Os Contos de Anton Tchékhov
Resenha Livro – “Um Homem
Extraordinário e outras Histórias” – Anton Tchékhov (Tradução: Tatiana Beliky) –
Ed. L&PM
Anton Pavlovich Tchékhov (1860/1904)
figura como parte do rol de maiores expoentes da literatura Russa do século XIX,
ao lado de Górki, Dostoievsky, Tolstói e Turguêniev. Destacou-se
particularmente pelos seus contos e novelas, através de pequenas histórias, marcadas
pela concisão, pela simplicidade na linguagem
e pela valorização dos diálogos, como meio mais consistente de descrição da
personalidade dos personagens, o que o levou também a escrita de peças de
teatro.
Ao contrário de Tolstói e
Turgueniêv, que eram oriundos de famílias abastadas, adveio da pobreza e, tal
qual Dostoievsky, teve a literatura como fonte de ganha pão.
O escritor nasceu numa cidade ao
sul da Rússia chamada Tangantog, às margens do Mar de Azov, no ano de 1860. Iniciou o seu trabalho
literário quando estudava medicina em Moscou, num contexto particularmente difícil
aos escritores daquele país, após o assassinado do Czar Alexandre II em 1881
por um grupo revolucionário intitulado “A Vontade do Povo”, também conhecido
como os “populistas”.
A tática política dos “populistas”
era o terrorismo individual: buscavam assassinar lideranças do czarismo,
implicando, quando obtinham sucesso, na mera troca de postos acompanhadas de
uma repressão brutal, sem efetiva transformação do regime político e das
relações sociais. Também acreditavam que o eixo da revolução russa se daria em
torno da pequena propriedade rural (“mir”) em oposição ao nascente movimento
marxista, que apostava na centralidade do proletariado. (O irmão de Lênin
participou do grupo dos “populistas” e foi assassinado pelo czarismo, fato que
influenciou as ideias políticas do grande dirigente da Revolução Russa).
O assassinato de Alexandre II deu
ensejo ao recrudescimento da censura, dos pogroms e perseguições, apenas
autorizando um tipo de literatura que não desafiasse os poderes constituídos.
Nesse primeiro momento, a
produção de Tchékhov centra-se em pequenas históricas cômicas e curtas, adequadas
ao gosto do grande público, sem com isso perder em qualidade literária. Tornou-se
conhecido do público através dessas narrativas simples e acessíveis. Não tinham
essas histórias conotação política mais evidente, mas, aqui, vale a ressalva de
que o nosso autor, efetivamente, nunca assumiu uma orientação militante ou
partidária, tal qual Górki que, ao que consta, era seu amigo próximo.
Em uma de suas cartas, Tchékhov
diria: “não sou liberal, nem conservador, nem evolucionista, nem religioso, nem
indiferente”, denotando não tanto um “apoliticismo”, mas um “apartidarismo”, o
que era particularmente significativo dentro da conjuntura política revolucionária
e contrarrevolucionária russa em que produziu as suas obras.
Depois de formado, Tchékhov exerceu
a medicina numa clínica rural, onde conheceu de perto a vida dos camponeses
pobres, também denominados “mujiques”, e dos demais membros dos baixos e médios
extratos da sociedade russa: pequenos burguesas, funcionários públicos,
comerciantes, bêbados, etc. Essa experiência, como não poderia deixar de ser,
teria influência direta na sua obra subsequente, que poderíamos caracterizar
como relacionadas a uma “fase de maturidade”.
Conforme Tatiana Beliky no
prefácio da obra:
“[Mas] logo a pujante vocação
literária do jovem médico manifestou-se com força irresistível e Tchékhov ‘traiu’
(nas suas próprias palavras) a medicina, para se entregar de corpo e alma às
lides literárias. Entre 1885 e 1887, o escritor começou a deixar de lado o ‘trabalho
apressado’ e ‘miúdo’ para dedicar seu enorme talento a uma ‘obra pensada’, de
temática ‘séria’, da qual não mais se afastou e que iria revelar um dos maiores
e mais importantes contistas e dramaturgos da era moderna, que acabaria influenciando
o desenvolvimento da literatura e da dramaturgia de todo o mundo ocidental”
Em uma análise geral dos seus
contos, percebemos um elemento telúrico em que a natureza e as raízes culturais
da Rússia perpassam as histórias e influenciam a conduta dos personagens. Há
também uma profunda emotividade, lirismo e ternura na descrição de eventos e
pessoas, fazendo com que possamos traçar um paralelo entre os contos e outros
escritores brasileiros dotados da mesma qualidade.
Vêm-nos à mente particularmente
José Lins do Rego e o seu ciclo da cana
de açúcar, em que a paulatina decadência dos Engenhos, e sua reconfiguração nas
Usinas, acompanha passo a passa o esfacelamento da sociedade patriarcal tradicional,
a constituição da cidade em detrimento do campo e transformação das relações
sociais e de trabalho. A terra e as raízes culturais do nordeste brasileiro constituem
a base sobre a qual os personagens desenvolvem a sua ação e a sua forma de ver
o mundo. Já em Tchékhov, a sua experiência como médico rural dá ensejo a muitas
históricas com o mesmo componente telúrico, advindo “da terra”, fazendo com que
a leitura das suas histórias possibilite um contato particularmente interessante
com as circunstâncias históricas e sociais da Rússia do século XIX.
A isso se soma o seu estilo
objetivo, sem sentimentalismos e com economia de adjetivos, sem com isso ensejar
uma mera análise superficial da psicologia dos personagens. Pelo contrário, a
sondagem da alma humana exsurge nos pequenos detalhes: são especialmente as
palavras ditas e não ditas, as evasivas, o comportamento e alguns atos sutis
que vão revelando a personalidade, muito mais do que a análise e descrição em
primeira pessoa do narrador.
Tchékhov produziu centenas de
contos, novelas, cartas e peças teatrais, até sua morte prematura, aos 44 anos
de idade, em plena maturidade intelectual, por tuberculose.
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