segunda-feira, 7 de julho de 2025

“Triste Fim de Policarpo Quaresma” – Lima Barreto

 “Triste Fim de Policarpo Quaresma” – Lima Barreto



Resenha Livro - “Triste Fim de Policarpo Quaresma” – Lima Barreto – Ed. Projetus

“Policarpo era patriota. Desde moço, aí pelos vinte anos, o amor da Pátria tomou-o todo inteiro. Não fora o amor comum, palrador e vazio; fora um sentimento sério, grave e absorvente. Nada de ambições políticas ou administrativas; o que Quaresma pensou, ou melhor: o que o patriotismo o fez pensar, foi num conhecimento inteiro do Brasil, levando-o a meditações sobre os seus recursos, para depois então apontar os remédios, as medidas progressivas, com pleno conhecimento de causa”.

“Triste Fim de Policarpo Quaresma” é sem dúvidas o mais conhecido romance do escritor fluminense Afonso Henriques de Lima Barreto (1881/1922). Foi publicado inicialmente em folhetim no ano de 1911 na edição vespertina do “Jornal do Comércio” do Rio de Janeiro. Quatro anos depois, foi publicado integralmente em livro, ao que consta, a muito custo, com os parcos rendimentos do escritor.

Lima Barreto não obteve o reconhecimento literário ao seu tempo, a despeito de ser provavelmente o melhor cronista da incipiente vida urbana do Brasil do início do Século XX. Foi em três ocasiões preterido de uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Foi excluído e silenciado pela crítica oficial e passou os últimos anos de sua vida internado em hospital psiquiátrico por problemas com alcoolismo.

Em parte, a marginalização do escritor se explica pela sua origem social e racial. E, de outro lado, o seu estilo literário igualmente destoava das tendências predominantes da época, ainda influenciadas pelo apego ao formalismo, levado até as últimas consequências pelo parnasianismo.  

Os romances do escritor envolvem uma escrita simples, de estilo realista, que procura expressar os tipos populares e suburbanos do Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Em Lima Barreto, a palavra não serve de anteparo entre o homem e os fatos que serão narrados. Opunha-se ferozmente a qualquer tipo de preciosismo literário, ao ponto de dizer: “não posso compreender que a literatura seja um culto ao dicionário”. Neste contexto, fazia oposição direta aos dois mais importantes escritores do período em que viveu: Rui Barbosa e Coelho Neto.

Curiosamente, um dos poucos que reconheceram a capacidade do escritor negro e pobre do Rio de Janeiro foi Monteiro Lobato, o mesmo que muitos hoje em dia buscam também silenciar por conta do seu “racismo” e “elitismo”. Foi o próprio Lobato o único que quem publicou em sua editora os livros de Lima Barreto.

A segunda razão do ostracismo em vida do escritor, como dissemos, diz respeito à sua origem social. Veio do subúrbio carioca, foi filho de um tipógrafo e de uma professora primária, falecida quando Lima Barreto tinha sete anos de idade.

O seu pai era monarquista e protegido de Visconde de Ouro Preto. O político do II Império tornou-se padrinho de Lima Barreto e o auxiliaria a ingressar  na escola politécnica do Rio de Janeiro. Lá estudou engenharia, sem terminar o curso. Com a queda de Dom Pedro II e a proclamação da República, o pai de Lima Barreto, até então protegido pelo influente ministro do Imperador, perde o emprego. Já o autor de Policarpo Quaresma sobrevive escrevendo em jornais e revistas do Rio de Janeiro  e, em 1903, é aprovado em concurso para trabalhar como funcionário público da Secretaria da Guerra.

Há em toda obra do escritor um componente autobiográfico. Ele é mais visível especialmente do seu primeiro romance "Recordações do escrivão Isaías Caminha" (1909) no qual traça um panorama satírico dos artistas, escritores, poetas e jornalistas que participam da vida cultural do Brasil dos anos de 1900. Desde o favoritismo, até ao culto do bacharelismo, vemos a mediocridade se impondo e prevalecendo sobre a originalidade nas artes. Em regra, o bacharel é aquele que se torna um sábio através do estudo – o diploma parece ser antes um mero título de nobreza. A ausência de autenticidade, quando não o puro e simples plágio, dão o tom da literatura da época.

O componente auto biográfico está igualmente presente no seu mais conhecido romance.

Triste Fim de Policarpo Quaresma

O major Policarpo Quaresma pode ser comparado como a versão brasileira de Dom Quixote.

É um nacionalista movido por um sincero, cândido e ingênuo otimismo em relação ao Brasil. O aspecto quixotesco do personagem se revela especialmente em alguns lances cômicos do protagonista.

Quaresma é um burocrata que trabalha na Secretaria de Guerra e desde cedo se dedica ao estudo da realidade nacional. Depois de ler absolutamente toda a bibliografia disponível sobre a história, botânica, geologia, política, sociologia e a geografia do Brasil, surpreende os seus vizinhos fazendo aulas de violão, por entender ser o instrumento, então visto como algo vulgar, uma das mais altas expressões do sentimento nacional.

Vai estudar o folclore brasileiro e busca entrevistar uma velha escrava para lhe contar as cantigas da época do cativeiro. A própria mulher estranha o pedido e mal se lembra das tais histórias.

Inicialmente visto como um esquisitão, Quaresma passa a ser visto como louco depois de propor uma reforma ao legislativo para instituir o Tupi como língua oficial do Brasil. É aposentado de forma compulsória da Secretaria de Guerra e então se muda para uma fazenda chamada “Sossego” onde traça um programa ambicioso para impulsionar a agricultura nacional.

Frequentemente, o seu idealismo é confrontado com a dura realidade.

Leu tratados de botânica, trabalha ele próprio a terra em conjunto com um ex escravo, que se diverte vendo o major com o seu pince-nez mal saber manusear a enxada. Todo o esforço e esperança dedicados à agricultura são destruídos pelo poder invencível das .... formigas. São elas tão frequentemente lembradas na tradição brasileira, que remontam à famosa assertiva de “Macunaíma” de Mário de Andrade: “Muitas Saúvas e Pouca Saúde, os males do Brasil são”.

Mas certamente o momento em que Quaresma mais verá confrontado o seu idealismo com a dura e bruta realidade país se dará na última parte do livro, quando o major se voluntaria para defender a República e a presidência de Floriano Peixoto durante a Revolta da Armada. Trata-se de uma Guerra Civil que foi brutalmente reprimida pelo ditador da República.

Se o protagonista via o Brasil como um país divino, inigualável em sua perfeição natural, o idealismo se estende aos poderes políticos: via uma figura medíocre como a do presidente do Brasil como uma versão nacional de Napoleão, de Henrique IV ou de Bismark.  Novamente a expectativa em torno do ideal, confrontada com a realidade, produz um novo fracasso, com tons de humor.

Ao término da revolta, Floriano Peixoto encerra uma perseguição incruenta contra os rebeldes, ensejando a oposição de Quaresma, sempre movido por uma intenção sincera de servir a pátria. E, ao final da obra, o protagonista é mandado à prisão e tratado por todos como um traidor da pátria. É o “triste fim” a que se reporta o título do livro.

E esse “triste fim”, esse não reconhecimento de um espírito virtuoso, sincero e ativo em defesa do Brasil é um dos paralelismos entre a obra de ficção e a vida de Lima Barreto. Tal qual Quaresma, Lima Barreto morreu sem o reconhecimento da sua contribuição ao país e à literatura nacional.

Não reconhecido em vida, entretanto, Lima Barreto hoje certamente é mais lido e conhecido que um Coelho Neto, o escritor erudito mais popular do Brasil no início do século XX.

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