O Picapau Amarelo – Monteiro Lobato
Resenha
Livro - O Picapau Amarelo – Monteiro Lobato – Ed. Biblioteca Azul.
“O
Sítio de Dona Beta foi se tornando famoso tanto no Mundo da Verdade como no
chamado Mundo de Mentira. O Mundo de Mentira, ou Mundo da Fábula, é como a
gente grande costuma chamar a terra e as coisas do País das Maravilhas, lá onde
moram os anões e os gigantes, as fadas e os sacis, os piratas como o Capitão
Gancho e os anjinhos como Flor das Alturas. Mas o Mundo da Fábula não é
realmente nenhum mundo de mentira, pois o que existe na imaginação de milhões e
milhões de crianças é tão real como as páginas deste livro. O que se dá é que
as crianças logo se transformam em gente grande e fingem não mais acreditar no
que acreditavam”.
José
Bento Renato Monteiro Lobato desde criança desenvolveu a atividade literária.
Nascido na cidade de Taubaté/SP em 18 de abril de 1882, ainda na escola se
dedicava a escrever histórias e criar jornais.
É
provável que seu trabalho mais conhecido do público tenha sido o da literatura
infantil, a criação da Turma do Sítio do Pica Pau Amarelo, da boneca Emília,
dos primos Narizinho e Pedrinho, do Visconde de Sabugosa, do porquinho Marquês
de Rabicó, da Dona Benta e da Tia Nastácia.
Além
da literatura infantil, Monteiro Lobato produziu artigos, críticas literárias,
crônicas e um único romance, denominado o “Presidente Negro”, publicado em
1926.
Também
teve participação pessoal em movimentos políticos nacionalistas, em especial na
defesa na nacionalização do Petróleo – neste caso foi pioneiro, tendo sido
preso em março de 1941 durante o Estado Novo por ter enviado carta a Getúlio
Vargas e ao general Góis Monteiro, chamando atenção para “displicência
do sr. Presidente da República, em face da questão do petróleo no Brasil,
permitindo que o Conselho Nacional do Petróleo retarde a criação da grande
indústria petroleira em nosso país, para servir, única e exclusivamente, os
interesses do truste Standard-Royal Dutch”.
A
literatura lobatiana dedicada ao público infantil surge após o escritor de
Taubaté já ter sido consagrado como crítico de arte, jornalista e autor de
livros para o público adulto. Seu primeiro livro de contos, denominado Urupês
(1918), foi ao mesmo tempo bem recebido pela crítica e por um público extenso:
foi um sucesso de vendas. Certamente, este escritor foi dos poucos que souberam
articular beleza estética na sua descrição do interior paulista e do caipira e
uma simplicidade de linguagem que fizeram de seus livros também conhecidos do
grande público.
O
Picapau Amarelo foi publicado no ano de 1939, tendo como subtítulo “O Sítio de
Dona Benta, um mundo de verdade de mentira”.
Certo
dia, Dona Benta recebe uma carta do Pequeno Polegar, que lhe diz da intenção
dos habitantes do Mundo da Fábula de se mudarem para o Sítio do Picapau Amarelo.
Do
Mundo das Maravilhas vêm os personagens que universalmente marcam o imaginário
infantil: Peter Pan e o Capitão Gancho; Branca de Neve e os Sete Anões; a Gata
Borralheira; Aladim e a famosa Alice do País das Maravilhas. Ao grupo se juntam
outros personagens que expressam o aspecto didático e educativo dos livros
infantis de Monteiro Lobato. Da mudança participam Dom Quixote, e seu escuteiro
Sancho, e personagens da mitologia grega: a Medusa com os seus cabelos de
cobra; os Centauros, meio homens e meios cavalos; as sereias; os sátiros pés de
bode e as ninfas.
E
como recepcionar todas estas pessoas no Sítio?
Dona
Benta decide comprar as fazendas de seus vizinhos, não sem antes contar com a
esperteza de Emília que, junto com o Visconde de Sabugosa, ludibriam os
proprietários gananciosos (que queriam vender os terrenos a preços
exorbitantes) dizendo que Dona Benta faria a maior criação de feras, com
duzentos rinocerontes ferocíssimos, cento e cinquenta tigres de bengala,
conquanto todos sabem que animais caseiros como burros, bois e cavalos, têm
verdadeiro horror pelas grandes feras. O medo da desvalorização dos terrenos
faz os vizinhos gananciosos deixarem de querer vender suas propriedades a
preços injustos.
Para
não transformar o Sítio do Pica Pau Amarelo num verdadeiro hospício, fica
combinado que as terras das fábulas ficariam nestes terrenos recém adquiridos,
com a divisão entre os lotes com cercas de seis fios de arame farpado e uma
porteira com cadeado, cuja chave ficaria aos cuidados do sapiente Visconde de
Sabugosa. E, de resto, Quindim, o rinoceronte, ficaria responsável por fazer a
guarda do Sítio, indo e voltando em torno da linha divisória, fazendo guarda
com o seu ameaçador chifre.
Esta
oposição entre o mundo real e o mundo da fantasia, como é de se esperar, é logo
rompida. A todo momento, ocorre, “causos” no mundo da Fantasia que exigem a atuação
de Pedrinho, Emília e sua turma.
A
começar por Dom Quixote, que de tanto procurar moinhos de vento, esquece de
trazer uma casa e pede hospedagem no sítio. Sancho, seu escudeiro e conhecido
pelo amor pela comida, vai se deliciando com os bolos e frangos de Tia Nastácia
e acaba com os mantimentos da dispensa: gula igual ao do escudeiro, só a do
porquinho Marquês de Rabicó.
“Nesse
momento Tia Nastácia entrou com a bandeja de café com mistura – bolinhos,
torradas, pipocas. Dom Quixote tomou três xicaras de café, comeu doze bolinhos,
seis torradas e uma peneirada de pipocas. Estava verdadeiramente faminto, o
coitado. Aquilo fez-lhe bem, porque logo em seguida cruzou as pernas, abriu os
braços e, com as mãos seguradas nos punhos da rede, disse, correndo os olhos
pela varanda:
-
Não há dúvida, não há dúvida. A vidinha aqui é bem boa...”
O
desfazimento da linha demarcatória entre o mundo da realidade e o mundo da
fantasia, na história infantil, é representativo do mundo imaginativo e lúdico das
crianças. E, além disso, possibilita encanto de adultos que teimam em continuar acreditando no
mundo imaginário ou ao menos se sensibilizam com suas lembranças de criança.
Logo
no início do livro, Lobato chama atenção para o fato de que os crescidos também
têm as suas “fantasias”. Enquanto dizem para as crianças que o mundo de fábulas
não existe e que só acreditam no que é possível de se ver com os olhos, ao
mesmo tempo acreditam em abstrações como “Justiça”, “Civilização” e “Bondade”.
Por que não, então, também não acreditar em sereias, em cavalos voadores, em sacis
pererês e personagens como Branca de Neve e os Sete Anões?
As
fantasias do mundo real e do mundo fantástico, de início cindidas pela linha
demarcatória, pelo cadeado com chaves sob os cuidados do Sábio Visconde e com o
policiamento de Quindim, vão se fundindo numa unidade, em que as aventuras e
histórias de crianças, princesas e entes mitológicos comovem crianças e
adultos.
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