudanças históricas viabilizadas pela nova etapa do capitalismo brasileiro – industrial, urbano e moderno. A saída encontrada por Carlos frente à sua insatisfação (ou “loucura”) é a fuga, ainda que provisória. A cidade o traz de volta por vias oblíquas (no caso, o caminhão em que pega sua carona, retorna à cidade de que ele quer escapar). Carlos fala em recomeçar, recomeçar de novo: ao fundo há imagens de fluxo de pessoas nas ruas da capital. Pode-se interpretar esta passagem final sob diversas formas. Não optamos entender o recomeço como algo que implique numa espécie de “fim da história”, como se as possibilidades humanas estivessem circunscritas ao modelo de cidade São Paulo/SA e à sociedade de consumo. Podemos entender o reinício como um novo ciclo que abre possibilidades para transformações, não se podendo, porém, "fugir" ou escapar da história. Os homens fazem a história, mas não a fazem como a querem, a fazem de acordo com certas condições históricas.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Aelita – A Rainha de Marte

Resenha Filme#1 - AELITA - A Rainha de Marte - Yakov Protazanov
Rússia - 1926





Obras de arte assumem significados políticos nem sempre correspondentes às intenções mais ou menos conscientes do seu autor: os sentidos sempre lhe escapam à medida que as circunstâncias históricas, inevitavelmente dinâmicas, vão imprimindo diferentes significados aos eventos e personagens retratados em filmes, músicas, textos literários. Processa-se também no campo das artes certa batalha de idéias. Interpretar um filme russo de 1926 (quando ainda são vivos o enfrentamento dos novos desafios abertos pela revolução de 1917) quer dizer ainda hoje, 84 anos depois, expressar visões de mundo e posicionamentos também políticos num contexto de disputa (ou consolidação) de hegemonias.

Aelita – A Rainha de Marte tem algumas particularidades que o fazem ainda mais aberto às reflexões e ao embate de idéias: o enredo, que aborda uma viagem fantástica de um engenheiro russo à lua onde dirige uma revolução proletária; a plasticidade das imagens e a riqueza dos detalhes nas roupas dos habitantes de marte com os recursos de um filme dos anos 1920; o fato de ser este considerado o primeiro longa-metragem de ficção científica da história do cinema, ainda mesclando elementos do cinema político soviético e do humor.

A história

Aelita é uma adaptação de livro homônimo de Leon Tolstoi. Los é um engenheiro dedicado ao trabalho e aos cuidados de sua mulher Natasha. A vida do casal entra em turbulência diante do assédio de Natasha por um vigarista pequeno- burgues que vive de pequenos golpes. A descrição dos anos imediatamente posteriores à revolução sugere o sacrifício de muitos em contraponto à corrupção de poucos: o individualismo de Natascha cede à sedução do vigarista burguês, acompanhando-o a um baile de luxo clandestino. Levado pelo impulso da desilusão amorosa, Los constrói uma espaçonave e parte para Marte – seu centro de interesses sai portanto do universo doméstico.
O mesmo ocorre com o seu ajudante Gusev, soldado combatente da Revolução que, atordoado pelo tédio da vida familiar, aceita imediatamente aderir à aventura.

Rainhas fazem a revolução?

Aelita é a rainha de Marte: observa através de um telescópio superpotente a Terra e apaixona-se por Los. Enquanto isto, em Marte o poder político – que envolve reis e rainhas e um conselho de velhos – força os trabalhadores ao isolamento no subsolo marciano. Este é o destino dos terráqueos capturados e com eles, Aelita. A mobilização é conduzida por Los e Gusev: algumas cenas muito bonitas de trabalhadores marciano rompendo com suas correntes de ferro remetem ao universalismo da luta dos oprimidos. Por outro lado, notamos que a trilha neste momento – assim com em outras passagens – não é a do hino internacional dos trabalhadores, mas o hino da Rússia.

Aelita, rainha de Marte, toma parte da luta e chama para si a responsabilidade de dirigir a luta do proletariado marciano. Rainhas podem conduzir revoluções? Deixamos de responder a pergunta, por suposto, para quem ainda não viu o final do filme.

Discussões

A percepção do autor sobre os problemas da Rússia nos anos pós-revolução está longe de ser equivalente ao propagandismo, favorável ou contrário aos bolcheviques. Identificamos, sim, identidade entre a história de Los, Natasha e Aelita e à revolução, especialmente em seus aspectos mais subjetivos: psicológicos e simbólicos. As relações entre a vida familiar e a intervenção política através do trabalho e da aventura espacial, a crítica ao excesso de ciúmes do homem e à super-proteção feminina (expressos na esposa de Gusev) dizem respeito à formação de novos valores, sugerem mentalidades transformando-se aceleradamente. Lênin dizia que na Rússia revolucionária a consciência do povo avança 20 anos em 20 dias. Deixando de lado excessivo (e compreensível) propagandismo da mensagem, Aelita talvez seja uma boa fonte para se identificar a história das mentalidades numa conjuntura de radicalização política. Neste ponto também é possível reconhecer a beleza da obra: um filme sobre política, feito em um e para um contexto revolucionário que, outrossim, aborda temas mais ou menos universais como o amor e a curiosidade humana sobre o que há no universo. Não há socialismo e revolução sem empatia humana.


Yakov Protazanov




Apesar da longa lista de filmes, há poucas informações a respeito do diretor aqui no Brasil, mesmo na internet. Aliás, após a extinção formal do capitalismo estatal soviético, a abertura ao mercado mundial tem significado maior interesse e acesso às produções culturais da Rússia. Aelita, por exemplo, foi inicialmente aceita e posteriormente censurada na URSS: seu lançamento no Brasil pela Continental data dos anos 1990.

Sobre o diretor, Yakov Protazanov é conhecido como um dos pais do cinema russo. Produziu filmes antes e depois da revolução, tanto na Rússia Tzarista quanto na Rússia bolchevique. Após a revolução, segue para a França e só retorna à Rússia em 1923 – um ano depois faria o seu filme mais famoso, Aelita. Morreu aos 65 anos em Moscou.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Algumas anotações sobre Estado e lutas sociais em João Bernardo



Resenha #4

Sobre o Autor

João Bernardo é um ativista e intelectual autodidata português com certa influência no pensamento/movimentos autonomistas do Brasil. Filia-se à tradição do comunismo de conselhos, sendo um crítico não só do leninismo, mas de certos aspectos mesmos das ideias de Marx. Dois elementos importantes na sua obra: a idéia da teoria das classes dos gestores, classe distinta de burgueses e proletários (burguesia e gestores se apropriam da mais valia, porém, de formas distintas, os primeiros a partir da propriedade privada individual e os segundos a partir da participação em órgãos apropriadores coletivos, incluindo o Estado); a percepção do Estado como parte da esfera da produção, noção que dá aporte para uma crítica radical do reformismo e da inviabilidade das formas “passivas” de luta.

Conflitos e Formas de Resistência no Capitalismo

Para João Bernardo, compreender os conflitos sociais significa olhar para as relações de trabalho, ou, mais especificamente, para a indeterminação entre o seu valor de remuneração e a geração do valor excedente – esta indeterminação no grau de exploração do trabalho tanto é necessário para a exploração capitalista quanto cria condições para os conflitos a partir dos quais surgem lutas. A apropriação da mais valia pelos patrões determina o que João Bernardo coloca como “relações sociais enquanto relações de conflito”.

A centralidade do trabalho e dos aspectos da produção, aqui, aponta para o tipo de intervenção política reivindicada por João Bernardo. A superação do capitalismo vai além da superação das relações de propriedade, e muita mais além ainda do que a simples tomada do poder político do Estado: superar o capitalismo deve significar incidência sobre campo onde se processam os conflitos sociais, a saber, as relações de produção. As lutas contra o capitalismo são retratadas no paralelograma:

-----------------Lutas Ativas
Lutas Individuais------------Lutas Coletivas
-----------------Lutas Passivas

As lutas classificam-se a partir da combinação entre duas das formas das lutas. Ativas são lutas de caráter anticapitalista ao violarem “as normas da disciplina social”. As lutas passivas se inserem no âmbito do controle legal/institucional. Formas individuais de resistência, tal qual o ócio/alcoolismo (forma passiva) ou a sabotagem (forma ativa), ou coletivas como a greve controlada pela burocracia (forma passiva) ou pela tomada independente das fábricas (forma ativa), demarcam transformações da insatisfação social decorrente da natureza conflituosa das relações sociais.

O modelo não parece ter um caráter ilustrativo ou “esquemático” – o autor chama atenção para as transições entre as diversas formas das lutas, para o dinamismo ou a “plasticidade” das formas de resistência e, em particular, como o capitalismo é eficiente em sua apropriação dos conflitos. O modelo serve para perceber como as formas de luta de processam de forma dinâmica e concorrentes aos ciclos de reprodução do capitalismo.

Ordem, Revolução e Lutas

“(Entendo) Ordem como um quadro em que os conflitos, ao se inserirem nas estruturas sociais vigentes, acabam por reproduzi-las. (...) Revolução como um quadro em que os conflitos criam estruturas sociais novas, antagônicas ao capitalismo. (...) A revolução dentro da ordem é o fascismo. (...) A ordem dentro da revolução é a burocratização das lutas”.

Assim, as lutas não estão tão relacionadas apenas ao “nível de consciência” dos explorados, parte, aliás, das justificativas dos dirigentes burocráticos para a desmobilização. As lutas são expressões de relações permanentemente conflituosas e vão assumindo diferentes formas conforme sua incidência contrária ou favorável à reprodução do capital. As relações sociais de novo tipo, ou um avanço no nível de consciência estabelecem-se apenas a partir das formas coletivas e ativas de luta, quando novas relações sociais antagônicas ao capitalismo – a solidariedade e o coletivismo – são formadas. Na verdade, os novos valores acabam sendo também condições para as lutas ativas e coletivas.

A provocação ao leninismo- marxismo é explícita e sarcástica em João Bernardo: “É curioso observar que os marxistas, embora considerem que não existem idéias sem uma base social própria, não admitem que as concepções do comunismo decorram de um quadro social já existente. Os marxistas têm de preservar o seu papel de vanguarda iluminada e, sobretudo, iluminante”. O que João Bernardo quer dizer e qual é a implicação desta crítica ao vanguardismo? (E, aqui, caberia pensar se o problema do vanguardismo é algo relacionado antes a certos marxistas do que a Marx).

São nas lutas anticapitalistas com ampla participação e autogestão que se criam novas condições para uma sociedade sem Estado e sem classes. Ocorre que, ainda segundo João Bernardo, as lutas sob a forma “coletiva” e "ativa” pressupõem relações sociais de novo tipo, genericamente colocadas como solidariedade e coletivismo. Comunismo ou sociedade sem Classes deveriam refletir as experiências autogestionárias e autônomas dos trabalhadores, tomando as fábricas e criando suas formas de atuação política via conselhos. A dificuldade – reconhecida, aliás, pelo autor – é a de se saber como viabilizar a generalização das novas relações em níveis nacionais e mundiais.

Uma última questão sobre a luta como parte dos conflitos sociais, que são conflitos das relações de produção. Como vimos, João Bernardo reivindica as lutas anticapitalistas como aquelas antagônicas ao modelo de geração de valor no capitalismo. Não há experiência fora do capitalismo havendo relações de produção capitalista: heterogestão e ausência de relações sociais de novo tipo. Uma outra perspectiva se dá a partir da proposta de diferenciação entre Capital e Capitalismo em Mészaros: o capital antecede o capitalismo, sendo este uma de das formas possíveis de realização do capital. O que João Bernardo e outros autores classificariam como Capitalismo de Estado, em Mézaros significa sociedades pós-capitalistas que não conseguiram romper com a identificação conceitual entre capital e capitalismo, não se superando o “sistema metabólico” do capital. As duais visões reforçam a saída anticapitalista de caráter revolucionário, com implicações importantes no debate Estado x Revolução.

Vitórias parciais: Conquistas ou concessões?

Os Ciclos de mais-valia relativa dizem respeito à natureza ideológica das reivindicações mais imediatas dos trabalhadores. Seguindo o esquema proposto por João Bernardo, nas lutas passivas, enquadradas na lógica do capitalismo, as reivindicações não se chocam com as relações de produção e tornam-se parte de” ciclos” de transformação aparente do capitalismo, de maneira a estabelecer a aceitação formal das bandeiras e incrementar ainda mais a exploração. Os ciclos de mais-valia relativa são evidenciados na luta pela redução da jornada de trabalho e aumento salarial – a contrapartida dos capitalistas é o aumento da complexidade, da intensificação e da qualificação do trabalho.

O aumento da produtividade significa a incorporação em cada produto de um menor tempo de trabalho. Já o aumento do salário do trabalhador pode até gerar uma aquisição de maior volume de bens, porém, bens produzidos em condições de produtividade crescente, de maneira que em termos de tempo de trabalho, os trabalhadores eventualmente reduzem o seu consumo ao invés de aumentar. E, afirma João Bernardo, “é porque os trabalhadores consumem uma maior quantidade e variedade de produtos materiais e de serviços, que se tornam mais resistentes fisicamente e mais instruídos, sendo portanto capazes de proceder a um trabalho mais complexo, e, assim, mais produtivo”. E, sintetizando o significado mais geral das formas de apropriação das lutas pelos capitalistas, reproduzimos uma passagem longa, porém bastante clara que dá exemplo do ciclo de mais valia relativa:

“A redução da jornada resulta na imposição de um maior tempo real de laboração, e o aumento das remunerações resulta no consumo de um menor tempo de trabalho. O segredo da capacidade demonstrada pelos capitalistas de recuperarem os aspectos mais imediatos das reivindicações laborais reside no fato de os trabalhadores se referirem sempre a valores de uso – número de horas da jornada de trabalho – enquanto os capitalistas responderem exclusivamente em termos de valor de troca – tempo de trabalho complexo efetivamente executado e tempo incorporado aos bens adquiridos”.

Uma luta pontual em que a redução laborial é acompanhada de novas formas aparentes de exploração situa-se naquilo que João Bernardo chama de ciclos curtos de mais valia relativa. Já os ciclos longos da mais valia relativa possui um tempo de processamento maior e decorrem, espantosamente, justamente das formas ativas e coletivas luta. Experiências autonomistas e independentes que expressam relações sociais de novo tipo entram em colapso pela burocratização. Importante salientar que a burocracia não nasce necessariamente de uma ação “maquiavélica” de uma direção política recuada. Não parte sempre da iniciativa de dirigentes, mas é um processo decorrente do esvaziamento das lutas – a ausência da mobilização em caráter permanente implica na burocracia e no colapso das novas relações sociais e a apropriação do capitalismo inclusive daquilo que de melhor nasceu/partiu dos movimentos independentes – criatividade, independência e modelos “inovadores” de gestão são as novas formas com que o capitalismo opera sua lógica de exploração do trabalho.

Ao pensarmos nos discursos de” empreendorismo” dos neocapitalistas, no ambientalismo empresarial ou nas novas técnicas de gerência do trabalho – trabalhadores convertidos em “colaboradores”, “associados”, “apoiadores”, etc. – identificamos um encerramento de todo um ciclo de lutas ativas e não burocráticas.Toda capacidade e talento dos trabalhadores em seus esforços pela emancipação são apropriadas como forma de qualificação e maior complexidade do trabalho. Isto além da já notória cooptação de antigos lutadores às empresas e Estado como gestores. O primeiro passo para o retrocesso que se encerra no fechamento do ciclo a favor do capitalismo é a burocratização.

Balanços Provisórios

A crítica aos processos de burocratização e a idéia de “latência” do capitalismo mesmo sobre as experiências de resistência mais avançadas, não implica, é claro, em um derrotismo nem por João Bernardo, nem pelos autonomistas, nem pelos marxistas anticapitalistas. Constata-se, sim, certa desorientação política decorrente do encerramento de um ciclo de mais valia relativa, com a ofensiva neoliberal e a saída do ” keynesianismo” de esquerda como o horizonte estratégico máximo de uma boa parcela da esquerda.

Porém, acentuam-se, neste quadro, os conflitos e as lutas também latentes nas suas mais diversas manifestações. Uma primeira conseqüência da idéia das relações sociais enquanto relações de conflito significa a afirmação permanente da possibilidade de resistência a partir das várias formas combinas de luta (individual, coletiva, passiva e ativa). Outra contribuição de João Bernardo: determinar os limites das lutas não comprometidas com um eixo antiburocrático e permanentemente mobilizador, para se criar novas relações sociais.
Passamos, finalmente, ao debate sobre Estado e Poder. Repolitizar a política de uma forma radical vai além de receitas mecânicas que estabelecem o poder político como mera superestrutura reflexiva dos fenômenos da economia. O novo grau de complexidade do trabalho aliado à intensificação de sua exploração faz como que a idéia do Estado enquanto um mecanismo mais geral do poder, vinculado às condições gerais de produção, favoreça o entendimento, por exemplo, aumento da criminalização e isolamento dos movimentos sociais no governo Lula – há necessariamente uma relação de complementariedade entre Estado e Mercado/Capital e não antagonismo, como apregoa a esquerda reformista. Marx foi o primeiro a ocupar-se de uma crítica política da economia. Como sugere João Bernardo, os incremento e maior complexidade dos conflitos (e suas apropriações via ciclos de mais valia) tornam a crítica econômica da política ainda mais necessária. Ainda que não concordemos inteiramente com sua estratégia política, o autor traz um debate fundamental para a saída do isolamento da esquerda anticapitalista.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Rosa Luxemburgo – tensões entre o econômico e o político na Revolução.




Resenha #3 - Rosa Luxemburgo - Os Dilemas da Ação revolucionária

As ideias de Rosa Luxemburgo remetem, no senso comum do campo da esquerda, às suas críticas à burocracia, ao papel espontâneo das massas como elemento central da luta pelo socialismo. Pensar em Rosa é lembrar-se de sua polêmica com Lênin correspondente às relações partido x sujeito histórico.

Destacou-se, neste senso comum, uma suposta concepção que aponta a "ingenuidade" de Rosa Luxemburgo. Ingênua interpretação da História, fundamentando o “colapso” do capitalismo às suas leis de bronze previstas por Marx. Ingênua interpretação da política, a partir da reivindicação intransigente da democracia operária, da ação mais ou menos espontânea das massas em contraponto ao modelo leninista de partido que dirige essas massas – enquanto em Rosa, o partido político deve antes dar conteúdo político e palavras de ordem corretas ao movimento de massa, interpretá-lo , portanto.

A partir do estudo da pesquisadora Isabel Maria Loureiro pudemos constatar como todo o senso comum tem a sua razão de ser na conformação da batalha das idéias e disputas de poder. O luxemburguismo foi, de fato, isolado pelo stalinismo. Rosa foi majoritariamente entendida como uma intelectual “ambígua”, identificada com uma interpretação particular do movimento operário alemão que se mostrou historicamente derrotado. Toda a contribuição de Rosa no sentido de explicitar a importância da organização independente dos trabalhadores e da democracia operária radical perdem sua “conveniência”.

No maio de 1968, o pensamento de Rosa passa a ser resgatado, de maneira a ressaltar seus aspectos mais libertários. Luxemburgo tematiza a relação entre espontaneidade e consciência de classe, a união entre partido e classe cuja implicação é a centralidade da greve de massas e uma concepção democrática do socialismo. Além disso, apenas indicamos as críticas ao autoritarismo e à concepção de democracia em Rosa, que a afasta tanto do reformismo e do autoritarismo, facilitando a sua reivindicação em 1968. Autoritarismo, mesmo num contexto revolucionário, passa a ser contraproducente: “todo o regime de Estado de Sítio que se prolonga leva ao arbítrio e todo o arbítrio tem um efeito depravante para a sociedade (...) Ditadura de classes, isso significa que ela (classe) se exerce no mais amplo espaço público, com participação sem entraves, a mais ativa possível das massas populares numa democracia sem limites”.

No Brasil, mais recentemente, a fundação do PT e o grupo político ligado a Mário Pedrosa passam a reivindicar as idéias de Luxemburgo.

O Acerto de Contas

Evidentemente, toda a produção intelectual de determinado autor não pode ser traduzida ao interessado do presente em termos excessivamente lineares ou teleológicos, de forma a descrever toda a evolução de um pensamento individual a esquemas fixos, sem história. Tal preocupação é ainda maior no caso de Rosa Luxemburgo: além dos aspectos teóricos, destacamos sua intensa participação política, como militante da ala da esquerda radical do SPD e posteriormente do grupo Spartakus. O pensamento de Rosa corresponde às diversas respostas que uma militante intelectual dá num contexto especialmente conturbado – 1ª Guerra Mundial e a adesão traidora da social-democracia à guerra (contrariando o grupo de Rosa), a perseguição política, a experiência da Revolução Alemã, dos conselhos e do seu esvaziamento político. Tempos de agitação política, tempos de intensa participação da nossa autora, de maior ênfase na “prática” do que na “teoria”, corroborando para certas “ambiguidades” encontradas por alguns em Rosa. Ambiguidades que são, antes, diferentes análises de diferentes momentos feitas para diferentes finalidades: daí a importância da pesquisa histórica do pensamento de Rosa.

Feita a ressalva, passa a ser objeto de Isabel Loureiro identificar aquilo que é permanente ou mais geral no pensamento de Luxemburgo, de maneira a acertar contas com esse “senso comum”. Isso significa especialmente fazer a pergunta que também aflinge a nossa autora alemã: por que fracassaram os revolucionários da Alemanha? Para além da traição da social democracia, encontramos aquilo que é mais permanente na luta pelo socialismo: a relação entre teoria e prática,organização e espontaneidade, economia e política. A busca pela unidade histórica entre os pólos: 1- Da concepção materialista da história que enfatiza certas “leis gerais” e objetivas; 2- O fazer história pelo indivíduo ou sujeito histórico, ainda que não arbitrariamente, mas contando com “decisões individuais”, “ações audazes”, etc. Nas palavras de Rosa, “a Marcha da História realiza-se certamente de acordo com leis próprias, infalíveis. Mas os homens são portadores dessas leis. Eles não Fazem arbitrariamente a história, porém, fazem-na eles mesmos”.

Partidos Políticos, Massas e Democracia

Nesta relação entre teoria e prática ou indivíduo e história, Rosa tende a reforçar o pólo da espontaneidade da classe nos momentos de ascensão das lutas, enquanto, nos momentos de retrocesso, remete à sua confiança nas “leis de bronze da história” e no “otimismo” pela revolução.

Sua compreensão sobre o papel do partido político também destaca um ou outro pólo baseando-se na sucessão de acontecimentos na Alemanha. O Partido ora atua como intérprete do movimento de massas, ora como uma espécie de “reserva moral” – é no trágico momento em que os trabalhadores alemães voluntariamente se inscrevem para lutar na 1ª Guerra, acenando ao jogo do imperialismo e à destruição mútua dos trabalhadores europeus, que a tese da reserva moral da organização – ainda que inicialmente má compreendida pelas massas - é levantada por Rosa.

O papel do partido político em Rosa é agitar e esclarecer, sempre. Mas nos momentos de agitação, ele deve ser um porta-voz, enquanto nos momentos de recuo, ele se converte em canal de “esclarecimento".

Outros dois aspectos são essenciais e perpassam todo o pensamento de nossa autora.

Em primeiro Lugar, Rosa sempre foi adversária do partido político que se pretende substituir as massas - não há separação entre vanguarda consciente e massa, porque a massa, ao formar-se como classe revolucionária, torna-se vanguarda, afastando o aspecto da burocracia. O sujeito histórico em Rosa Luxemburgo são as massas e não o partido político.

Em segundo Lugar, Rosa nunca advogou uma teoria do “colapso” e sua análise sobre a fase imperialista do capitalismo assim como suas intervenções em vida nunca remeteram à ideia, assim como em Marx, de que o socialismo supostamente brotaria sem qualquer intervenção organizada dos trabalhadores: socialismo por geração espoantânea. Mais uma vez, o “senso comum” que, em Rosa, aplicou-lhe a pecha de “determinista” volta-se ao campo das disputas de poder, desta vez partindo da social democracia moderada da Alemanha.


A Greve Espontânea de Massas e a derrota da revolução

A greve espontânea de massas é o aspecto central do pensamento político de Luxemburgo, no sentido de ser uma fonte da geração de unidade entre econômico e político, o espontâneo e o organizatório, o inconsciente e o consciente. Através da luta livre e espontânea criam-se condições para que as massas se eduquem, deliberem sobre problemas que surgem no calor do momento e livrem -se do jugo da ideologia burguesa.

Se a ação livre das massas é esclarecedora, seria ela também eficaz, seria realmente capaz de tomar e manter o poder político? Não teria a excessiva confiança por estas massas sido parte de um balanço sobre as diversas derrotas do movimento dos trabalhadores, sua adequação ao capitalismo e ao reformismo, sua adesão voluntária às guerras e ao nacionalismo, aos oportunismos da direita e da social-democracia?

Neste ponto, Rosa aproxima-se mais da idéia da paciência revolucionária do que qualquer saída que levaria a um vanguardismo autoritário. Nos limitamos a finalizar aqui, com uma resposta bastante aproximada que Rosa poderia dar a estas perguntas partir da conclusão de Isabel Maria Loureiro:

“No Limite, Luxemburgo, num rasgo característico de qualquer revolucionário de esquerda, diz-nos: as massas não conhecem seus verdadeiros interesses. Entretanto, distingue-se dos bolcheviques ao não pôr a vanguarda esclarecida no lugar da massa ignorante, mas esperar a “varinha mágica” da “vida” fazer a classe despertar, a unidade teoria/prática dar-se de maneira orgânica e não mecânica: o tempo e a derrota seriam os grandes aliados da revolução socialista”.

Dialeticamente, derrotas passam a fazer parte da vitória, no futuro.

Numa conjuntura em que a revolução e o socialismo aparentam ter sido abolidos da ordem do dia e, no Brasil, num quadro de altíssimo popularidade de um governo capitalista pelo povo e trabalhadores, a paciência revolucionária, os papéis do partido enquanto "reserva moral" dos trabalhadores, agitação e esclarecimento, assim como as críticas à falsa democracia burguesa são itens que remetem à atualidade do pensamento de Rosa Luxemburgo. Um amigo meu já havia me dito que "Rosa era uma autora muito citada e pouco compreendida". Neste momento, seu resgate naquilo de há de mais fundamental - a teoria da praxis - torna-se central para combater a hegemonia do pensamento reformista.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Subjetividade, símbolos e a luta pelo Socialismo


Resenha#2 - Ensaios sobre Consciência e Emancipação - Mauro Iasi - Ed. Expressão Popular



"O desvelamento de um aspecto antes velado vale mil vezes mais do que um belo discurso valorativo que mantenha escondido, aos olhos de quem quer se libertar, um um elo de correntes que o oprimem". Mauro Iasi

Um dos argumentos mais recorrentes dentre aqueles que se colocam ora como franco adversários ora como "agnósticos" da teoria marxista decorre da suposta filiação de Marx a certo "economicismo" que reduziria as mais diversas possibilidades da vida às leis tendenciais do modo de produção histórico correspondente. Na verdade, combater o estruturalismo que determina os aspectos sociais, culturais e políticos da sociedade como manifestações mais ou menos objetivas da economia foi também uma batalha travada pelo próprio Marx em Vida.

Engels, após a morte de seu colega e como se já prevendo uma interpretação equivocada do materialismo dialético, afirma assim: "Segundo a concepção materialista da história, o fator que em última instância determina a história é a produção e reprodução da vida real. Nem Marx, nem eu afirmamos, uma vez sequer, algo mais do que isso. Se alguém a modifica, afirmando que o fator econômico é o único fator determinante, converte aquela tese numa frase vazia, abstrata, absurda".

Se o marxismo vulgar reduziu os fenômenos de forma a torturar, enquadrar os eventos a suposta marcha inevitável da história, é a partir da retomada dos conceitos originais de ideologia, consciência, classe, etc. que Mauro Iasi produzirá sua série de ensaios reunida na edição "Ensaios sobre a Consciência e Emancipação" pela Ed. Expressão Popular. Nosso objetivo é abordar alguns temas discutidos por Iasi de maneira a explicitar algumas das diversas possibilidades de se pensar os aspectos subjetivos vinculados à consciência e emancipação política. Neste primeiro artigo, abordaremos, rapidamente a análise sobre as fases de consciência.

Fases da Consciência

Assim como na História, ao se analisar as fases da consciência política, não se deve estabelecê-la como algo linear, em que cada etapa independa e exista sem os elementos que sobrevivam de experiências passadas ou sem os germes de uma etapa posterior. Além disso, fica estabelecido que a consciência "movimenta-se", transita dentre diversas fases de maneira a apresentar avanços e recuos dentro da percepção ora mais ora menos crítica de sua participação enquanto indivíduo inserido na História.

Feito o aviso inicial, o autor busca diferenciar as fases (ou estados) da consciência – da alienação, vinculada já às experiências da mais remota infância em que há a captação de um concreto aparente, limitado, que generaliza as relações estabelecidas anteriormente à sua existência de forma a naturalizá-la. No âmbito do senso comum, os discursos de que “as coisas não mudam”, “sempre foram e sempre serão assim”, ou seja, a naturalização do indivíduo faz com que o mesmo “interiorize as relações, as transforme em normas, estando pronto para reproduzi-las em outras relações através de associação. A própria “naturalização” encontra resistência a partir de experiências que levem, da rebeldia a eventual organização em torno de reivindicações coletivas, a consciência em si. A luta sindical, os movimentos populares em torno de reivindicações específicas , as greves, etc. são manifestações desta nova fase.

Reformismo e A Consciência em Si

O que é particularmente curioso neste terreno é que são nos momentos de vitória das lutas específicas que se criam condições para o retrocesso, seja na revalidação das relações de opressão anteriores (ao trabalho alienado e ao capitalismo) seja na conformação de burocracias e no carreirismo de certas lideranças que vivem do jogo coorporativista. É só a partir do momento em que as demandas em si se ampliam num movimento para si, para a transformação do conjunto das relações sociais que haverá a terceira e última fase da consciência, a consciência revolucionária.

O aparente excesso de teleologia do esquema proposto por Mauro Iasi – talvez acentuado pela rápida exposição deste artigo – não é de todo condenável, em primeiro lugar por ser o seu texto um ensaio didático e expositivo. As chamadas “fases” voltam-se antes à ilustração – tipos ideais no sentido webberiano, nos atreveríamos. E, o mais importante, mesmo a fase revolucionária não é de todo livre de contradições. Muito pelo contrário. Ao afirmar uma nova sociedade em contraponto aos valores do seu tempo, aspectos do próprio universo subjetivo do indivíduo são contestados. Família, religião, arte, escola, amizades, tudo passa por uma espécie de crivo a partir do qual o indíviduo é pressionado a conciliar e a negar, em nome da busca pelo prazer e da manutenção dos princípios políticos. “O indivíduo que se torna consciente é, antes de tudo, um novo indivíduo em conflito. (...) O indivíduo sob essa contradição, com o grau de compreensão alcançado e diante da realidade objetiva, que não reúne condições materiais para uma superação revolucionária, tem diferentes caminhos a trilhar. Pode buscar mediações políticas que construam junto à classe os elementos que Lenin denominava de “condições subjetivas”, ou, diante de insucessos nessas tentativas, caminhar para ansiedade e depressão”. (IASI, Pg, 36 e 37).

Não nos atreveríamos a firmar com tanta convicção que o indivíduo que se reivindica revolucionário ou se organizará e atuará politicamente ou passará por momentos de crise existencial. Lembraríamos aqui, por exemplo, dos oportunistas que se apropriam da formação política e da sua consciência de classe contra a classe trabalhadora. Há, ainda, os céticos, os resignados, os religiosos, os apressados, os imobilistas, os pessimistas, todo um conjunto de massa indefinida que, somente com a conjugação apropriada das condições subjetivas com eventos desencadeadores pela luta de classes fará com que tendam cada vez mais aos lados do capital e do trabalho.

Ainda sobre a importante obra de Mauro Iasi, pretendemos, futuramente, trabalhar ainda os conceitos de ideologia, consciência de classe e o debate sobre a questão da fé.