“Triste Fim de Policarpo Quaresma” – Lima Barreto
Resenha Livro - “Triste Fim de Policarpo Quaresma” – Lima
Barreto – Ed. Projetus
“Policarpo era patriota. Desde moço, aí pelos vinte anos, o amor da Pátria
tomou-o todo inteiro. Não fora o amor comum, palrador e vazio; fora um
sentimento sério, grave e absorvente. Nada de ambições políticas ou administrativas;
o que Quaresma pensou, ou melhor: o que o patriotismo o fez pensar, foi num
conhecimento inteiro do Brasil, levando-o a meditações sobre os seus recursos,
para depois então apontar os remédios, as medidas progressivas, com pleno
conhecimento de causa”.
“Triste Fim de Policarpo Quaresma”
é sem dúvidas o mais conhecido romance do escritor fluminense Afonso Henriques
de Lima Barreto (1881/1922). Foi publicado inicialmente em folhetim no ano de
1911 na edição vespertina do “Jornal do Comércio” do Rio de Janeiro. Quatro
anos depois, foi publicado integralmente em livro, ao que consta, a muito custo,
com os parcos rendimentos do escritor.
Lima Barreto não obteve o
reconhecimento literário ao seu tempo, a despeito de ser provavelmente o melhor
cronista da incipiente vida urbana do Brasil do início do Século XX. Foi em
três ocasiões preterido de uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Foi
excluído e silenciado pela crítica oficial e passou os últimos anos de sua vida
internado em hospital psiquiátrico por problemas com alcoolismo.
Em parte, a marginalização do
escritor se explica pela sua origem social e racial. E, de outro lado, o seu
estilo literário igualmente destoava das tendências predominantes da época,
ainda influenciadas pelo apego ao formalismo, levado até as últimas
consequências pelo parnasianismo.
Os romances do escritor envolvem uma
escrita simples, de estilo realista, que procura expressar os tipos populares e
suburbanos do Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Em Lima Barreto, a palavra
não serve de anteparo entre o homem e os fatos que serão narrados. Opunha-se
ferozmente a qualquer tipo de preciosismo literário, ao ponto de dizer: “não
posso compreender que a literatura seja um culto ao dicionário”. Neste
contexto, fazia oposição direta aos dois mais importantes escritores do período
em que viveu: Rui Barbosa e Coelho Neto.
Curiosamente, um dos poucos que
reconheceram a capacidade do escritor negro e pobre do Rio de Janeiro foi
Monteiro Lobato, o mesmo que muitos hoje em dia buscam também silenciar por
conta do seu “racismo” e “elitismo”. Foi o próprio Lobato o único que quem
publicou em sua editora os livros de Lima Barreto.
A segunda razão do ostracismo em
vida do escritor, como dissemos, diz respeito à sua origem social. Veio do
subúrbio carioca, foi filho de um tipógrafo e de uma professora primária,
falecida quando Lima Barreto tinha sete anos de idade.
O seu pai era monarquista e
protegido de Visconde de Ouro Preto. O político do II Império tornou-se
padrinho de Lima Barreto e o auxiliaria a ingressar na escola politécnica do Rio de Janeiro. Lá estudou
engenharia, sem terminar o curso. Com a queda de Dom Pedro II e a proclamação
da República, o pai de Lima Barreto, até então protegido pelo influente
ministro do Imperador, perde o emprego. Já o autor de Policarpo Quaresma sobrevive
escrevendo em jornais e revistas do Rio de Janeiro e, em 1903, é aprovado em concurso para
trabalhar como funcionário público da Secretaria da Guerra.
Há em toda obra do escritor um
componente autobiográfico. Ele é mais visível especialmente do seu primeiro
romance "Recordações do escrivão Isaías Caminha" (1909) no qual traça
um panorama satírico dos artistas, escritores, poetas e jornalistas que participam
da vida cultural do Brasil dos anos de 1900. Desde o favoritismo, até ao culto do
bacharelismo, vemos a mediocridade se impondo e prevalecendo sobre a originalidade
nas artes. Em regra, o bacharel é aquele que se torna um sábio através do
estudo – o diploma parece ser antes um mero título de nobreza. A ausência de
autenticidade, quando não o puro e simples plágio, dão o tom da literatura da
época.
O componente auto biográfico está
igualmente presente no seu mais conhecido romance.
Triste Fim de Policarpo Quaresma
O major Policarpo Quaresma pode
ser comparado como a versão brasileira de Dom Quixote.
É um nacionalista movido por um sincero,
cândido e ingênuo otimismo em relação ao Brasil. O aspecto quixotesco do
personagem se revela especialmente em alguns lances cômicos do protagonista.
Quaresma é um burocrata que
trabalha na Secretaria de Guerra e desde cedo se dedica ao estudo da realidade
nacional. Depois de ler absolutamente toda a bibliografia disponível sobre a
história, botânica, geologia, política, sociologia e a geografia do Brasil,
surpreende os seus vizinhos fazendo aulas de violão, por entender ser o instrumento,
então visto como algo vulgar, uma das mais altas expressões do sentimento
nacional.
Vai estudar o folclore brasileiro
e busca entrevistar uma velha escrava para lhe contar as cantigas da época do
cativeiro. A própria mulher estranha o pedido e mal se lembra das tais
histórias.
Inicialmente visto como um
esquisitão, Quaresma passa a ser visto como louco depois de propor uma reforma
ao legislativo para instituir o Tupi como língua oficial do Brasil. É
aposentado de forma compulsória da Secretaria de Guerra e então se muda para
uma fazenda chamada “Sossego” onde traça um programa ambicioso para impulsionar
a agricultura nacional.
Frequentemente, o seu idealismo é
confrontado com a dura realidade.
Leu tratados de botânica,
trabalha ele próprio a terra em conjunto com um ex escravo, que se diverte
vendo o major com o seu pince-nez mal saber manusear a enxada. Todo o esforço e
esperança dedicados à agricultura são destruídos pelo poder invencível das ....
formigas. São elas tão frequentemente lembradas na tradição brasileira, que remontam
à famosa assertiva de “Macunaíma” de Mário de Andrade: “Muitas Saúvas e Pouca
Saúde, os males do Brasil são”.
Mas certamente o momento em que
Quaresma mais verá confrontado o seu idealismo com a dura e bruta realidade país
se dará na última parte do livro, quando o major se voluntaria para defender a
República e a presidência de Floriano Peixoto durante a Revolta da Armada. Trata-se
de uma Guerra Civil que foi brutalmente reprimida pelo ditador da República.
Se o protagonista via o Brasil
como um país divino, inigualável em sua perfeição natural, o idealismo se
estende aos poderes políticos: via uma figura medíocre como a do presidente do
Brasil como uma versão nacional de Napoleão, de Henrique IV ou de Bismark. Novamente a expectativa em torno do ideal,
confrontada com a realidade, produz um novo fracasso, com tons de humor.
Ao término da revolta, Floriano
Peixoto encerra uma perseguição incruenta contra os rebeldes, ensejando a
oposição de Quaresma, sempre movido por uma intenção sincera de servir a
pátria. E, ao final da obra, o protagonista é mandado à prisão e tratado por
todos como um traidor da pátria. É o “triste fim” a que se reporta o título do
livro.
E esse “triste fim”, esse não
reconhecimento de um espírito virtuoso, sincero e ativo em defesa do Brasil é
um dos paralelismos entre a obra de ficção e a vida de Lima Barreto. Tal qual
Quaresma, Lima Barreto morreu sem o reconhecimento da sua contribuição ao país
e à literatura nacional.
Não reconhecido em vida, entretanto,
Lima Barreto hoje certamente é mais lido e conhecido que um Coelho Neto, o escritor
erudito mais popular do Brasil no início do século XX.
Nenhum comentário:
Postar um comentário