segunda-feira, 14 de novembro de 2022

O Picapau Amarelo – Monteiro Lobato

 O Picapau Amarelo – Monteiro Lobato




 

Resenha Livro - O Picapau Amarelo – Monteiro Lobato – Ed. Biblioteca Azul.

 

“O Sítio de Dona Beta foi se tornando famoso tanto no Mundo da Verdade como no chamado Mundo de Mentira. O Mundo de Mentira, ou Mundo da Fábula, é como a gente grande costuma chamar a terra e as coisas do País das Maravilhas, lá onde moram os anões e os gigantes, as fadas e os sacis, os piratas como o Capitão Gancho e os anjinhos como Flor das Alturas. Mas o Mundo da Fábula não é realmente nenhum mundo de mentira, pois o que existe na imaginação de milhões e milhões de crianças é tão real como as páginas deste livro. O que se dá é que as crianças logo se transformam em gente grande e fingem não mais acreditar no que acreditavam”.  

 

José Bento Renato Monteiro Lobato desde criança desenvolveu a atividade literária. Nascido na cidade de Taubaté/SP em 18 de abril de 1882, ainda na escola se dedicava a escrever histórias e criar jornais.

 

É provável que seu trabalho mais conhecido do público tenha sido o da literatura infantil, a criação da Turma do Sítio do Pica Pau Amarelo, da boneca Emília, dos primos Narizinho e Pedrinho, do Visconde de Sabugosa, do porquinho Marquês de Rabicó, da Dona Benta e da Tia Nastácia.

 

Além da literatura infantil, Monteiro Lobato produziu artigos, críticas literárias, crônicas e um único romance, denominado o “Presidente Negro”, publicado em 1926.

 

Também teve participação pessoal em movimentos políticos nacionalistas, em especial na defesa na nacionalização do Petróleo – neste caso foi pioneiro, tendo sido preso em março de 1941 durante o Estado Novo por ter enviado carta a Getúlio Vargas e ao general Góis Monteiro, chamando atenção para  “displicência do sr. Presidente da República, em face da questão do petróleo no Brasil, permitindo que o Conselho Nacional do Petróleo retarde a criação da grande indústria petroleira em nosso país, para servir, única e exclusivamente, os interesses do truste Standard-Royal Dutch”.

 

A literatura lobatiana dedicada ao público infantil surge após o escritor de Taubaté já ter sido consagrado como crítico de arte, jornalista e autor de livros para o público adulto. Seu primeiro livro de contos, denominado Urupês (1918), foi ao mesmo tempo bem recebido pela crítica e por um público extenso: foi um sucesso de vendas. Certamente, este escritor foi dos poucos que souberam articular beleza estética na sua descrição do interior paulista e do caipira e uma simplicidade de linguagem que fizeram de seus livros também conhecidos do grande público.

 

O Picapau Amarelo foi publicado no ano de 1939, tendo como subtítulo “O Sítio de Dona Benta, um mundo de verdade de mentira”.

 

Certo dia, Dona Benta recebe uma carta do Pequeno Polegar, que lhe diz da intenção dos habitantes do Mundo da Fábula de se mudarem para o Sítio do Picapau Amarelo.

 

Do Mundo das Maravilhas vêm os personagens que universalmente marcam o imaginário infantil: Peter Pan e o Capitão Gancho; Branca de Neve e os Sete Anões; a Gata Borralheira; Aladim e a famosa Alice do País das Maravilhas. Ao grupo se juntam outros personagens que expressam o aspecto didático e educativo dos livros infantis de Monteiro Lobato. Da mudança participam Dom Quixote, e seu escuteiro Sancho, e personagens da mitologia grega: a Medusa com os seus cabelos de cobra; os Centauros, meio homens e meios cavalos; as sereias; os sátiros pés de bode e as ninfas.

 

E como recepcionar todas estas pessoas no Sítio?

 

Dona Benta decide comprar as fazendas de seus vizinhos, não sem antes contar com a esperteza de Emília que, junto com o Visconde de Sabugosa, ludibriam os proprietários gananciosos (que queriam vender os terrenos a preços exorbitantes) dizendo que Dona Benta faria a maior criação de feras, com duzentos rinocerontes ferocíssimos, cento e cinquenta tigres de bengala, conquanto todos sabem que animais caseiros como burros, bois e cavalos, têm verdadeiro horror pelas grandes feras. O medo da desvalorização dos terrenos faz os vizinhos gananciosos deixarem de querer vender suas propriedades a preços injustos.

 

Para não transformar o Sítio do Pica Pau Amarelo num verdadeiro hospício, fica combinado que as terras das fábulas ficariam nestes terrenos recém adquiridos, com a divisão entre os lotes com cercas de seis fios de arame farpado e uma porteira com cadeado, cuja chave ficaria aos cuidados do sapiente Visconde de Sabugosa. E, de resto, Quindim, o rinoceronte, ficaria responsável por fazer a guarda do Sítio, indo e voltando em torno da linha divisória, fazendo guarda com o seu ameaçador chifre.

 

Esta oposição entre o mundo real e o mundo da fantasia, como é de se esperar, é logo rompida. A todo momento, ocorre, “causos” no mundo da Fantasia que exigem a atuação de Pedrinho, Emília e sua turma.

 

A começar por Dom Quixote, que de tanto procurar moinhos de vento, esquece de trazer uma casa e pede hospedagem no sítio. Sancho, seu escudeiro e conhecido pelo amor pela comida, vai se deliciando com os bolos e frangos de Tia Nastácia e acaba com os mantimentos da dispensa: gula igual ao do escudeiro, só a do porquinho Marquês de Rabicó.

 

“Nesse momento Tia Nastácia entrou com a bandeja de café com mistura – bolinhos, torradas, pipocas. Dom Quixote tomou três xicaras de café, comeu doze bolinhos, seis torradas e uma peneirada de pipocas. Estava verdadeiramente faminto, o coitado. Aquilo fez-lhe bem, porque logo em seguida cruzou as pernas, abriu os braços e, com as mãos seguradas nos punhos da rede, disse, correndo os olhos pela varanda:

- Não há dúvida, não há dúvida. A vidinha aqui é bem boa...”

 

O desfazimento da linha demarcatória entre o mundo da realidade e o mundo da fantasia, na história infantil, é representativo do mundo imaginativo e lúdico das crianças. E, além disso, possibilita encanto de  adultos que teimam em continuar acreditando no mundo imaginário ou ao menos se sensibilizam com suas lembranças de criança.

 

Logo no início do livro, Lobato chama atenção para o fato de que os crescidos também têm as suas “fantasias”. Enquanto dizem para as crianças que o mundo de fábulas não existe e que só acreditam no que é possível de se ver com os olhos, ao mesmo tempo acreditam em abstrações como “Justiça”, “Civilização” e “Bondade”. Por que não, então, também não acreditar em sereias, em cavalos voadores, em sacis pererês e personagens como Branca de Neve e os Sete Anões?

 

As fantasias do mundo real e do mundo fantástico, de início cindidas pela linha demarcatória, pelo cadeado com chaves sob os cuidados do Sábio Visconde e com o policiamento de Quindim, vão se fundindo numa unidade, em que as aventuras e histórias de crianças, princesas e entes mitológicos comovem crianças e adultos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário